quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Um aviso do Tempo Futuro vindo do Passado

 



Futuro é aquele tempo que nos chega espantosamente já construído. No entanto poderíamos encontrá-lo já inscrito em memórias deixadas pelo passado.
Pois se é a Lei da Causalidade, aquela “potência Contrafactor” (1), que constrói o futuro, então, as grandes escalas, que só o tempo futuro pode construir e abarcar, obra da Entropia, vão definir as pequenas escalas que nos são dadas no presente. Somos fractais por essa razão e também muito pequeninos. Acabamos por ser um produto da retrocausalidade.
Invertendo a causalidade e a localidade destroem-se todos os pressupostos axiomáticos sob os quais vive Sophia – o Conhecimento. No nosso mundo, assim confinada ao espaço-tempo num quadrado que se pode transformar num cubo, não resistirá à Luz do Alhures/Algures – o Inefável, sem a Pistis, as potências Construtoras do triângulo, que se pode transformar numa pirâmide. Afinal a mensagem simbólica básica inscrita na Tetractys da Década Pitagórica.
É o Futuro que vem na nossa direcção! Saibamo-lo construir na dualidade dos opostos: Pleroma versus Kenoma.
Este poderia ser o melhor conselho que nos poderiam dar, inscrito na pedra, o material mais comum e duradouro existente, num sério aviso para o futuro da Humanidade.
Transmitido em todas as cosmogonias e teogonias em todas as civilizações, algumas geograficamente muito distantes, sob formatos mitológicos e camadas de véus obscuros, terá sido a única maneira inteligente de garantir a sua transmissibilidade (para além da oral que se deteriora com o tempo) para as gerações vindouras, sobrevivendo ao caos da existência material. Foi assim nas mensagens dos textos gnósticos do cristianismo primitivo (os manuscritos gnósticos de Nag Hammadi), foi assim pela mitologia védica e Hinduísta, egípcia, babilónica, maia, azeteca, celta, ameríndia e dos povos do pacífico e do sudoeste asiático. Definitivamente um assunto universal com origem provável num grande acontecimento que impactou globalmente de forma acutilante a Humanidade e o planeta, e que hoje é conhecido como a época do Younger Dryas.
Este poderá ser afinal o significado oculto da mensagem até agora indecifrável, transmitido pelas conhecidas “malinhas de mão” presentes na estatuária arcaica distribuída pelos quatro cantos do mundo (ou seis: este, oeste, norte, sul, zénite, nadir) e agora também descoberta na civilização pós-diluviana representada magistralmente nas inscrições das ruínas de Göbekli Tepe na Turquia com mais de 12.000 anos. Época datando exactamente do período do Younger Dryas.


Pilar 43 em Göbekli Tepe


Verifica-se que a presença das “malinhas de mão”, estende-se desde as representações Assírias no Iraque com 880 a 859 anos a.C., até às Olmecas e azetecas na antiga América Central datando de 1200 a 400 a.C., entre civilizações sem qualquer contacto entre si. 
O mesmo sucede ainda mais longe na Nova Zelândia no contexto cultural das tradições Maori, em que uma importante figura da mitologia maori, vinda da dimensão do reino dos deuses, possuidor de uma profunda sabedoria divina, transmitiu-a ao povo maori em artefactos semelhantes a malinhas ou bolsas em tudo semelhantes às de Göbekli Tepe.
Este facto confirma definitivamente a universalidade e a importância da mensagem a transmitir.

O deus sumério Oannes


Ora, se existia uma mensagem tão importante a transmitir, seria lógico que esta mensagem estivesse agregada a outros simbolismos, também eles envoltos num carácter universalista, estendendo-se de certo modo aos fundamentos culturais de quase todas as civilizações. A ideia seria facilitar a interpretação das “malinha de mão”, como que envolvendo-a de outros aspectos redundantes com significados mais abrangentes e/ou complementares.


Friso babilónico com os “deuses alados”, a “Árvore da Vida” e as “malinhas”

 

Na realidade, encontramos outros símbolos com estas características e sempre associados às “malinhas de mão”. São eles: as serpentes aladas ou dragões alados, “A Árvore da Vida” e “Os Sete Sábios”. Tantos uns como outros surgem associados aos registos gráficos encontrados nas próprias “malinhas de mão” ou envolvendo o ambiente artístico onde estas se encontram.

As serpentes aladas ou os dragões alados são símbolos do Conhecimento ou da Sabedoria, da Evolução ligada ao eterno retorno. Veja-se o significado no Jardim do Éden bíblico ou no Hinduísmo com os “Nagas”, no Ouroboros e no Caduceu com Asclépio o deus grego da medicina e da cura.

Reportam-se sempre à mudança e ao mundo futuro. No antigo Egipto era comum a serpente na estatuária simbolizando autoridade e sabedoria divina ou, pelo contrário, a grande serpente Apófis do submundo idêntica ao Basilisco de sete cabeças em Pistis Sophia representando em ambos os casos o mau uso do conhecimento, o seu aspecto dual para o bem e para o mal.

Máscara de Tutankhamon com um ureu, adorno em forma de serpente


Em geral a serpente é assunto comum em todas as mitologias: Na Epopeia suméria de Gilgamesh; na mitologia do Daomé, na África ocidental, a serpente suporta o mundo com as suas muitas espirais; do outro lado do oceano Quetzalcoatl, a serpente emplumada maia, conhecida pelos azetecas como Gukumatz, em ambos os casos símbolo da transformação e da chegada dos deuses do leste que trouxeram o progresso e o conhecimento astronómico; Jormungand, a serpente de Midgard, surge na mitologia nórdica, abraçando o mundo no abismo do oceano.

Uma associação persiste: a da serpente com o oceano ou com o caos das águas revelando a muito provável ligação ao evento catastrófico do Younger Dryas ou do Dilúvio, este último também presente em todas as tradições culturais. Veja-se a representação do deus-peixe sumério Oannes.

Finalmente em Ísis sem Véu de Helena Blavatsky é dito que “Na Serpente estava toda a filosofia do universo”.



A serpente símbolo obrigatório nas “malinhas”


Outra simbologia oculta, associada às “malinhas de mão”, são um grupo de sete deuses ou seres de origem divina, designados por os “Sete Sábios”. São referidos nas mais importantes mitologias como agentes ou construtores civilizacionais portadores do conhecimento, da ciência e da sabedoria surgidos de um profundo cataclismo. Na mitologia suméria o deus Enki, fazendo parte dos quatro deuses primeiros (Anu, Enlil e Ninursague eram os outros que compunham este quaternário integrados nos sete maiores), era guardião das leis divinas, sendo o deus da sabedoria, da água e da fecundidade. Os outros deuses - Istar, Nana e Samas, eram designados por deuses do céu e faziam parte desta tríade que, conjuntamente com os anteriores constituíam uma estrutura septenária. 
Também na mitologia Assíria, surgem os sete Apkallu, considerados seres sábios e divinos que eram responsáveis por transmitir conhecimento e sabedoria aos homens, retratados como seres de aparência humana, figuras de homem-peixe, por vezes alados configurando aves. É o caso de Utuabzu descrito com uma cabeça e asas de águia num corpo humano, era protector dos conhecimentos divinos e guardião da árvore sagrada Ea.
Encontram-se sempre como portadores das “malinhas de mão” e como sobreviventes ao dilúvio.

Utuabzu

Na Índia, são os Saptarishi (em sânscrito sapta, sete e rishi, sábio) que designa os sete  rishis nos textos védicos, possuidores de incríveis poderes visionários e filhos de Brahma. É-lhes atribuída a responsabilidade de perseverar e transmitir o conhecimento no decorrer das eras. 

Esta ideia de organização septenária vai influenciar outro sistema cosmogónico, o gnóstico de Valentinus, recuperando do sistema Tétrakis Pitagórico, aparecem as sete esferas ou planos de existência, os Aeons em pares de syzygies, também informado por princípios duais masculino-feminino nas manifestações hierárquicas, corporizando centros de actividade tal como aqueles Sephirots na Cabala, ou os mesmos princípios Rajas, Sattva e Tamas do Trimurti Hindu, todos eles encimados pela região superior designada por Pleroma, formando no conjunto o Ogdoad.

Sistemas cosmogónicos congéneres encontramos na América Central, O Popol Vuh, o grande repositório da tradição pré-colombiana que conta a história da queda da humanidade e a chegada dos “primeiros homens”, as criaturas do Quetzalcoatl – a Serpente Emplumada, que nos incas toma o nome de Viracocha , os homens louros, brancos e barbudos, nomeadamente Balam-Quitz – o Jaguar do Doce Sorriso; Balam-Acab – o Jaguar da Noite; Mahucutah – o Nome Ilustre e Iqui-Balam – o Jaguar da Lua. Segundo o Popol Vuh “eram dotados de inteligência; viam instantaneamente podiam enxergar longe; tinham sucesso em ver o que queriam; conseguiam saber tudo o que havia no mundo. Sem precisar se mover inicialmente, viam à distância coisas ocultas…Grande era a sabedoria deles; sua vista alcançava as florestas, as rochas, os lagos, os mares, as montanhas e os vales. Na verdade, eram homens admiráveis…Podiam saber tudo e examinavam os quatro cantos, os quatro pontos do céu, e a face redonda da terra.” (2).

Quetzalcoatl, uma “malinha de mão” e a serpente 

Entretanto, Tezcatilpoca, o Espelho Esfumaçado, cujo culto exigia sacrifícios humanos fez desaparecer obrigando-o a abandonar Tula/Tollan no México: a eterna luta da luz contra as trevas. No entanto Quetzalcoatl prometeu um dia voltar. Tezcatilpoca aparece nas lendas ligado à noite, às trevas e ao jaguar sagrado, sendo o deus do céu nocturno, da lua e das estrelas; senhor do fogo e da morte. Segundo a lenda, Tezcatilpoca usava um aparelho, designado por espelho esfumaçado, para observar à distância a actividade dos homens e dos deuses, interpretado mais tarde nas obsidianas – Tezcat, com as facas sacrificiais e espelhos divinatórios.

Outro símbolo designado como “A Árvore da Vida” faz parte de muitas outras tradições religiosas (conceito sagrado) e filosóficas (a árvore do conhecimento a unir o céu e o submundo) e concepções cosmogónicas (a origem da natureza humana e do cosmos) e como tal adquire aspectos dualísticos. A Árvore da Vida tem uma referência muito especial com a Cabala hebraica. Ali é dividida hierarquicamente em 10 Sephirots hierárquicos que podem ser lidos microcosmicamente, do ponto de vista do homem ou de baixo para cima, como também macrocosmicamente, do ponto de vista do universo ou de cima para baixo. No seu seio operam agentes estabilizadores, de acção e não-acção, distribuídos em três colunas que contribuem para a perfeita harmonia das esferas de actividade dos Sephirots ou agentes construtores. Esta mesma estrutura encontra outras congéneres no Hinduísmo, onde os Vedas, os Puranas e os Upanishads referem a Árvore da Vida, símbolo do Conhecimento, ligando a terra e o céu, representando também os agentes duais e da harmonia com a simbologia Trimurti - Brahma (o Criador), Vishnu (O Protector) e Shiva (O Destruidor) ou Rajas, Sattva e Tamas.
Nos livros sagrados do hinduísmo, os Puranas mencionam também uma árvore divina, a Kalpavriksha, guardada pelos gandharvas no jardim da cidade mitológica de Amaravati sob o controlo do deus Indra do Rigeveda, rei dos seres luminosos Devas que controlam a natureza e o clima.
De uma maneira geral o conceito da Árvore da Vida, associado sempre ao sagrado, aos deuses e à mitologia, reflectindo a imortalidade, o fluxo e refluxo cíclico da vida cósmica, reeditando o significado esotérico do Ouroboros, das serpentes ou do Caduceu, estende-se por quase todas as tradições importantes de povos espalhados geograficamente por todo o mundo. É o caso da árvore Chipre sagrado no Irão, a Peepal também conhecida como Bodhi ou Banyan na Índia, e na China, o Baobá na África Ocidental, o Carvalho na tradição celta, o Freixo na Escandinávia, o Limoeiro na Alemanha e o Laurel na Grécia.
O conceito Teosófico liga a Árvore da Vida à Constituição Septenária da Cabala e aos princípios do Budismo Esotérico e às Estâncias do Livro de Dzyan, ambos amplamente comentados na Doutrina Secreta de Helena Petrovna Blavatsky.
Na Teosofia o Homem, encarado como Microcosmo, assim como a natureza ou o Universo, o Macrocosmo, é o saptaparna (a planta de sete folhas), simbolizado geometricamente por um triângulo sobre um quadrado. Nesta constituição septenária o triângulo é a Tríade superior é a parte imortal da natureza humana, constituída por Atman, o raio do Absoluto, no vértice e Budhi, a Alma Divina, e Manas, a Mente Pura, na base. Por sua vez o quadrado, Quaternário inferior, é formado por Sthula sharira, o corpo físico; Prana, o corpo vital; Linga sharira, o duplo etérico ou o corpo astral na teosofia original e finalmente Kâma Rupa, o corpo de desejos ou corpo emocional. Esta constituição pode ser lida em dois sentidos., tal como a organização Sephirótica.

A “Serpente”, a “Árvore da Vida”, os “Sete Sábios”, associadas com as “malinhas de mão”, partilham e reforçam a mesma mensagem. Representam simbolicamente o Conhecimento profundo e a Ciência transmitida por entes de uma cultura ou civilização superior, desaparecida num evento cataclísmico de dimensões planetárias. Estes conhecimentos envolviam a transmissão dos princípios fundamentais da vida humana e do universo, a Constituição Septenária do Microcosmo (relativa à natureza humana) e do Macrocosmo (relativa às cosmogonias e teogonias). 
Por esta razão consideramos que as “malinhas de mão” mais não são do que o símbolo da Constituição Septenária e representam a união do quaternário com o ternário – um quadrado e um triângulo unidos.
Uma mensagem que, uma vez tendo a descodificação simbólica apropriada, revela o âmago da fundamentação da natureza humana e do Cosmos.



Uma “malinha de mão” suméria e a representação gráfica da Constituição Septenária


A “malinha de mão” alvo de muitas interpretações sem grande sentido antropológico e arqueológico, uma delas, mais corrente, atribui a geometria do quadrado da mala à representação da Terra e o arco da pega da mesma, à representação da Via Láctea no céu. Esta interpretação não andará longe da verdade se considerarmos que por exemplo a representação da Via Láctea para os egípcios significava a mãe dos corpos celestes representada pela deusa Nut na abóbada celeste, o que coincide com a ideia filosófica do Tríade Logoica na Cabala e na Teosofia.

A deusa Nut, vista como a Via Láctea

No Antigo Egipto a “malinha de mão” adquire um aspecto hieroglífico com o símbolo ankh ou a Crux Ansata, a “Chave da Vida”, a cruz que representa a transformação ou ressurreição e a imortalidade (transmutação alquímica) ou ainda, de acordo com H. Blavatsky, a Constituição Septenária, tal como a cruz romana.

Ankh

Em conclusão: esta seria uma mensagem profunda sobre os fundamentos da origem humana e do próprio universo. Quem a transmitiu originalmente também tinha a intenção de dar a conhecer a sua existência civilizacional alertando a humanidade para os perigos cíclicos futuros que esta estaria sujeita, seja pelo mau uso da Ciência e do Conhecimento, seja pela possibilidade de ocorrência de eventos cataclísmicos, como a hipótese avançada por alguns investigadores acerca da queda de um cometa no planeta, um evento congénere àquele de Tunguska, ocorrido na Sibéria em 30 de Junho de 1908. Um evento de uma dimensão semelhante, mas potenciada muitas vezes mais, pela explosão de núcleos cometários na atmosfera terrestre, configuraria algo semelhante ao registo deixado pelo Younger Dryas. Sobre este tema poderá consultar a actual investigação conduzida pelo Comet Research Group.

Os Apkallu com a “malinha”e a Árvore da Vida ao centro


Escultura olmeca, a “malinha” e a serpente emplumada


Guerreiros Toltecas e um guerreiro azteca com as “malinhas de mão”


“[…] é importante frisar, desde já, um fato que nos parece essencial: o mito é considerado uma história sagrada e, portanto, uma “história verdadeira”, porque sempre se refere a realidades. O mito cosmogónico é “verdadeiro” porque a existência do Mundo aí está para prová-lo; o mito da origem da morte é igualmente “verdadeiro” porque é provado pela mortalidade do homem, e assim por diante.” (MALINOWSKI, 1995)

Notas

(1) Tão bem descrita em Pistis Sophia.

(2) cit. Graham Hancock, As Digitais dos Deuses, pp 174.


domingo, 11 de fevereiro de 2024

Pistis Sophia: acreditar na Ciência

 

        Imagem da IA Bing Creator


O Códex Askewianus maioritariamente conhecido como o manuscrito copta “Pistis Sophie”, foi descoberto em 1773 no Egipto. Adquirido mais tarde pelo inglês Anthony Askew, após a sua morte em 1795, foi adquirido aos herdeiros do Dr. Askew pelo Museu Britânico onde ali reside até agorae sempre alvo de grandes estudos.

Este manuscrito de autoria desconhecida, escrito em copta do Alto Egipto, data possivelmente do século III d.C., entre 250 e 300 d.C.. Constitui o mais importante texto gnóstico onde em 23 cadernos são relatados os acontecimentos relativos aos 11 anos em que Jesus transfigurado, após a sua ressurreição, transmitiu os ensinamentos da doutrina esotérica e secreta aos apóstolos (incluindo Maria Madalena, Maria, mãe de Jesus e Marta). Estes ensinamentos tornar-se-iam mais tarde a fonte de todos as variantes dos sistemas Gnósticos até agora conhecidos.

Pistis Sophia também conhecido como “O Livro do Salvador” ou ainda “A Doutrina Secreta do Salvador”, é quase sempre traduzido como “Sabedoria na Fé” ou “Fé na Sabedoria” ou ainda a “Fé de Sophia” dado que para os gnósticos Sophia era a sizígia divina de Cristhus (os Éons complementares feminino-masculino, as forças simétricas da natureza) e não apenas uma simples palavra significando sabedoria. O termo Pistis Sophie surge também no Códice de Berlim e no papiro de Nag Hammadi descoberto em 1945 no Alto Egipto e constituído por 52 textos gnósticos do cristianismo primitivo.

De todos os sistemas gnósticos, o mais elaborado, segundo muitos especialistas, é o atribuído a Valentino, supostamente falecido em meados do século II, ou talvez a algum membro da Escola Valentiniana e que constituí a conhecida “Teoria do Século II” que reporta às origens Egípcias do agnosticismo. Muitas outras teorias surgem depois, nomeadamente a “Teoria do Século III” de Kostlin em 1854, ou ainda uma origem nebulosa às seitas Ophíticas (os adoradores de serpentes).

Contudo, um novo manuscrito copta, o “Códice de Berlim”, foi divulgado por Schmidt em 16 de Julho de 1896 numa sessão da Academia Real Prussiana das Ciências, formado por três obras Gnósticas Gregas, nomeadamente “O Evangelho de Maria”, “O Apóstolo de João” e a “Sabedoria de Jesus Cristo”. Ali é-nos dito que, após a ressurreição, os 12 discípulos e 7 discípulas de Jesus, dirigiram-se a uma montanha na Galileia – o Monte das Oliveiras, onde este lhes aparece sob a forma de um “Anjo de Luz”. Aqui todos Lhe colocaram questões e obtiveram respostas sobre a imensa complexidade da natureza do “Inefável”, “O Sempre Existente” (Deus) e das hierarquias e poderes espirituais, emanações do Ser Eterno, formadoras do Pleroma ou do “O Invisível”, o “Espaço Abstracto Absoluto”, o “Aelohim”, em contraposição ao mundo material e visível, o Kenoma.

Das emanações do “Um”, Bythos (“Profundidade na Profundidade” em Grego) surgem classificações e descrições personificadas de hierarquias de Éons, poderes espirituais evoluídos e eternos, intermediários entre as dimensões espirituais intemporais e o contexto temporal que a matéria cria ou origina, ali designada por” Caos”.

Nos diferentes sistemas gnósticos estas hierarquias aparecem com desenvolvimentos diferentes. No entanto um eixo comum trespassa a todas revelando uma origem conceptual pitagórica seguida pelos platónicos e neoplatónicos e provavelmente assente em bases mitológicas mais antigas amalgamadas posteriormente com princípios e rituais no cristianismo primitivo.

Em todos persiste o Éon perfeito, “a potência e o manancial de Deus” acompanhado por um co-eterno éon, inferior mas todavia provindo da sua emanação e do qual surgem dualisticamente aos pares, em sizígias, tal como os deuses Egípcios informando os princípios masculino e feminino ou mesmo os princípios hinduístas do Trimurti: Rajas, Sattva e Tamas.

De acordo com George Robert Stowe Mead (secretário pessoal de Helena Blavatsky) no seu texto Pistis Sophia, escrito em 1924, as várias emanações do Uno são chamados "Aeons".

Também podemos aqui considerar que esta “manifestação” das “emanações” foi representada pela Tetráctis base da Década Pitagórica tendo sofrido as mesmas influências com as mesmas origens, reveladas agora pela ciência dos fractais, no triângulo de Sierpinski ou no Triângulo de Pascal e na Sequência de Fibonacci, presentes nos algoritmos e na informação fundamental à organização biológica complexa, essenciais a muitos fenómenos quânticos como a auto-construção bio-molecular. Aquilo que é a compreensão moderna do Microcosmo.

O conceito moderno de éon está ligado ao conceito astronómico, onde um éon é definido como um milhão de milhão de anos (109 anos, na forma abreviada Æ). Sir Roger Penrose, prémio Nobel da Física 2022, aplica o termo éon para descrever um período imenso de tempo entre Bigs Bangs sucessivos e cíclicos no contexto da Cosmologia Cíclica Conformal. Em consonância a Teoria Ecpirótica das “branas” e da teoria das “cordas” é antecedida na velhíssima Doutrina Secreta em o “Grande Alento” que emana do “Sagrado Sol Absoluto” e no final do “Grande Dia” que se reabsorve no “Sagrado Sol Absoluto” em ciclos eternos de Manvantaras e Pralayas. Assim o éon gnóstico refere-se a entidades extra dimensionais situadas em regiões (as Lokas sânscritas) fora do domínio espaço-temporal confinadas a “Firmamentos”, não se distanciando muito daquilo que a física actual designa pelos “separadores tipo espaço” inerentes ao conceito das figuras espaço-temporais dos hipercones de luz que delimitam as regiões do passado, do presente e do futuro daquelas regiões do “alhures e algures” nos diagramas de Minkowski. Mais adiante voltaremos a este assunto.

Na mitologia grega Aion (em latim Aevum) é um deus associado ao tempo eterno que se desenvolve num círculo, a roda Samsara budista, o Ouroboros, uma figura onde uma serpente morde a própria cauda, o ciclo evolutivo do espírito humano noutras dimensões, universos paralelos, onde a serpente ou o dragão representam as esferas ou regiões tidas como inferiores e superiores, pormenorizadamente descritas em Pistis Sophia nos 12 Æons e no 13º círculo, representando o intemporal eterno divino. Do mesmo modo a simbologia repete-se nas regiões inferiores e superiores dos Sephirots da Cabala reflectidos tanto no desenvolvimento do Micro e do Macrocosmos. Agregados, os dois símbolos são no Microcosmos (Homem) os ciclos reencarnatórios da alma humana, o processo alquímico em direcção à Pedra Filosofal (1). Æon é também representado muitas vezes pelo Zodíaco (a natureza cíclica do ano que se repete eternamente), ao contrário de Chronos, o tempo empírico dividido por passado, presente e futuro (os hipercones de luz no grafismo contemporâneo da Física).

Em Pistis Sophia a ideia de “Incogniscível” ligada à “Eternidade” temporal, é actualmente aquela que envolve espacialmente os hipercones de luz temporais definidos pela Física, pressupondo um comportamento dinâmico para estes sistemas, quando se permite que eles funcionem por um longo período de tempo. Neste âmbito podemos fazer uso do Teorema da Recorrência de Poincaré, quando afirma que quase todos os pontos em qualquer subconjunto do espaço físico, probabilisticamente revisitam o conjunto. Por outras palavras, adquiridos determinados sistemas, após um tempo suficientemente longo, mas finito, como é o caso do Universo conhecido, retornarão para um estado muito próximo ao estado inicial, sendo que o tempo de recorrência de Poincaré é o período de tempo decorrido até essa recorrência.

Esta é a teoria Ergódica, aquela pela qual se pode prever eventos futuros por meio da estimação estatística da probabilidade de recorrência de eventos passados desde que não ocorram mudanças estruturais e/ou sistémicas. Tudo isto será permitido pela primeira e a segunda Lei da Termodinâmica (Entropia), uma vez que se o tempo é infinito (eterno) e a energia é finita, daí a presença das Constantes Universais a conferirem a estabilidade e a repetibilidade dos fenómenos e das leis em todo o Universo. Um Universo assim, recicla-se.

A teoria Ergódica é a base estatística que elenca a probabilidade temporal, a recorrência, da existência de um Universo Cíclico Conformal com Roger Penrose ou do Eterno Retorno de Nietzche mas com exterioridade espacial infinita (o que se considera ser Deus).

Duas eternidades evoluindo lado a lado: a aparente e ilusória eternidade temporal versus a eternidade atemporal. Uma e outra sempre foram consideradas pela filosofia. Assumem ponto fulcral em Platão com o mundo eterno e atemporal das ideias; em Plotino negando a eternidade para a existência sensível; em Aristóteles com o “Motor Imóvel” ou ainda em Santo Agostinho com um Deus eterno e atemporal criador de tudo a partir do nada, passando ainda por S. Tomás de Aquino, Descartes e Kant. Com Pistis Sophia a discussão passará agora a ser feita entre estas duas eternidades. A primeira a temporal, ilusória aos nossos olhos (o conjunto Soma e Psiché), nela residimos e somos obreiros, e a outra, a do “Inefável” alhures/algures (o Nous/Absoluto) a “região” da Energia Escura e da Constante Lambda (Λ) einsteiniana da Astrofísica e da Cosmologia.

Pistis Sophia, carrega as duas dentro de si, tal como nós, e configura o percurso entre esses Æons, aquele da matéria que se cicla e é eternamente temporal com aquele Æon da eternidade atemporal: “E foi a Tua Corrente de Luz que me elevou na luz em Ti, e removeu de mim as emanações do Incoercível que me reprimiam.” Cfr. Pistis Sophia, pp 177.

No caso vertente, uma caminhada entre um estado (quântico ondulatório da alma) de natureza evolutiva inferior representada pela sua existência no Caos da matéria, mas que deseja ardentemente conhecer e desvendar a natureza da região adimensional do “Incognoscível” ou do “Inefável”. De forma simbólica podemos traduzir esta aventura pela caminhada da humanidade na procura do Conhecimento, da Verdade, da Justiça e da Beleza – os quatro arquétipos platónicos correspondentes aos quatro lados da pirâmide que ascendem ao vértice.

No Budismo esta caminhada passa pela aniquilação do ego e dos seus agregados psíquicos, “a matéria de refugo” e as “Potências do Tirano” em Pistis Sophia, através da ressurreição da alma, do Ser, do Christus intimo que reside em nós.

Esta busca incessante e incontornável leva-a a uma aventura intensa, tal como a descida de Dante aos Infernos. Vergílio converte-se em Pistis Sophia, na robusta fé expressa nos cânticos e louvores dos seus muitos “arrependimentos” (agrupados em 13 odes ou hinos) dirigidos à “Luz das Luzes” que a irá conduzir paulatinamente na sua ascensão espiritual de éon em éon.

Em comparação, na “Voz do Silêncio” de H. P. Blavatsky, a ascensão faz-se em 11 etapas: “Três Salões (o da Ignorância, o da Aprendizagem e o da Sabedoria, para além do qual se estende Akshara, a fonte da onisciência), ó Peregrino exausto, conduzem ao final da fadiga. Três salões, ó vencedor de Mara (a ilusão da mente), te levarão através de três estados (estados de consciência) até ao quarto (estado de alta consciência espiritual), e dali até os sete Mundos (os sete lokas espirituais), os mundos do Descanso Eterno.” Cfr. A Voz do Silêncio, Fragmento 1, Aforismo 22. Em parêntesis acrescentámos os nossos comentários.

“Tal como um peixe que retirado da água, salta e estrebucha, também assim é esta mente agitada. Por isso mesmo se deve abandonar o reino de Mara.” Cfr. Aforismo 34 do Dhammapada.

Pistis Sophia com origem da sua jornada no éon mais alto, o 13º, e carregando a “centelha divina interior” para o mundo inferior, descendo pelos “12 Éons”, a queda na direcção da matéria, tal qual uma “seta” (2), ao penetrar no primeiro, cai no domínio do terrível “Incoercível” que lhe retira toda a “Potência de Luz” (as forças negativas residentes dentro de cada um de nós – a mente emocional e a dos desejos da constituição quaternária animal). Com isto acrescenta desordem e caos na natureza da dimensão-Éon. Por essa razão é exilada para um éon imperfeito, por ser indigna de um lugar no Pleroma. O Pleroma gnóstico corresponde ao espaço absoluto (o Ain Soft da Cabala) mais os sete níveis evolutivos da Consciência – a Constituição Septenária teosófica, referida no Pistis Sophia como os “Sete Améns”, as “Sete Vozes” – nesta última reside a ideia de som como estado vibracional (o Verbo).

Por sua vez, as “Sete Vozes” são constituídas pelo conjunto da tríade os “três Amens” ou os três “Espaços”, os “triplos Poderes”, Atma, Budhi e Manas, mais o quaternário, Terra, Água, Ar e Fogo, os respectivos estados físicos, energéticos, emocional e mental que definem a personalidade; a Atria Prima de Paracelso – Terra = Sal, Mercúrio = Ar + Água, Enxofre = Fogo, os elementos do processo alquímico da evolução interior em direcção ao Christus ou Pedra Filosofal.

Segue-se a cíclica e penosa ascensão da matéria e do Caos que, graças à centelha íntima que deve nascer e se desenvolver em nós próprios, no nosso próprio interior, aqui representada por Pistis Sophia (Kama Manas e Manas, assim também Arjuna no Bhagavad Gita), inicia a sua jornada de libertação de volta ao éon 13, “o Absoluto”.

“E conduzi Pistis Sophia, sendo ela à direita de Gabriel e Miguel” - os arcanjos ou agentes do processo alquímico da transformação e representando os símbolos químicos do Enxofre (Espírito), do Mercúrio (Alma) e do Sal (Corpo). Os três momentos da Alma referidos em Pistis Sophia sob a designadas “As três Vestes de Luz” ou o Triplo Logos – Atma (a Região dos 24 Invisíveis (2 x 12) ou a Glória da Herança), Budhi (a Glória do Tesouro) e Manas (Da Glória da Direita) ou as 3 Obras Alquímicas: a negro, a branco e a vermelho.

“E conduzi Pistis Sophia para fora do Caos (matéria), esmagando ela debaixo do pé a emanação com face de serpente do “Incoercível” (a mesma figura simbólica no Éden) e, além disso esmagando debaixo do pé a emanação basislico de sete cabeças (os sete pecados mortais - avareza, gula, inveja, ira, luxúria, preguiça e soberba), e esmagando debaixo do pé a Potência com face de leão e a Potência com face de dragão”, Cfr. Pistis Sophia pps 168. 169.

As Potências são as acções que nos prendem à matéria, geradoras de Karma. No Egipto dinástico, a deusa Sekhmet com cara de leoa surge na cosmogonia egípcia como razão do afastamento da raça humana dos arquétipos de Bondade, Beleza e Justiça.

O Caos que em Pistis Sophia é descrito numa visão quaternária. Ali, a Matéria é a “Glória do Fado” a região dos “Governadores do Fado”, a “Escuridão das Escuridões” com “… a aparência de uma partícula de pó, devido à grande distância a que ela é dele, e devido à enorme ilusão de que ela é consideravelmente maior que ele.” Cfr. PS pp 203.

Depois seguem-se os Arcontes, que no gnosticismo (do Micro ao Macrocosmos) são os seres criados conjuntamente com o mundo material, àquilo que faremos corresponder ao mundo da Física das partículas, aos fermiões (electrões e quarks), e que são a “Glória dos doze Eons”, o Prana ou modernamente o Campo Quântico Electromagnético de que faz parte o recém-descoberto Electroma no Homem; a “Glória do Décimo Terceiro Eon” (o corpo astral), Arconte que poderemos designar por Campo Quântico da Força Nuclear Fraca; e finalmente a “Glória do Meio Superior”, Kama Manas ou Campo da Força Nuclear Forte. Todos estes Campos constituem o Modelo Padrão das Partículas Elementares (os Bosões).

O “Éon Cristhus” restauraria a harmonia no mundo dos Éons, curando a “doença” no mundo material em consequência da catástrofe na ordem ideal, dando ao homem o conhecimento que irá resgatá-lo do domínio da matéria e do mal. Esta é também uma mensagem ética fundamental de esperança.

Esta ascensão da Pistis Sophia faz-se alcançando uma região onde não existe o espaço-tempo, fora da região temporal: “4. Porque em Verdade, as emanações do Incoercível oprimiram-me, retiraram de mim a Potência em mim, e expulsaram-me para o interior do Caos sem nenhuma luz em mim. Assim, transformei-me em matéria extraordinariamente pesada em comparação com elas.”. Aqui, podemos recorrer à Física, e aceitar uma descrição do processo de aquisição de massa pela intervenção do Bosão de Higgs (o Antahkarana sânscrito) sobre um Campo Quântico covariante conferindo-lhe massa. O Antakharana é tido como o elevador, a ferramenta que na evolução humana estabelece e reforça a ligação entre a mente superior (Manas) e a mente inferior (Kama Manas), o Arjuna entre Kouravas e Pandavas do Bhagavad Gita.

“5. E, depois disso, veio uma Corrente de luz até mim, através de Ti, que me salvou; ela brilhou à esquerda de mim e à direita de mim, e envolveu-me por todos os lados de mim, para que nenhuma porção de mim fosse sem luz.”

Parece tornar-se claro que as regiões à direita e à esquerda representam o ideograma da Física, os cones de luz respectivamente do futuro e do passado, pois só assim a Lei de Causa-Efeito, que aqui é simbolicamente apresentada, deixaria de actuar como Karma. Ou seja Pistis Sophia ao ascender do Caos “que é noite”, combatendo as trevas, e ao percorrer as regiões ondulatóriamente hierárquicas dos 12 Éons (o “meio dia”), o zénite astrológico, atinge finalmente o 13º Éon, revestindo-se da “Grande Luz da Corrente de Luz”, uma espécie de Campo Quântico covariante de altíssima vibração, deixando de estar sujeita de forma directa ao Karma: “Quando as emanações do Incoercível, que são numerosas de forma imensamente extraordinária, não puderam suportar a Grande Luz da Corrente de Luz, muitas delas caíram à mão esquerda de Pistis Sophia e muitas à direita dela, e não podiam aproximar-se dela, para lhe fazer mal.” Cfr. PS pp 172, (os sublinhados são nossos).

Reforçaremos esta ideia da Lei da Causalidade, o seu funcionamento e âmbito de actuação ao citarmos os textos presentes no Terceiro Livro, nos capítulos 111 e 112:

“ E, depois disto, o Espírito Contrafactor (o Karma), conheceu e percepcionou todos os pecados e o mal que os Governadores do Grande Fado (as acções materialmente relevantes e concretas com impacto no Futuro) impuseram para a alma, e praticou-os para a alma.” E mais adiante: “E ele estimulou os Servidores Receptores (a informação Akáshica), para que estes sejam testemunhas de todos os pecados que ele a levará a praticar.” Cfr. PS pp 273. Os textos entre parêntesis são nossos.

A partir daqui toda a mensagem adquire explicações de carácter iniciático e oculto revelando todos os processos de interacção entre a informação akáshica carregada pela alma, manifesto do consequente peso dos “Contrafactores” kármicos e das respectivas implicações dos “Governadores”, as acções que orientam e dirigem o caminho a percorrer pela alma sujeita à “Virgem da Luz” ou o “Juiz” que “sela” ou regista no Akasha toda a informação relevante, e que julgará da necessidade premente ou não de uma nova reencarnação: “E a Virgem de Luz selou (registou) essa alma e cedeu-a a um dos Receptores dela (um veículo de natureza quântica covariante, a “veste”), que a lançará no interior de um corpo que é apropriado para os pecados que ela tinha cometido.” Cfr. PS pp 274. O reinício do ciclo para aquele que “… não tinha completado o número de circuitos dele nas mudanças de corpo.” Cfr. PS pp 305. Ou aquelas almas que “… perante a Virgem da Luz, que as enviará mais uma vez para o interior do circuito.” Cfr. PS pp 318.

“Akasha pode ser definida em poucas palavras: é a alma universal, a Matriz do Universo, a “Mysterium Magnum” a partir da qual tudo o que existe nasce por separação ou diferenciação. É a causa da existência; preenche todo o Espaço infinito; é o próprio Espaço, no sentido conjunto dos sextos e sétimos princípios.” Cfr. “Os Manuscritos Perdidos da Loja Blavatsky”.

Acerca do Karma configurado pelo “Espírito Contrafactor” que representa o cone de luz do Passado, que modela o “Destino”, cone de luz do Futuro, a explicação porque não nos lembramos das vidas passadas: “E essa Taça de Esquecimento transformou-se no Espírito Contrafactor para essa alma, e proclamou-se intruso relativamente à alma, sendo uma veste para ela e semelhante a ela de todas as maneiras, sendo invólucro como veste exterior a ela.” Cfr. PS pp 313.  

O Karma é também referido em Pistis Sophia como “a matéria do Barbelo” que a “Potência de Sabaoth”, designação para “o Todo Poderoso”, a “Verdade”, constitui a informação relevante registada nos “arquivos akáshicos”. Sabaoth, que “saiu da Região da Direita”, o Futuro, e lança esta informação “a todas as Regiões daqueles da Esquerda”, constituindo o Passado, de modo a natureza ondulatória da “Veste de Luz” passa a estar em consonância com o respectivo Karma. Cfr. PS, final do Capítulo 63, pp 159.

Nas grandes obras literárias da Humanidade o conceito de Destino é aprimorado na Odisseia com as “fiandeiras”, na Íliada como lei universal onde os deuses não a podiam transgredir ou então em Agostinho de Hipona em que o tempo é invertido: não somos nós que vamos em direcção ao Futuro, mas o Futuro que vem na nossa direcção. Do mesmo modo, em Pistis Sophia “Os Governadores do Meio Inferior cuidam do Espírito Contrafactor; e também o Destino, cujo nome é Moira, conduz o homem até que o tenha morto, segundo a morte determinada para ele, que os Governadores do Grande Fado assignaram à alma.” Cfr. PS pp 319. As Moiras, três deusas irmãs, Cloto, Láquesis e Átropos, que na mitologia grega são filhas de Chronos e Nix, tecem o fio da existência humana: uma fia, a outra mede e a outra corta o fio, respectivamente Rajas, Sattva e Tamas. Também representam outra chave ligada aos ciclos naturais, neste caso das três luas: Lua Nova – a Primavera, Lua Cheia – o Verão e a Lua Velha – o Outono da vida.

A libertação da alma do Caos, pelo fenómeno da morte, e a sua viagem às outras dimensões atemporais leva-a ao esquecimento devido ao factor relativístico do tempo, também, para grande espanto nosso, referido em Pistis Sophia: “Jesus respondeu, dizendo a Maria: ´Um dia da Luz é um milhar de anos no mundo e, assim, trinta-seis-miríades de anos e uma meia-miríade de anos (365) do mundo são um único ano da Luz.” Faz-nos lembrar que o mesmo se passaria numa hipotética viagem a um Buraco Negro, onde um ano ali passado corresponderia a muitos milhões na Terra quando regressássemos de novo. Aliás, de uma modo geral, o nosso distanciamento das grandes massas distorcendo o espaço-tempo, fá-lo passar mais rapidamente nos nossos pés do que ao nível da nossa cabeça. O que nos dá a pensar o que seria uma viagem noutra dimensão onde simplesmente o espaço-tempo quadrimensional de Minkowski não existe.

Outro assunto de grande relevância, essencial a uma vivência psíquica salutar nas reencarnações sucessivas, é a questão da “Taça do Esquecimento”, figurativamente como se nos fosse dada a beber, é reforçada em pormenor quase técnico quando Pistis Sophia refere o processo de nascimento humano: “Portanto agora, escutai com atenção: É nascido o bebé, a Potência é fraca nele, e a Alma é fraca nele, e também o Espírito Contrafactor é fraco nele; numa palavra, os três conjuntamente são fracos, sem que qualquer um deles percepcione nada, quer bom ou mau, devido ao fardo de esquecimento que é muito pesado.” Cfr. PS pp 272.

O processo da concepção, gestação e encarnação da alma é extensamente focado nesta obra magnífica. Com pormenores que configuram claramente aspectos de natureza biológica já amplamente conhecidos por esta altura, relativa aos 70 dias de gestação. Falamos nomeadamente da secção “processo de gestação” descrito no Capítulo 132, pp 320, que passamos a transcrever: “Depois de quarenta dias, passam outros trinta dias a formar os segmentos dela à imagem do corpo do homem; cada um formou um segmento”. Parece que aqui os “segmentos se referem à partilha genética dos progenitores. Depois, logo mais à frente na secção “Da encarnação da alma”, é dito que só após estes 70 dias, os “Servidores” possuem as condições de intervenção e “convocam o Espírito Contrafactor (o Karma); depois disso, convocam a alma dentro deles; e, ainda depois disso, convocam a componente da Potência no interior da alma; e o Destino (a informação akáshica) colocam-no no exterior de todos eles, pois não é misturado com eles, mas seguindo-os e acompanhando-os.”

 Ou seja, aos 70 dias (aproximadamente 10 semanas de gestação) o embrião que agora pode ser chamado de feto, tomou a forma humana, tendo ultrapassado o período crítico das más formações congénitas e onde a cada minuto nascem mais de 250 mil novos neurónios, estará realmente pronto para receber o espírito, concebido como um Campo Quântico covariante de Informação Conformal capaz de sintonizar, vibrar em uníssono, e partilhar da Consciência (a Mente Cósmica) num evento contínuo de não-localidade, como é antevisto por Roger Penrose e Stuart Hameroff na teoria “Orch OR – Orchestrated Objective Reduction.

Por fim, a chegada às portas do Nirvana com a destruição da informação akáshica e o fim do processo kármico da Roda Samsara: “E, quando a alma proclamar o Mistério da destruição dos selos, imediatamente o Espírito Contrafactor destruir-se-á a ele mesmo e cessará de ser assignado à alma.” Cfr. PS pp 276.

Outras mensagens de carácter iniciático e oculto, são-nos transmitidas por diferentes chaves descodificadoras, desvelando véus sobre a estrutura e natureza das “Esferas” e daqueles “Mistérios” que teimam em permanecer ocultos ao comum dos mortais como princípios de interpretação complexa que informam por um lado todo um sistema cosmogónico (Macrocosmo), e por outro, o Homem Vitroviano (Microcosmo). O Homem Vitroviano será um bom exemplo de outra chave interpretativa: conhecido também como os “Cinco Grandes Governadores” ou ainda os “Cinco Auxiliares”: Gabriel, Rafael, Uriel, Michael e Samael, ou as “Cinco Impressões” do Pentagrama (a “Estrela Flamejante” para o gnosticismo), é o símbolo ocultista do Homem, que quando representado com a cabeça para cima significa o “Salvador do Mundo”, mas quando ao contrário é o “bode do Sabbat” representando a desordem e o caos.

Dentro do espírito de descodificação destes “Mistérios” na Pistis Sophia, encontramo-nos na presença de uma autêntica viagem no espaço-tempo que envolve a estrutura do tempo à direita e à esquerda e a razão da “mudança do movimento das esferas”. Prende-se esta estrutura com os conceitos de Karma e da informação akáshica, designada em Pistis Sophia” à Direita” e pelas “Mansões da Esfera”, que formam a teia do tempo passado; e por outro lado a noção de “Fado” na acepção corrente de destino, que representa o tempo futuro. No meio a fina “brana” do tempo presente, “o Firmamento”, que se cinge a uma dimensão de Planck da ordem de 10-43 centímetros, a quantização mínima do tempo através da qual o futuro se transforma em passado. Exactamente nesta ordem de desenvolvimento: o futuro em direcção ao passado.

O Capítulo 11 do Primeiro Livro descreve uma viagem feita pelo avatar Jesus, depois de ter colocado a sua “Veste de Luz”. As designadas “Três Vestes de Luz”, relembrando, são a Constituição Ternária – Atma, Budhi e Manas, que poderíamos atribuir à existência de três Campos Quânticos covariantes que se contêm a si próprios. Como diz Carlo Rovelli, físico teórico italiano, “ Os campos quânticos covariantes representam a melhor descrição que temos hoje do apeiron (Absoluto Infinito), a substância primordial que forma o todo, colocada em hipótese pelo primeiro cientista e primeiro filósofo, Anaximandro.” (3)

No seu conjunto, estes três Campos formam o cerne da existência material, partindo do princípio que a Informação constitui um dos blocos fundamentais do Universo, pois toda a partícula no Universo emana informação nela presente e base da sua existência. De acordo com Melvin Vopson, um bit de informação à temperatura de 300 Kelvin é igual a 3.19 x 10-38 quilogramas. Esta Informação seria a premissa e origem da futura Consciência encarada como conceito construtor revelado pelas constantes universais que ordenam a natureza, transmitindo padrões fractais de informação através do espaço e do tempo sem perda alguma de intensidade. Não transportam “energia” mas um padrão, uma forma, e surgem como uma espécie de inteligência natural ou uma mente (Manas).

Esta Informação Conformal expressa-se numa dimensão de Planck – 10-36 centímetros (a constante ꚕ de Planck) através de uma rede de spins magnéticos (3) – o espaço-tempo quantizado (Budhi), suporte de efeitos de não-localidade ou do emaranhamento quântico ou “entanglement”, cuja realidade foi provada experimentalmente por Alain Aspect, John Clauser e Anton Zeilinger, Prémio Nobel da Física 2022. É esta rede do espaço-tempo quantizado que explica, ao nível Macrocosmos, os efeitos da Matéria Escura no Universo e a própria gravidade que deixa de ser uma “força” para ser o efeito instantâneo (já assumido inicialmente por Newton e Leibnitz) das massas sobre o espaço-tempo ultrapassando a limitativa velocidade da luz anunciada pela Relatividade. É por aqui que deverá surgir a futura e tão ansiada unificação de todas as forças na Física, a unificação da Relatividade Geral com a Física Quântica.

Dotados destes esclarecimentos, compreenderemos agora a viagem no Macrocosmo descrita em Pistis Sophia. Após ter sido dotado das “Vestes de Luz”, Ele (Jesus) penetrou no “Firmamento” (no tempo presente) e “as Portas do Firmamento vibraram umas contra as outras e todas se abriram imediatamente (colapso da “brana” temporal)”… “mas a Mim não me viam, apenas viam a Luz.” Cfr. PS pp 74.

Do mesmo modo “Ele penetrou na Primeira Esfera” (tempo passado) … “brilhando de forma ainda mais imensamente extraordinária, quarenta-e-nove vezes (7 x 7 maiores as frequências ondulatórias vibracionais) de forma mais resplandecente do que Eu brilhara no Firmamento (as frequências ondulatórias aumentaram).”

Depois, do mesmo modo penetrou na “Segunda Esfera”, a esfera do “Fado” (o futuro), também 7 x 7 vezes mais brilhante do que antes.

Finalmente saiu do espaço-tempo para a dimensão do alhures/algures, intemporal, penetrando nos Éons. Aqui todos os “Governadores” destes Eóns (4) “retiraram-se para longe, para a Região do Grande Invisível Pai Primordial e das Três Grandes Potências Triplas” – o Uno, a tríade Atma, Budhi, Manas. Cfr. PS pp 77.

O propósito desta viagem pelos cones de luz prende-se com “o movimento das Esferas” ou seja, com a formalização definitiva do fluxo de informação entre os hipercones de modo que o Karma e os registos akáshicos funcionassem sem perturbação, sem acesso ao conhecimento provindo do futuro: “Meu Senhor, então, a partir desse momento, os desenhadores de horóscopos e os conselheiros não proclamarão aos homens o que lhes irá acontecer.” Cfr. PS pp 82.

Esta seta do tempo imposta à matéria pelos construtores, os inexplicáveis e pré estabelecidos axiomas, representados por todas as Constantes Universais, sendo a Entropia a de maior desígnio, só foi possível porque “… Eu mudei as influências deles e os quadrados deles (constituição quaternária) e os triângulos deles (constituição ternária) e os octógonos deles (a reencarnação com a informação kármica)…”. Cfr. PS pp 83.

Em conclusão, a ignorância bebida na “Taça do Esquecimento” em conjunto com a definição de uma seta do tempo vão permitir que a evolução seja unidirecional, dhármica, estável, representada pela verticalidade do Caduceu, se bem que sempre enlaçada pelas duas serpentes do Conhecimento, a dualidade do Bem e do Mal, da Acção e da Não-Acção, co-eternas na sua ciclicidade em éons de tempo com avanços e retrocessos carregados de maior experiência. Mercúrio, o deus volátil romano com asas nos calcanhares e na cabeça, é o mensageiro veloz desta imensa aventura: “Eu mudei a trajectória completa deles e o movimento completo deles, e fiz com que a trajectória do movimento deles acelerasse, para que pudessem ser rapidamente purificados e elevados.” Cfr. PS pp 89.

Definitivamente eis a razão: permitir uma evolução mais acelerada.

Fizemos uma curta viagem pelas mensagens e conceitos transmitidos pela Pistis Sophia, percorrendo essencialmente os 4 primeiros livros e retirando possíveis ensinamentos pelo seu enquadramento em conceitos dos tempos actuais.

Temos consciência de não ter esgotado o assunto ao partilharmos a nossa terrível ignorância na interpretação das muitas chaves teosóficas da doutrina secreta, das chaves numéricas, das alquímicas, das astrológicas, mitológicas, antropológicas, geológicas, fisiológicas, e das muitas outras, que percorrem os textos da Pistis Sophia. Porém, acalentamos que esta leitura tenha o condão de despertar o interesse e a curiosidade sobre estes temas considerados normalmente tão abstrusos, promover a sua compreensão estreitando os conceitos actuais descobertos pela Ciência com aqueles resultantes da amálgama cultural das tradições oriundas de todas as antigas civilizações que percorreram este mundo. Uma combinação teosófica que perspectiva sempre a obtenção de bons frutos.

 

Notas

(1) “E a palavra que a Potência em Ti proclamou: ´Eu fui aliviada das camadas de pele´ – é ainda a palavra que Pistis Sophia pronunciou: ´E elas purificaram-me de todas as minhas matérias maléficas, e elevei-me a mim mesma acima delas, na Luz em Ti.” Cfr. Pistis Sophia pp 177.

(2) “Ela será em todas as Regiões no tempo em que um homem dispara uma seta”. Cfr. Pistis Sophia pp 213.

“… e que penetrara no interior do Caos como uma seta em movimento”. Cfr. PS pp 171.

(3) O spin (energia sob a forma de momento magnético) define as cargas e a “espuma de spins” define o tecido do espaço. Ambos configuram aspectos geométricos dos Toroídes.

Interessante verificar que tanto a Lei da Gravitação de Newton como a Lei de Coulomb relativa à atracção/repulsão de cargas eléctricas têm ambas em comum o espaço entre massas ou entre cargas ao variarem as “forças” com o quadrado da distância, isto é a força diminui 4 x sempre que a distância passa para o dobro. O que é comum é o conceito de distância = espaço. Ou seja a gravidade (espaço-tempo curvo com Einstein) e a electricidade (campo electromagnético com Faraday) são dois aspectos da mesma coisa: o campo quântico em “laços“ ou a “espuma de spins”do espaço teorizada por Carlos Rovelli: uma ao nível Macro e a outra ao nível Microcosmos.

No entanto a diferença entre as duas forças é de 1 : 4,17 x 1042 ou (1: 4 170 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000), apesar da origem comum, exactamente a mesma razão entre os diâmetros do Universo e do protão.

 

“A Natureza utiliza longos fios para tecer os seus padrões, mas os bocados mais pequenos permitem revelar a estrutura de toda a tapeçaria.” – Richard Feynman, Conferências Messenger, Universidade de Cornell, 1964.

 

Bibliografia

 

Anónimo, Pistis Sophia, Edições Nova Acrópole, 1ª Edição – Março de 2019.

Blavatsky, Helena, A Voz do Silêncio e Outros Fragmentos Escolhidos, Edição online de Outubro 2016, Loja Independente de Teosofistas.

Dhammapada, “O Caminho da Sabedoria do Buddha”, Traduzido do pāli para o inglês por Acharya Buddharakkhita, Tradução portuguesa de Bhikkhu Dhammiko, Publicações – Mosteiro Budista Theravada, Portugal 2013.

Lúcifer, A Theosophical Magasine, edited by H. Blavatsky and A. Besant, Volume VI, March – August 1890. London, The Theosophical Publishing Society (Digitised by Google).

Os Manuscritos Perdidos da Loja Blavatsky, Edição online, Tradutor do espanhol para português Vitor Manuel Adrião, Lisboa, 2020.

Rovelli, Carlo, A Realidade não é o que parece – a natureza alucinante do universo, Contraponto, 1ª Edição, Outubro 2019.


O Demónio de Maxwell

  James Clerk Maxwell (1831 – 1879) foi um dos maiores físicos possuidor de uma criatividade inigualável que até hoje a humanidade conheceu....