terça-feira, 13 de junho de 2023

Sekhmet, a deusa das muitas faces

 

“… não sabemos onde começou este caminho; não sabemos de onde viemos. Tampouco sabemos para onde se dirige o caminho; não sabemos para onde vamos.”

                                                                                                       Délia Steinberg Guzmán

 

Em Dezembro de 2017, a descoberta arqueológica de 27 estátuas em granito de Sekhmet (Sachmet, Sakhet, Sekmet ou Sakhmet) com dois metros de altura, na margem oeste de Luxor, em Kôm el-Hettan, no templo do faraó Amenhotep III (1390 – 1352 AC), situado a cerca de 3 quilómetros do Nilo e que abrange uma área superior a 385.000 metros quadrados, confirmou de uma vez por todas o papel importante e sempre muito pouco compreendido desta deusa egípcia com cabeça de Leoa.

Sekhmet

Museu Nacional de Copenhaga. Fonte: Wikimedia Commons


As razões pelas quais Amenhotep III se fez rodear destas inúmeras estátuas de Sekhmet permanece um mistério.

Eugénio Giesta, na sua dissertação de Mestrado em História Antiga sobre Bastet e Sekhmet (1), assim descreve o templo:

“Foi nos dois pátios peristilos do templo e em dois corredores ao longo dos lados este e oeste da estrutura que as estátuas foram colocadas, em alguns sítios em linha dupla, uma atrás da outra, agrupadas de tal forma que em alguns locais estavam mesmo em contacto, simetricamente e a tocar-se pelo cotovelo, parecendo um contingente preparado para o campo de batalha. Para além das estátuas sentadas, existiam ainda estátuas da deusa em pé, nas filas de trás, sem inscrições e com uma qualidade inferior.”

Segundo Dennis Forbes, eram em número de 730, que segundo algumas teorias, destinavam-se a apaziguar Sekhmet, num ritual realizado diariamente duas vezes, onde cada dia do ano era representado por duas estátuas.

Alguns dizem que se tratava de apaziguar esta deusa e de transmitir aos concidadãos egípcios a mensagem de que o faraó era seu protegido, dado que em algumas estátuas se encontra a inscrição “Amenhotep é amado por Sekhmet”. Estas suposições devem-se ao conhecido carácter comummente atribuído a esta deusa, de sanguinária, deusa da guerra e exterminadora da humanidade. Assim é, que no “Livro da Vaca Celeste”, cujo texto foi gravado nas paredes de diversos túmulos do Vale dos Reis, é referida como a “Poderosa”, ou o “Olho de Ren” ou RN (ou ainda Rá na língua inglesa), correspondente a Atma no oriente hindu, dado que este a gerou com a específica função de reprimir os homens que se tinham revoltado contra ele.

Enviada à Terra, a sua fúria massacrou os humanos rebeldes reduzindo-os a cinzas pelo fogo expelido pela sua boca – a potência do Verbo. A raiz da palavra vem de Sekhem, a forma masculina de Sekhmet, S-Kem, que significa queimar ou fazer queimar. Sekhmet é o fogo celeste. No fim, Ren teve que intervir com subtileza e estratégia para impedir que toda a humanidade fosse extinta.

De uma forma muito genérica a história estabeleceu que este é o suposto mito da destruição da humanidade, que envolve a génese de Sekhmet e a sua identificação com o “Olho de Ren”, estabelecendo-se assim a sua filiação ao deus solar.

Contudo a associação conceptual entre Ren e Atma leva-nos às origens da civilização do Vale do Hindu e a pensar que todas as mitologias lá tiveram o seu berço. Ren ou RN é formado por dois hieróglifos: o R, que é a boca, o Verbo, e o N, hieróglifo do Noun, representado pela água ondulada, ou seja, por um lado Ren, visto como nome próprio é gerador de todo a potência, através do Verbo é fundamentalmente um estado ondulatório, a frequência que tudo gera. Sekhmet sendo a forma feminina de Sekhem ou o Budhi hinduísta, é a procriadora em potência, um dos princípios da manifestação. Por esta razão o hieróglifo que representa Sekhem é um ceptro real ou a clava que o faraó usa para impactar as forças adversas.

Mas este é apenas um dos aspectos da verdadeira natureza de Sekhmet, que afinal é dual. Contrastando com o carácter sanguinário e irredutível, ela apresenta ao mesmo tempo uma personalidade doce e pacificadora, surgindo então com a cabeça de uma gata e na forma da deusa Bastet. Algumas estatuetas retratam ambas as formas de Bastet, como uma mulher com cabeça de leoa acompanhada por uma pequena figura de uma gata doméstica. Lembremo-nos que os leões viviam caracteristicamente nas margens do deserto, passando a ser considerados guardiães dos horizontes a oriente e a ocidente, os locais do nascer e do pôr-do-Sol. O lugar do leão esteve assegurado desde cedo a partir do Império Antigo quando o faraó e o leão se fundiram num símbolo icónico – a esfinge.

Sekhmet muitas vezes surge, para além desta dualidade, fazendo parte de uma trilogia ao lado da deusa Hathor, que alberga simultaneamente os dois aspectos, ameaçadora e maternal, perigosa e sedutora, harmonizadora de polaridades, “Senhora do Caminho”. Era assim, que no fim das campanhas militares eram produzidas diversas evocações Sekhméticas para marcar o início da paz e da justiça.

Nos livros do Além do Império Novo, o “Livro de Amduat”, o “Livro das Portas” e o “Livro dos Mortos”, é frequente a representação da gata doméstica a destruir uma serpente (Apófis), com recurso a uma faca ou com as suas próprias garras. A principal característica de um leão eram a força e a ferocidade e a da gata doméstica era a afectuosidade, a brincadeira sagaz e sobretudo as suas qualidades maternais.

Encontramos noutras civilizações esta trilogia, onde o próprio triângulo evoca a ideia de três princípios, da Trindade tão própria da tradição proto cristã, mas também veiculada pelo Trimurti indu formado por Brama (criador), Vishnu (conservador) e Shiva (destruidor), ou na Pérsia com Ormazd, Vohu Mano e Asha Vahista.

No Egipto as trilogias desdobram-se de acordo com os centros iniciáticos: a tríade Menfita composta por Ptah (o fogo da Terra), Sekhmet (aqui como esposa de Ptah) e o seu filho Nefertum ou a Tríade Tebana com Amon, Mut e Khonsu ou ainda a Osiriana com Osíris, Isís e Hórus.

Simbolicamente Sekhmet incorpora esta trindade, representando a primeira manifestação, o interface entre as dimensões superiores com as manifestações materiais. Como “Senhora do Caminho” indica-nos o Dharma, a ascensão/retrocesso cíclicos regulados pela Lei de Causa e Efeito, onde o ser humano é filho da Consciência (RN e das hierarquias celestes) e das suas obras duais (Hathor: positivas/negativas). Em conclusão: o Karma em acção!

O Ser Humano na sua forma peregrina, tal como um Khepri – o escaravelho que enrola a bola de estrume (simbolicamente tido como o Sol) e nela ao depositar os seus ovos, dela renasce, é a encarnação do próprio Sol (Rá ou RN) que no Caminho vai lapidando a sua Consciência no fogo, éon após éon, adoptando configurações materiais sempre diferentes, simultaneamente conflituosas mas complementares, tal como Sekhmet. Um ritual que se repete e plasma arquétipos: “Um ritual não se limita a repetir o ritual precedente – que é, ele próprio, a repetição de um arquétipo –: ele é-lhe contíguo e continua-o, periodicamente ou não”. (2)

Algumas lições da deusa, a deusa das múltiplas faces, que tinha atributos simbólicos o Ankh, um ceptro de cana de papiro, um disco solar na cabeça, uma faca e por vezes um iaret na cabeça (a serpente símbolo de autoridade divina):

I – Como porções fractais, somos fenómeno local de simetria dualista, pequenos espelhos da Consciência não-local. O Universo é alvo de um foco ascensional evolutivo - a ascese Dharmica, a iaret (do grego οὐραῖος, ouraîos – levantada na sua cauda, protectora do Caos) e, nele a matriz globalmente partilhada da Consciência forma uma rede de nodos - o Akasha: a “Senhora do Caminho” com o ceptro feito de canas de papiro - onde tudo é registado e quase sempre figurado em Hathor e Bastet.

II – O passado, o presente e o futuro fazem parte da mesma linha de perturbação circunstancial, a colheita depende da sementeira. O Fogo solar de Rá que tudo vivifica e regenera: o Ankh de Sekhmet, símbolo da Vida. Tudo é movimento e mudança cíclica. A potência e o esforço “do aqui e agora” são o mais importante porque definem os vectores de perturbação, sempre em modo retroactivo, dos cenários futuros: O disco solar na cabeça de Sekhmet a Luz de Rá que tudo queima, a faca, a Lei de Causa e Efeito.

Sekhmet sendo a deusa das múltiplas faces, representa o caminho a percorrer pelo Ser Humano e as suas inúmeras máscaras que adopta a cada experiência de vida, onde da dualidade da guerra interior, feita de reveses e de conquistas, surge o equilíbrio, o caminho do meio e a ascensão da Consciência a patamares superiores.

Sekhmet surge na cosmogonia egípcia como razão do afastamento da raça humana dos arquétipos de Bondade, Beleza e Justiça. Ren (RN) ou Ré tem o poder do Verbo que transfere ao gerar uma trilogia de acção, Sekhmet, Bastet e Hathor – os mesmos milenares princípios védicos, os Trigunas Rajas, Tamas e Sattva, a relação dinâmica circular de estados que reconduz a humanidade ao Caminho. O tempo circular ou cíclico próprio de todas as cosmogonias é reflectido na cadência anual das inúmeras festividades religiosos egípcias, e aliás de todos os outros povos, imprimindo momentos de regeneração e de conciliação com as forças naturais do Cosmos.

Os deuses Ptah e Sekhmet ladeiam o rei, Ramsés II, que assume o papel do seu filho  Nefertum. Fonte: Wikimedia Commons


“Ó Sekhmet, mais divina que os deuses, mais gloriosa que a Enéade, senhora da luz, cujo lugar é preeminente na cabeça do teu senhor! Vem à imagem viva, ao falcão vivo! Afasta-o de todas as doenças, de todas as flechas nefastas, de todas as febres perniciosas, para que eles não entrem nele, porque ele é Atum na noite, que não pode morrer para toda a eternidade”. Textos de Edfu (3), Invocações a Sekhmet.

Em Edfu se perseverou a antiga sabedoria e as ciências sagradas, morada terrestre do deus Hórus, o Antigo, ou o deus Falcão marido de Hathor e manifestação de Ré, espaço sagrado e centro do Mundo, local de criação e manifestação do Cosmos.

Não poderíamos deixar de referir a bela cosmogonia egípcia que em Edfu confirma, sob a capa simbólica das inscrições nas suas paredes, em acordo com Toth – o deus da escrita hieróglifica, que do oceano primordial Nun, brotou a primeira montanha, onde pousou o Falcão, o deus Hórus que então procede à criação do Cosmos.

Das águas onduladas do oceano, símbolo de vibração, surge a matéria (montanha) onde Hórus aliando as asas do Falcão (espaço) com o disco solar (energia), imprime através das forças da dualidade (Sekhmet versus Bastet) agora conjugadas em Hathor, com o seu templo complementar em Dendera, a ordem (o Templo), aniquilando o Caos (o deserto), esmaga a serpente Apófis, abrindo caminho a que Ré na condução da barca solar, faça diariamente renascer o Sol no horizonte. Muito bela a conjugação dos aspectos geográficos do Egipto e das inundações cíclicas do rio Nilo, da sua fauna e flora, bem como dos inerentes aspectos da vida agrária do seu povo (a ligação da ciclicidade do dia-a-dia ao sagrado), com a transmissão da antiga sabedoria sagrada sob forma de um profundo simbolismo só decifrada e percebida pelos altos sacerdotes.

Assim se reflectiam também os arquétipos, consolidados na simbologia hermética hieroglífica de Toth, da sabedoria sagrada, que só os egípcios souberam transmitir e fazer sobreviver durante milhares de anos, chegada até nós, ignorantes e amnésicos.

Notas e bibliografia

(1) Eugénio José Castro Giesta, BASTET E SEKHMET: ASPECTOS DE NATUREZA DUAL, UNIVERSIDADE DE LISBOA, FACULDADE DE LETRAS, DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA, 2019.

(2) Mircea Eliade, O Mito do Eterno Retorno, Edições 70, Abril 2019.

(3) Edfu, onde prevalece o antigo templo dedicado a Hórus (237 e 57 a.C), é a antiga Djebat ou Behedet, que na época Greco-Romana era conhecida como Apollonopolis Magna, na margem ocidental do Nilo, em pleno Alto Egipto.

 

João Porto e Ponta Delgada, 13 de Junho de 2023





domingo, 4 de junho de 2023

Quando a Natureza nos confunde e maravilha

Quando o biólogo Michael Levin (www.drmichaellevin.org) demonstrou que uma planária (1) que havia sido submetida previamente a treinos de localização sensorial na procura de recursos alimentares, após ter sido decepada, regenerava novamente um “cérebro” e mantinha este as memórias da outra parte original, fez-nos pensar que as memórias e as ideias se situariam num outro plano, também defendido por outro biologista inglês, Rupert Sheldrake, e designado por Campo do Espaço Morfogenético ou Campo M, considerado por ele como uma variedade de um outro campo de natureza similar ao campo electromagnético. O experimento confirmava que se dividirmos uma planária em diversas porções, todas elas irão acabar por regenerar uma planária integral que manifestará cada uma as memórias da planaria original.

Estes experimentos foram feitos com outros seres que manifestaram a mesma plasticidade 3D como se existisse uma inteligência colectiva que modelasse a produção de proteínas, lhes dá ordem e sequência no processo construtivo de determinada estrutura anatómica, colocando em dúvida o próprio papel atribuído tradicionalmente ao ADN, que se limitará apenas ao mecanismo de codificação dos diversos tipos de proteínas e ainda menos à temporização geradora das quantidades necessárias e à sua disposição espacial 3D. Esta inteligência colectiva comunicaria aos grupos de células o que fazer, como fazer e quando parar, como se o espaço fosse permeado num sentido estrito para cada espécie por um Campo de Forma (do grego morphe) dominando numa dimensão invisível, mas também permitisse o intercâmbio de informação entre espécies, elevando a outros níveis a evolução biológica das espécies para patamares não Darwinistas, seguramente não mecanicistas e considerados tradicionalmente estritamente fisiológicos.

Refere M. Levin, na apresentação do seu Levin lab na Universidade de Tufts em Boston: “ O nosso modelo principal é a morfogénese: a capacidade dos organismos multicelulares em auto construírem-se, repararem-se e improvisarem soluções novas com objectivos anatómicos. Questionamo-nos sobre os mecanismos necessários para atingir in vivo objectivos robustos, multi-escalares e adaptativos, bem como sobre os algoritmos necessários para reproduzirem estas capacidades noutros substratos.”

Quando referimos Inteligência Colectiva, estamos a entrar num domínio considerado muito vago, nunca presente no quadro geral da evolução das espécies, mas que em trabalhos recentes (2022 e 2023) no âmbito de estudos das redes neuronais e de efeitos de natureza quântica em processos bioquímicos à temperatura ambiente, têm desbravado novos caminhos na forma de encarar a natureza em modelos emergentes de cognição e de aprendizagem.

A fronteira entre inteligência colectiva e individual perde-se quando descemos ao mundo microscópico onde o colectivo é feito de indivíduos: uma célula individual é composta por múltiplas estruturas, cada qual ocupando e desempenhando funções estritamente organizadas, hierárquicas e autónomas. Esta situação estende-se dos prócariotas aos eucariotas. É geral, e aqui reside a robustez da Vida, onde o todo parece ser maior que a soma das partes contribuintes. Sendo nós, animais, ou o mundo vegetal, colónias com uma dinâmica interdependente, somos uma sociedade organizada de células em níveis de escalas cooperantes crescentes. O mesmo se poderia afirmar das estruturas cristalinas que fazem parte deste sistema e o incorporam activa e decididamente seja como sais dissolvidos na corrente sanguínea ou nas redes de xilemas e floemas vegetais, seja como estruturas esqueléticas ósseas.

Nestes diversos mundos representativos da existência material e da evolução (amorfo, cristalino, vegetal e animal) os networks, sejam os mais aperfeiçoados de regulação genética, endócrina, metabólica até aqueles de âmbito ecológico e social, possuem uma característica comum a um network neuronal onde o que prevalece é a rede de canais de informação que asseguram a sua transmissão. É esta informação integrada que constitui a inteligência colectiva e os diversos níveis cognitivos, que se tornam autónomos e característicos para cada espécie como Campo Espacial Mórfico, armazém de memórias e processos que identificamos como aprendizagem. Um Campo Quântico cujas origens poderíamos endereçar ao spin das partículas elementares, os seus fundamentais momentos magnéticos.

Lógico que neste complexo sistema de informação entrem rotas de feedback e retro acção que irão elencar ao longo do tempo os processos de maior sustentabilidade por economia de energia – a entropia sempre presente. “Armazenar” informação requer energia, o processo mais natural é fazer uso de um campo quântico próprio – o Campo M, quando ele próprio é introduzido pela natureza por todos os fermiões com os campos electromagnéticos e os campos nucleares forte e fraco. A natureza joga sempre pelo seguro, criando alternativas indestrutíveis que perseveram as suas mais íntimas e caras conquistas fazendo parecer, como constatam os trabalhos do Levin lab (2), que quanto maior o grau de inteligência manifesto, menor a dependência do colectivo. Ou seja sobressai o Campo M como identidade autónoma, um componente do Eu, o elo Manas/Kama Manas da Constituição Septenária.

Esta inteligência por vezes manifesta-se na assunção de características anatómicas inter-espécies como se houvesse uma migração de memórias por uma espécie de epigenética onde as memórias passam a ser fixadas por via do ADN que altera o fenótipo, envolvendo o reconhecimento de um estado mais favorável à evolução por partilha de características fenotípicas de outras espécies animais. Como se existisse uma sensibilidade inter comportamental traduzido em ‘what is best for me to do depends on what you are doing’ (3).

Vem isto a propósito de inúmeras orquídeas assumirem, espantosamente ao pormenor, características anatómicas de aves ou outros animais, como mostram as imagens (4) que reproduzimos e que pautamos como confirmação do efeito do Campo Quântico Morfogenético.


                      a                                            b                                          c


                      d                                        e                                   f

 
                      g                                         h                                 i

Estão recenseadas em todo o mundo mais de 25.000 espécies de orquídeas assumindo grande parte formas muito estranhas tendo em consideração que pertencem ao reino vegetal.

A família Orchidaceae tem uma origem com cerca de 80 milhões de anos, datando da época dos dinossauros e constituem actualmente uma das mais diversificadas famílias botânicas. Sobreviveram à grande extinção que derrotou os dinossauros bem como a muitas outras catástrofes naturais uma das quais mais recente conhecida por Younger Dryas (à 12.900 anos). São o resultado de uma longa história onde sobressai a vitória da simbiose, da harmonia perfeita e da expressão do belo. Normalmente são consideradas pela botânica como um dos maiores exemplos de mimetismo, classificado como mimetismo reprodutivo ao se assemelharem às fêmeas dos seus polinizadores, mimetismo de ataque, quando o organismo mimético é o predador, e mimetismo defensivo, quando a presa é mimética para afastar o seu predador. Contudo a explicação cabal deste fenómeno continua a ser um mistério.

A ciência botânica apenas avança que estas formas se devem a uma acção mimética relativa aos seus polinizadores, uma vez que a maior parte das orquídeas não produzem néctar e não são polinizadas por agentes naturais como o vento ou a água. Assim, acredita-se terem desenvolvido “estratégias inteligentes” (sem nunca definir o significado profundo de inteligência), que configuram ao pormenor cores, perfumes e formas de alguns polinizadores entre os quais se encontram insectos, aves, morcegos e mesmo animais. Estas características implicam a inscrição ou fixação no código genético de particularidades que em absoluto nada têm a ver com a natureza das espécies, e representam forçosamente uma “leitura” de informação veiculada pelo exterior numa memória reescrita até à perfeição sincrónica e que estabelece uma relação unívoca entre planta e polinizador, onde cada orquídea tem preferencialmente o seu próprio polinizador. Inequivocamente um processo de partilha e aprendizagem só possível se for considerada a existência de um Campo Quântico Morfogenético, que se diferencia substancialmente dos fenómenos miméticos momentâneos e primitivos (mas também inteligentes) ou dos fenómenos de camuflagem desenvolvida pela actividade dos cromatóforos e tão característicos de outras espécies como o polvo, a lula, as borboletas, répteis, peixes, etc.

Podemos aqui citar alguns casos notórios e espantosos, três dos quais documentados nas fotografias aqui presentes. O caso da orquídea Dracula saulii conhecida por cara-de-macaco (imagem c) descoberta em 2006 pelo peruano Saúl Ruiz, o caso da orquídea Habenaria radiata ou garça-branca (imagens f/g) que está em processo de extinção, ou ainda a orquídea Caleana grande ou pato-voador (imagem h) do leste e sul australianos e que se assemelha a um pato em voo. Muitos outros casos poderiam ser aqui citados como demonstram as imagens.

A possível existência de um Campo Quântico Morfogenético tem vindo a sofrer sucessivas confirmações pela ciência. Um dos últimos desenvolvimentos foi a descoberta do Electroma. Assim como possuímos um Genoma constituído pela carga genética individual expressa no ADN, também possuímos um Proteoma que é o repositório de proteínas codificadas pelos genes, e um Microbioma formado por inúmeras populações de microorganismos, também reside em nós uma network de comunicação e informação de natureza bioeléctrica designado por Electroma. É esta rede bioeléctrica que permite a comunicação inter-celular e ao organismo desempenhar as suas múltiplas e complexas funções. Este Electroma não é específico do reino animal mas estende-se aos outros reinos da vida através da comum actividade celular onde a troca iónica ou seja de cargas eléctricas pelas membranas celulares, gera polaridades permanentes e concentrações energéticas que confirmam os preceitos do Ayurveda com osseus sete chakras primários e os tratamentos das práticas milenares da acupuntura.

Facilmente compreendemos que esta imensa rede de comunicação bioeléctrica gera campos electromagnéticos acompanhados por fenómenos de natureza quântica de sobreposição/emaranhamento e de efeito túnel à temperatura dos organismos e já registados nos processos fotossintéticos das plantas ou na estrutura dos microtúbulos que entre outras funções têm um papel preponderante na divisão celular e nas redes neuronais.

O sistema proteico receptor-efector, instalado nas membranas das cadeias fosfo-lipidicas, constitui um modelo 3D “chave-fechadura” de natureza electromagnética que actua como um interruptor, traduzindo os sinais ambientais em comportamentos celulares quando acciona outros interruptores que controlam a “leitura” dos genes.

Por seu turno a bomba iónica de sódio/potássio, que é um canal específico distribuído aos milhares pela membrana celular, transforma a célula numa pilha eléctrica (carga eléctrica negativa no interior e positiva no exterior) fornecendo energia e criando o designado “potencial de membrana”.

Deste modo a organização molecular complexa, que está na base da origem da vida, surge naturalmente por via da existência dos spins ou momentos magnéticos das partículas fermiónicas, que organizadas em etapas posteriores de evolução, geram as polaridades das orbitais atómicas que engendram aparentemente de forma “inteligente” geometrias espacialmente funcionais 3D – tipo fechadura/chave. Ao criarem sistemas ordenados de informação de natureza quântica, os campos morfogenéticos que poderíamos considerar autênticos estados pré-cognitivos, replicam-se de forma fractal, permitindo autosustentar de forma autónoma os primeiros organismos.

Note-se que não descuramos a influência do imperativo biológico da sobrevivência no caminho que levou ao agrupamento das células em comunidades e ao aumento da “consciência” ou estados pré-cognitivos. É certo que a divisão de trabalho nas eucariotas ofereceu vantagem adicional de sobrevivência - Lamarck sugeria uma evolução cooperativa e não tanto competitiva como afirmou Darwin. Hoje confirma-se este desiderato, pois sabe-se da existência de transferência genética interespécies e intraespécies.

Hoje está assente na comunidade científica a existência de um mecanismo de cooperação e adaptação entre as espécies como é o caso das orquídeas e dos seus respectivos polinizadores.

A natureza é frágil – a falta de um polinizador pode levar à extinção de uma espécie, mas também é resilente e transformante pela “inteligência” que dela emana e se faz rodear. Sigamos o seu exemplo, porque fazemos parte dela.

Poderemos tirar algumas lições para o ser humano sobre a “inteligência” e dos estados pré-cognitivos na natureza – o Campo M, e da importância das Mentes Consciente e Subconsciente. Enquanto a primeira “lê” e coordena o fluxo de sinais celulares e também gera emoções que se manifestam pela libertação de sinais controladores pelo sistema nervoso, é ela que deve assumir o controlo do comportamento das células do nosso corpo, enquanto a Mente Subconsciente, geradora de acções de natureza reflexiva, os designados hábitos, são apenas fruto do condicionamento instintivo, tipo Pavlov.

Ou seja, é desta dualidade, a manifesta capacidade da Mente Consciente para se sobrepor aos comportamentos pré-programados da Mente Subconsciente, das crenças e do funcionamento no e para o “agora”, que faz surgir a base do fenómeno sentido e comummente atribuído ao livre-arbítrio.

São as crenças que controlam a biologia de forma automática. Contudo à Mente Consciente é-lhe permitido planear o futuro, sobrepor-se ao Subconsciente e à crença, controlar o corpo - ver o Efeito Placebo (efeito positivo) / Nocebo (efeito negativo). Querem outros exemplos: a prática Yogue mostra que quem pratica meditação apresenta uma série de diferenças genéticas e moleculares que incluem níveis reduzidos de genes pró-inflamatórios e alterações dos mecanismos reguladores dos genes.

Precisamos de enveredar pela via do Crescimento Interior - uma vida alegre, com amor, realização e respeito pela Natureza. Abandonar a via da protecção biológica automática dominada pelo sistema HPA (Hipotálamo-Pituitário-Adrenal) que interfere com o pensarmos com clareza: o medo mata! O stress crónico debilita - doenças inflamatórias, cardiovasculares, cancro, diabetes tipo 2! É necessário controlá-los.

Os maiores obstáculos à concretização dos nossos sonhos são as limitações que temos programado ou inscrito secularmente no subconsciente, uma vez que a Mente Subconsciente controla 95% do nosso comportamento. O Homem Novo passa por aqui!

João Porto e Ponta Delgada, 4 de Junho de 2023

Publicado na Revista Fénix em

 https://www.revistafenix.pt/quando-a-natureza-nos-confunde-e-maravilha/


Bibliografia e notas

(1) Planárias são vermes que pertencem ao filo Platelmintos, que faz parte da classe de animais invertebrados.

(2) Watson, R., & Levin, M. (May 23, 2023). The collective intelligence of evolution and development. Collective Intelligence. https://doi.org/10.1177/26339137231168355.

(3) Capítulo “Implications for evolutionary intelligence and basal cognition”, Watson, R., & Levin, M. (May 23, 2023). The collective intelligence of evolution and development. Collective Intelligence.

(4) Colecção de imagens públicas recolhidas e divulgadas por muitos internautas nas redes sociais.


O Demónio de Maxwell

  James Clerk Maxwell (1831 – 1879) foi um dos maiores físicos possuidor de uma criatividade inigualável que até hoje a humanidade conheceu....