terça-feira, 20 de agosto de 2024

TERÃO AS PROPRIEDADES DA MATÉRIA A MESMA ORIGEM?


“Bhikkhus, suponham que uma grande massa de espuma estivesse flutuando nesse rio Gânges e um homem com boa visão a visse, observasse e investigasse com cuidado, e esta lhe pareceria vazia, oca, sem substância. Pois qual substância poderia ser encontrada numa massa de espuma? Do mesmo modo, bhikkhus, toda e qualquer forma, quer seja do passado, futuro ou presente; interna ou externa; grosseira ou sutil; comum ou sublime; próxima ou distante: um bhikkhu a vê, observa e investiga com cuidado, e ela lhe parece vazia, oca, sem substância. Pois qual substância poderia ser encontrada na forma?”

Budismo Theravada, Acesso ao Insight, Sutta “Espuma”, Samyutta Nikaya XXII.95, Phena Sutta



Vamos assumir por princípio, e a Física não nos desmentirá, que os Campos Quânticos estão intimamente ligados às características apresentadas pelas partículas subatómicas que consideramos serem fundamentalmente em número de três, a saber: 

- Massa
- Spin
- Carga

As partículas fermiónicas, os quarks e os electrões, aquelas constituintes das bases da matéria ordinária, manifestam as suas características porque lhe são conferidas incontornavelmente pelos Campos Quânticos. São elas a manifestação resumida da existência desses campos ou a forma que estes utilizam para conferir a existência e a realidade conhecidas. Na dimensão dos acontecimentos quânticos, todas as partículas do Modelo Padrão, os fermiões e os bosões, emergem de flutuações verificadas num campo que poderemos definir por uma região do espaço delimitada onde existem grandezas matemáticas, vectoriais e escalares, distribuídas e mensuráveis que estabelecem relações íntimas com aquele espaço por uma função de onda. Ou seja, nesta dimensão todas as partículas no estado fundamental não excitado são ondas que emergem do vazio como partículas quando transferem a sua energia. É o que faz o Grande Colisionador de Hadrões, o maior instrumento concebido pelo Homem.

Voltemos no entanto àquelas características.

Massa, aquela característica transmitida pelo Campo Higgs – que consideramos por analogia ser o Antakarana védico, que tal como é descrito nos Puranas, permite a “ligação” daqueles “campos” superiores que constituem a Constituição Ternária à própria matéria. No seu conjunto formam a Constituição Septenária. 
São aqueles “campos” que similarmente definem o conceito de Vazio, que a Física actual encara como uma superposição de Campos Quânticos, uma autêntico caldo de flutuações quânticas: a denominada energia do ponto zero, a energia do vácuo no espaço.
O papel de um deles, conferido pelo Bosão de Higgs, seria a concretização do meio ou do veículo, que permitisse a existência posterior do Spin e da Carga, o que leva à confirmação que estes dois só existem pela presença da Massa ou Energia, relação dada pela conhecida equação de Einstein E=mc2. Ou seja, uma forma de dar corpo à matéria fermiónica. 

Assim, na ordem do surgimento da realidade material, primeiro surgem os Campos Quânticos e só depois as partículas, assunto confirmado pelo fenómeno sobejamente conhecido e experimentado mas pouco entendido do colapso de onda.
Por essa razão o átomo é sobretudo formado por Vazio: 99,99% e pela mesma razão o carácter dualístico onda vs partícula.
Deste modo, é compreensível que no próprio microcosmo se juntem o Ser e o Não-Ser, afinal reflexo do que está igualmente a uma escala muito acima, na própria estrutura do Universo: o grande Vazio da Energia Escura, a grande força Casimir presente nesta escala, que tudo permeia e que nesta nossa dimensão material, onde prolifera a localidade, origina o tecido do Espaço-Tempo sede da não-localidade (talvez afinal a pressentida e nunca encontrada Matéria Escura).

Segundo Stephen Hawking, o aumento da massa do Bosão de Higgs em 1 octodecilhão de anos terrestres (10 elevado a 58) levaria à destruição do Universo, pela criação de uma bolha de vácuo de 100 mil milhões de GeV – afinal o retorno às origens! O Vazio no Princípio e no Fim, traduzida em infindáveis Bigs Bangs, como também advoga a moderna teoria da Cosmologia Cíclica Conforme (CCC) de Roger Penrose.
Neste aspecto muito pouco se evoluiu se tivermos em conta os éons de tempo inscritos nos Ciclos de Pralayas e Manvataras, de expansões e contracções universais expressos em Kalpas.
Segundo os Puranas (Vishnu Purana e Bhagavata Purana) um Kalpa são cerca de 4,32 mil milhões de anos, um dia de Brahma (corresponde a um dia e a uma noite, ou 2 Kalpas). Ainda de acordo com o Mahabharata, 12 meses de Brahma (360 dias/noites de Brahma) constituem o seu ano e 100 anos um ciclo de vida do Universo, um Maha-kalpa: 312 trilhiões de anos terrestres.
Em todas as cosmogonias apenas estes ciclos são comparáveis àquele octodecilhão.

Chegados a este ponto, sentimo-nos corroborados pelas recentes descobertas do telescópio espacial James Webb. Foram nada menos que cinco as surpresas descobertas a apenas 300 milhões de anos do suposto início do Big Bang, que fazem recuar de forma incomensurável a idade deste Universo, e que passamos a enumerar:
 * Existência de clusters compactos de galáxias a apenas 650 milhões de anos;
 * Galáxias completamente evoluídas, apresentando estruturas espirais;
 * Formação de galáxias logo no inicio;
 * Deteção de milhares de Buracos Negros;
 * Galáxias no fim de vida onde a formação estelar cessou há 10 mil milhões de anos num Universo que se supõe ter 13,8 mil milhões de anos.

Este assunto do Vazio sempre foi preocupação de filósofos e físicos. Para Aristóteles a ideia de Éter e da Quintessência prevalecia sobre a inexistência do vazio absoluto (Kénon), separado dos corpos. Pelo contrário Kant opunha-se a Aristóteles ao conceber um vazio, forma a priori da sensibilidade, sem corpos, forma arquetípica do Absoluto. Já Berkeley permaneceu na linha de Aristóteles.

Mas, ainda sobre o Vazio, não me coíbo de referir esta passagem de Asclépio III de Hermes Trismegisto : “Porém quanto ao vazio, que muitas pessoas consideram de grande importância, sustento que isso do vazio não existe, nem pode ter existido no passado, nem nunca existirá. Pois todas as diversas partes do Cosmos estão completamente cheias de corpos de diversas qualidades e formas, tendo cada uma o seu próprio contorno e magnitude; e portanto, o Cosmos como um todo, está cheio e completo.” 

O Espaço que não é de todo vazio, por conter as galáxias e todos os Campos Quânticos (sendo ele próprio provavelmente, como vimos, um Campo Quântico Covariante que contem todos os outros), alberga também todos os universos, na concepção actual dos multiversos. E aqui assume a designação de Kosmos. Poderíamos comparar este Kosmos infinito, onde se desenvolvem os multiversos, ao oceano cujas ondas se desfazem em milhões de bolhas na espuma, resultado dos colapsos das ondas. O processo por detrás é o mesmo: a entropia encontra nas bolhas que constituem as espumas, ou nos multiversos em bolhas que povoam o Kosmos, a forma mais eficaz de dissipar a energia, pois a bolha é a área de maior superfície possível. Será pela qual que a entropia realiza de forma eficiente a “desordem” num sistema termodinâmico, como é globalmente o próprio Kosmos: um estado em equilíbrio no seu conjunto onde os fluxos versus refluxos – Pralayas vs Manvataras, são um processo espontâneo. 

“Bhikkhus, suponham que é o outono, quando estivesse chovendo e caindo pesadas gotas de chuva, uma bolha de água surgisse e desaparecesse na superfície da água. Um homem com boa visão a visse, observasse e investigasse com cuidado, e esta lhe pareceria vazia, oca, sem substância. Pois qual substância poderia ser encontrada numa bolha de água? Do mesmo modo, bhikkhus, toda e qualquer sensação, quer seja do passado, futuro ou presente; interna ou externa; grosseira ou sutil; comum ou sublime; próxima ou distante: um bhikkhu a vê, observa e investiga com cuidado, e ela lhe parece vazia, oca, sem substância. Pois qual substância poderia ser encontrada na sensação?”. Cfr. Budismo Theravada, Acesso ao Insight, Sutta “Espuma”, Samyutta Nikaya XXII.95, Phena Sutta.


Interessante verificar que a gravidade tem sido considerada pela física mais recente uma força entrópica, pois carrega uma matriz relacional de informação, sempre associada como fenómeno emergente de acordo com a posição/geometria/massa dos corpos materiais. Deste modo não poderá ser considerada uma força fundamental de interacção independente mas um Campo Quântico que contem todos os outros e os próprios corpos materiais.

Mas, não nos percamos! Voltemos àquelas três características enunciadas.

Outra será o Spin, que é dado pelo campo do espaço-tempo – que faremos corresponder ao conceito de Budhi, voltando às designações sânscritas milenares da filosofia védica e especificamente à sua trilogia.
 Agora faremos prevalecer a ideia de granularidade do próprio Espaço-Tempo, descortinada na “espuma de spins” pelos teóricos da Gravidade Quântica em Laços (GQL), fundamentada ou assente numa matriz de Informação que muitos ousam extrapolar em Qubits – que poderemos comparar ao Atma, no vértice da referida trilogia. 
Informação em todo o lado conferida pelo Spins. Recentemente, teorias como a TSE (Toroidal Solenoidal Electron) e a STEM (Spin Torus Energy Model) têm feito progressos assinaláveis, alicerçadas em demonstrações matemáticas que conseguem explicar todos os fenómenos ligados ao campo eléctrico e magnético, à supercondutividade e em geral a todos os fenómenos de natureza electromagnética. 
Estes dois modelos referem-se à existência de um núcleo de energia concentrada em desenvolvimento toroidal a velocidades quase lumínicas 

Proposta de estrutura topológica holográfica-fractal do electrão de spin ½. O Ouroboros microcósmico.


Será esta Informação que por sua vez induzirá ao aparecimento da forma (aspecto geométrico), que se reproduzirá sustentadamente de forma fractal – o Manas, terceiro ápice daquele triângulo concepcional hinduísta. Este conceito de fractalidade, base da Geometria Hiperbólica de Escher e da Teoria CCC, vai manifestar-se nas referências feitas tradicionalmente na geometria sagrada, a Flor da Vida, projectada na simbologia da Vescica Piscis (símbolo ancestral do antigo Egipto do Olho de Hórus) assim como a Árvore da Vida e a numerologia cabalística e os seus Sephiroths inferiores e superiores.

Para Platão, toda a matéria é composta por triângulos combinados. O três representa estabilidade. Estabelece os princípios de harmonia e equilíbrio em um mundo dual e simétrico. Por isso, é usado para representar o aspecto Divino, através da Trindade, presente em várias culturas:

Cristianismo: Pai, Filho e Espírito Santo
Hinduísmo: Brahma, Vishnu e Shiva (trimurti), 3 Gunas
Egito: Ísis, Osíris e Hórus
Celtas: Virgem, Mãe e Anciã (Aspectos da Mãe Terra)
Espiritismo: Deus, Espírito e matéria.
Ainda poderíamos citar o padrão fractal que está na base da tetráctis e da década pitagórica.

Em Resumo, a GQL representa um estado quântico da geometria do espaço (Geometrodinâmica) à escala de Planck, 10 elevado a -33 metros, onde o triângulo (a disposição espacial de 3 pontos que gera uma superfície) poderá ser a sua fonte estrutural, tal como os triângulos de Sierpinski ou de Pascal na origem da Sequência de Fibonacci - ϕ (Phi) =1,6180339887...etc.

Na matemática os fractais surgem como belos padrões que se repetem infinitamente, gerando o que parece impossível: uma estrutura que possui uma área finita, mas um perímetro infinito. Constantes matemáticas como Phi, Pi, Alfa (1/137) são a manifestação escondida destes padrões na realidade nossa conhecida.

Representação computacional gráfica simulando a Espuma de Spins ou Spin Network 
de uma função de onda molecular


O “entanglement” ou emaranhamento prova-o. Ele existe como fenómeno de não-localidade porque existe um meio de transmissão instantâneo onde a luz não é o limite. 
Contudo existem outros fenómenos que se desenvolvem e são limitados pela velocidade da luz. Sempre que acontece um “colapso de onda” num hiper colisionador de hadrões como aqueles presentes nos Buracos Negros ou nos Quasares e nos Pulsares, que fazem vibrar o tecido do Espaço-Tempo, manifestam-se as “ondas gravitacionais” à escala local do Universo. Este “colapso de onda” gerado por exemplo pela colisão de dois Buracos Negros desencadeia um efeito local limitado à velocidade da luz traduzido em “ondas gravitacionais”: o Universo local em vibração.
Ou seja a Constante Gravitacional é o fenómeno que sustem a matéria assim como a Constante de Coulomb sustem os fenómenos eléctricos. Como veremos as suas fórmulas matemáticas são idênticas e as suas Constantes são tudo menos constantes.

No conjunto fomam o Não-Ser taoista de Lao Tzu, o Vazio formado por Campos Quânticos Covariantes, que se contem a si próprios e que vão conter outros campos quânticos ligados à estrutura da matéria: os campos das forças nucleares forte e fraca e a electromagnética.

 "O vaso é modelado com argila
Mas é o seu espaço vazio que o torna útil"
                                               Tao Te Ching, Lao Tzu

As ondas gravitacionais são o próprio campo do espaço-tempo em vibração ou o colapso de onda do espaço-tempo (encarado matematicamente como Espaço de Hilbert) e a Radiação Hawking é a revelação da natureza quântica do espaço-tempo.

O conteúdo do espaço-tempo permeado por Campos Quânticos onde proliferam Spins.


Por sua vez, acreditamos que o “entanglement” como fenómeno quântico foi visionado na filosofia vedanta e consubstancia o conceito Akashico.
“Akasha pode ser definida em poucas palavras: é a alma universal, a Matriz do Universo, a “Mysterium Magnum” a partir da qual tudo o que existe nasce por separação ou diferenciação. É a causa da existência; preenche todo o Espaço infinito; é o próprio Espaço, no sentido conjunto dos sextos e sétimos princípios.”Cfr. “Os Manuscritos Perdidos da Loja Blavatsky”.

“Bhikkhus, suponham que um mágico, ou o aprendiz de um mágico, estivesse fazendo um truque de mágica numa encruzilhada. Um homem com boa visão visse, observasse e investigasse aquilo com cuidado, e aquilo lhe pareceria vazio, oco, sem substância. Pois qual substância poderia ser encontrada num truque de mágica? Do mesmo modo, bhikkhus, toda e qualquer consciência, quer seja do passado, futuro ou presente; interna ou externa; grosseira ou sutil; comum ou sublime; próxima ou distante: um bhikkhu a vê, observa e investiga com cuidado, e ela lhe parece vazia, oca, sem substância. Pois qual substância poderia ser encontrada na consciência?”. Cfr. Budismo Theravada, Acesso ao Insight, Sutta “Espuma”, Samyutta Nikaya XXII.95, Phena Sutta. 


Façamos finalmente uma incursão pela última característica.

A Carga é dada pelo campo electromagnético – que se prende ao conceito hinduísta Jiva. É a manifestação sob a forma magnética bipolar do spin – do espaço-tempo, nas partículas, na matéria fermiónica.

Porque há algo em comum entre o espaço-tempo e o Spin. O que é comum está presente em duas Leis: “a força diminui 4 x sempre que a distância passa para o dobro”. 
O que é comum é o conceito de “distância” ou ESPAÇO. Ou seja a gravidade (espaço-tempo curvo com Einstein) e a electricidade (campo electromagnético com Faraday) são dois aspectos da mesma coisa: o campo quântico em “laços“ do espaço-tempo.
O Spin (energia sob a forma de momento magnético) define as cargas e a “espuma de spins” define o tecido do espaço. Ambos configuram uma geometria Toroidal.
O espaço e a lei do inverso do quadrado da distância – coisas antigas de 1687 (Newton) e 1783 (Coulomb), surgem aplicadas na gravitação mas também na electricidade, na Lei de Coulomb. Ambas usam a mesma fórmula:

  

No entanto a diferença entre as duas forças é abissal: 1 : 4,17 x 10 elevado a 42 ou 4 170 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000, apesar da sua origem ser comum, exactamente a mesma razão entre os diâmetros do Universo e de um protão. 

Como disse John Archibald Wheeler: “A massa diz ao espaço como curvar-se, e o espaço diz à massa como mover-se” e este movimento gera e condiciona fortes campos electromagnéticos.

Em conclusão (de forma apressada): afirma o físico teórico Carlo Rovelli: 
“ Os campos quânticos covariantes representam a melhor descrição que temos hoje do apeiron (Absoluto Infinito), a substância primordial que forma o todo, colocada em hipótese pelo primeiro cientista e primeiro filósofo, Anaximandro.” - Rovelli, Carlo, A Realidade não é o que parece – a natureza alucinante do universo, Contraponto, 1ª Edição, Outubro 2019.

Referências mais antigas existem. Em consonância com o 2º Axioma do Kaibalion de Hermes Trismegisto/Toth (1300 a.C.), conhecido como Princípio da Correspondência:
“O que está em cima é como o que está em baixo e o que está em baixo é como o que está em cima”, ou ainda como afirmou Richard Feynman em 1964 nas Conferências Messenger: “A Natureza utiliza longos fios para tecer os seus padrões, mas os bocados mais pequenos permitem revelar a estrutura de toda a tapeçaria.”

Outras ainda fazem-nos citar o ancestral Livro de Dzyan, onde realçamos em itálico as respectivas correspondências que atrevemos evidenciar.
No Livro III das Estâncias (“Tratado Sobre Fogo Cósmico”, Estância XI:1, Capítulo 37) também se lê: 
“A roda da vida gira dentro da roda da forma exterior (estrutura topológica holográfica fractal). Circula a matéria de Fohat (o spin – momento magnético), seu fogo endurece todas as formas (dá forma à matéria). A roda invisível gira em rápidas revoluções (spin), dentro do lento invólucro externo (matéria), até que a forma se desgaste (até ao fim).” 
E ainda no Livro I. ESTÂNCIA III, Capítulo 12:
“Então Svabhâvat (Informação) envia Fohat (spin – momento magnético) para endurecer os Átomos. Cada qual é uma parte da Tela. Refletindo o ‘Senhor Existente por Si Mesmo’ (o Campo Quântico granular do Espaço-Tempo) como um Espelho (fractalidade), cada um vem a ser, por sua vez, um Mundo.”

  “Este Universo é uma árvore que existe eternamente, com as suas raízes voltadas para cima (o ternário) e seu galhos espalhados embaixo (o quaternário). A raiz pura é Brahman, o imortal, em quem os três mundos têm a sua existência, a quem ninguém pode transcender, que é verdadeiramente o Eu. Todo o Universo veio de Brahman e se move em Brahman.” Upanishad III, Katha.

Constituição Septenária à luz do Modelo Padrão


Tendo em conta este modelo da Constituição Septenária, acreditamos que permitiria:
 
1. Reconciliar a Relatividade einsteiniana com a sua visão de Localidade do Espaço-Tempo curvo, com a Mecânica Quântica com a sua visão de Não-Localidade e de acção instantânea entre fenómenos. Esta visão foi validada pela previsão feita há 50 anos no quadro da unificação da Teoria dos Campos Quânticos (TCQ) com a Relatividade Geral (RG) e conhecida como a teoria do campo quântico do espaço-tempo curvo, através da detecção da radiação Unruh-Hawking no processo da aceleração de electrões.

2. Aceitar a quantização do Espaço-Tempo, em dimensões de Planck onde o espaço 10-36 cm e o tempo 10-44 segundos são relativos, criando uma matriz de “potencial de forma” (as reveladas e designadas “Potências” em Pistis Sophia?) que se situam para além do formalismo do Espaço-Tempo onde conta a distância.

3. Poder explicar a violação da indivisibilidade da carga elementar nos quarks (com cargas eléctricas quantizadas em +2/3 e -1/3), apesar de estes se apresentarem em conjuntos de hadrões e nas quasipartículas, apesar de não serem verdadeiramente partículas.

4. Verificar a não existência de objectos separados e independentes. A dualidade é aparente e tudo está interligado, tal Uroborus ou Yin Yang. 

5. Assumir que para além da “concha” estratigráfica (tipo cebola) do nosso espaço-tempo relativista, estaria o Brahman da filosofia hinduísta, onde o espaço-tempo não existe – o domínio do Akasha e dos archetypos platónicos e junghianos – um interface com o Absoluto.

Gostaríamos ainda de retirar mais algumas conclusões, agora noutros domínios:

1. A evolução biológica envolveu sempre a conquista de espaços mórficos sempre mais organizados, onde a geometria espacial molecular tida como a forma como os átomos estão espacialmente dispostos na molécula, resulta da teia de Spins entre as partículas sub-atómicas e o próprio espaço granular.

2. A explicação das bases do panpsiquismo e dos incompreensíveis fenómenos emergentes que nada explicam. Afinal tudo possui algum nível de cogniscismo ou Informação matricial que nos induz a pensar que o todo possa ser maior que a soma das partes, provavelmente por efeito de transições de fase orquestradas por ressonâncias vibracionais à escala de Planck (que poderiam ser alguns efeitos conhecidos, como os efeitos Túnel, Casimir, Sobreposição e Emaranhamento). 

3. Ligação definitiva dos aspectos proto-cognitivos ao espaço mórfico granular como campo quântico de Spins com a informação da topologia fractal revelada na organização toroidal e no triângulo de Pascal como se este reflectisse a constituição ternária védica, biologicamente transposta nos microtúbulos neuronais onde são revelados processos de natureza quântica.

4. Unificação da física quântica de Heisenberg e Schrödinger com a relatividade geral einsteiniana.  Em diferentes escalas, a estrutura dos espaços mórficos é de igual natureza do espaço granular do universo, ambos “espuma de spins”, a construtora das três características das partículas: Massa, Spin e Carga.
 
Propostas pretensiosas de unificação do Universo (ou dos universos), da Física e da Vida, do micro e do macrocosmo.


João Porto, Ponta Delgada, 20 de agosto de 2024.

sexta-feira, 14 de junho de 2024

O Espaço uma Entidade Magnética

 

“Até que a gravitação seja entendida simplesmente como atracção e repulsão magnética, e o papel desempenhado pelo próprio magnetismo nas infinitas correlações de forças no éter do espaço…”

                       H. P. Blavatsky, Escritos Compilados, Volume I (1874-1878), edição 2024

Como já se aperceberam, ao iniciar este texto com uma citação truncada de H.P.B., mas no entanto plena de conteúdo suficiente para esta análise, poderão deduzir que foi da leitura desta obra publicada agora em 2024 em língua portuguesa pelo Centro Lusitano de Unificação Cultural e Editora Teosófica, que me surgiram as ideias que de seguida expresso, inevitavelmente formuladas com algum pendor “técnico” do qual tentarei suavizar sem no entanto desvirtuar o significado do conteúdo.

Em 1971 Roger Penrose, professor emérito da Cátedra Rouse Beall de Matemática da Universidade de Oxford, laureado com o Prémio Nobel de Física em 2020, descreveu pela primeira vez aquilo que hoje é conhecido por redes de spin, descrito pela Física Quântica como técnicas diagramáticas que podem ser utilizados para representar estados e interacções entre partículas e campos quânticos.

Deste modo podiam-se representar matematicamente funções mais complicadas (tais como funções lineares em todas as suas variáveis), definindo espaços vectoriais topológicos contínuos ou outros não-lineares, de aspectos geométricos convexos, como o espaço de Minkowski, também conhecido como a métrica de Minkowski e tido como reflectir correctamente a nossa existência material.

Esta outra geometria resumia-se à formulação matemática de como é normalmente concebida a Teoria da Relatividade Especial ou Restrita de Einstein, publicada pela primeira vez em 1905. Ao invés do tradicional espaço euclidiano tridimensional, onde reina o sistema de coordenadas cartesianas, Minkowski (1864-1909), professor de Einstein no Instituto Politécnico de Zurique, logo em 21 de Setembro de 1908 na sua famosa palestra “Espaço e Tempo”, na 80a Assembleia Alemã de Cientistas e Médicos, comunicou que a recém-descoberta teoria da relatividade restrita podia ser apreciada como uma nova geometria num novo espaço-tempo a quatro dimensões que envolvia conceitos matemáticos pouco usuais ao tempo, tais como tensores e geometria não-euclidiana.

Nos dias de hoje, esta é a nossa concepção comummente aceite do espaço e do tempo, curvados e modulados pelas massas de corpos estelares e planetários, como se vivêssemos no interior de um corpo gigantesco de uma lesma ou de uma água-viva. Agora o éter Newtoniano, onde o espaço e o tempo, cada um por si, infinitos e absolutos, eram substituídos definitivamente por uma entidade relativistica, o continuum espaço-tempo, esta sim uma entidade absoluta onde o tempo representava a quarta dimensão.

 vs  

Com Maxwell (1831-1879) julgava-se que a luz era formada por ondas de uma substância designada por éter tendo sido concebidas algumas experiências para provar a sua existência, nomeadamente através da célebre experiência de 1887 de Michelson-Morley para detectar o movimento da Terra pelo éter. Contudo nada se conseguiu provar, levando a crer que a velocidade da luz relativamente à Terra não era afectada pelo movimento desta em torno do Sol. Já Poincaré em 1902 no seu livro La Science et l’hypothèse (1), colocava em dúvida a existência do éter e a possibilidade prática de provar a sua realidade.

Como Max Born havia declarado em 1956, na preparação da conferência comemorativa dos 50 anos da Teoria da Relatividade: “Teoria da Relatividade restrita não foi, afinal, uma descoberta de um só homem. A contribuição de Einstein foi a pedra angular de um arco que Lorentz, Poincaré e outros construíram e que viria a suportar a estrutura erigida por Minkowski.”(2). Acho que se fez justiça!

Entretanto impõe-se esclarecer o que é spin (designação de “giro” em inglês) e campo quântico. E aqui vem a parte mais dolorosa da explicação “técnica”.

A hipotética existência do spin foi introduzida em 1925 por Samuel Abraham Goudsmit e George Eugene Uhlenbeck para explicar um conjunto de fenómenos como aquele do Efeito Zeemann, do qual não é nosso propósito adiantar explicações, e só mais tarde em 1927 foi definitiva e formalmente aceite matematicamente através do método matricial por Wolfgang Pauli.

Todas as “partículas”, ou aquilo que hoje se considera ser uma excitação localizada num campo quântico, possuem spin, inteiro ou semi-inteiro, quantizado e restringido a múltiplos de h/2p, onde h é a constante de Planck (6,626x10-34 joules por segundo).

Todas possuem spin que é o responsável final pelas propriedades magnéticas da matéria. Sejam fermiões que constituem a estrutura do átomo (electrões, protões, neutrões), sejam os bosões que são as forças que medeiam as interacções entre as partículas e que mantêm a estrutura agregada dos átomos (fotões, gluões da força nuclear forte ou os bosões W e Z da força nuclear fraca), todas em conjunto com o bosão de Higgs, responsável por atribuir massa às partículas e com spin nulo e sem carga eléctrica, formam o quadro do Modelo Padrão das Partículas Elementares. O caso Higgs é um caso especial, pois é um campo quântico que contem, por assim dizer, todos os outros.

 É a ligação entre o spin e o designado momento angular intrínseco que faz surgir o magnetismo e que irá ter implicações no próximo futuro no tratamento da informação na computação quântica com o desenvolvimento de algoritmos que irão explorar as propriedades quânticas do spin – a nova ciência spintrónica.

O conceito de spin associado à ideia de momento magnético das partículas subatómicas com carga e em rotação, surge em primeiro lugar derivada da ideia de que o electrão rodava sobre si próprio e pela experiência de que o deslocamento de uma carga eléctrica (ou uma corrente eléctrica num fio metálico) produz sempre um campo magnético. Esta ideia contudo não poderia ser aplicada aos neutrões que não possuem carga. Contudo possuem momento angular intrínseco (outra designação para o spin). Isto ainda acontece a certos núcleos atómicos como o Urânio 235. Nestes casos estes momentos magnéticos, denominados de intrínsecos, relacionam-se com o momento angular das partículas, e é encarado como mais uma variável, um número quântico, para além da carga e da massa, que condicionam no seu conjunto os graus de liberdade do sistema. Isto é evidenciado na prática por fenómenos como a conhecida ressonância magnética nuclear de que muitos de nós já experimentámos na prática da medicina.

E no caso do fotão, que não tem carga ou massa? Este apresenta porém um eixo central de deslocação (MAS – momento angular de spin, à velocidade de quase 300.000 km/s, a tal velocidade da luz) à volta do qual rodam continuamente os seus campos eléctricos e magnéticos. É esta rotação que ao exercer o seu sentido para a esquerda ou para a direita relativamente ao observador, define a polarização da luz ou da onda electromagnética. Este fenómeno também é nosso conhecido na aplicação de ópticas, mais concretamente de lentes polarizadas dos óculos de Sol que bloqueiam a intensidade da luz solar, protegendo os nossos olhos.


Polarização de uma onda electromagnética ou da luz e os seus momentos magnéticos respectivos +h ou –h (h=constante de Planck) e onde as expressões matemáticas dão as 3 componentes do campo eléctrico. Fonte Wikipédia.


Verifica-se assim que todas as partículas que giram, rodam ou orbitam outro corpo, possuem movimento angular e com ele também momento angular. Assim todas as partículas que apresentam momento angular intrínseco contínuo e deste modo infinito, comportam-se como se rodassem. Mas se assim fosse, teríamos mais um paradoxo violando a lei da conservação da energia ou então decairiam sobre si próprias e não existiriam materialmente. Logo o spin é ilusório e as partículas não rodam! Apenas comportam-se como se rodassem: “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta". Júlio César assim o referiu no caso do seu divórcio com Pompeia.

Aqui o caso revela contornos diferentes: o que parece, afinal não é mesmo!

Contudo, não parece ser assunto devidamente assente o caso do actual divórcio comummente assumido entre a Mecânica Quântica e a Relatividade Restrita ou Especial, porque considera-se que a existência do momento angular intrínseco (referido como número quântico de spin e representado pela letra s), deriva afinal de efeitos especiais relativísticos.

Afinal a grande questão persiste apenas entre a Relatividade Geral e a Física Quântica! E é neste âmbito que presentemente as redes de spin são aplicadas à teoria da gravidade quântica por uma pleíade de grandes investigadores teóricos, tais como Carlo Rovelli, Lee Smolin, Jorge Pullin, Rodolfo Gambini e ainda muitos outros.


Rede de spin de Penrose. Fonte Wikipédia.

A rede de spin pode assim ser caracterizada: cada segmento de linha é um número de spin n onde cada unidade designada por n-unidade tem  um momento angular nħ/2, onde ħ é a constante de Planck reduzida. Para os bosões (fotões e gluões), n é um número par. Para os fermiões (electrões e quarks), n é ímpar. Três segmentos de linha unem-se e formam um vértice (vertex), interpretado como um evento no qual uma única unidade se divide em duas ou duas unidades colidem e se unem numa única unidade. Os diagramas cujos segmentos de linha estão todos unidos em vértices são então designados por redes de spin.

A rede de spin, também conhecida por Gravitação Quântica em Laços, sendo uma teoria de geometria quântica do espaço-tempo cujo objectivo é ultrapassar as dissensões teóricas entre a Mecânica Quântica e a Teoria da Relatividade Geral, constrói o espaço com linhas e nós (vertex) que reflectem os estados quânticos permitidos. Formam uma rede que transposta para o espaço-tempo numa perspectiva canónica (do ponto de vista matemático) corresponde a formas diagramáticas conhecidas também como espuma de spin. Ou seja, representa a quantização do espaço-tempo à escala diminuta de Planck, a fracção última a que se pode reduzir a existência material, e constituem uma alternativa à complexa teoria das cordas para a gravidade, a explicação da entropia para os buracos negros/brancos e ultrapassada a singularidade introduzida pelo Big Bang acrescida pela previsão de um universo colapsante anterior (ver teoria CCC – Cosmologia Cíclica Conformal de Roger Penrose) . Isto não conflitua com a Relatividade Geral dado que esta não determina a distância entre dois pontos no espaço-tempo estabelecendo apenas as mútuas relações que existem, entre os campos gravitacionais e os campos materiais. Aqui dominaria tão só a densidade de 5.1 × 1096 kg/m3, 1023 massas solares contidas num espaço equivalente a um único núcleo atómico – a denominada densidade de Planck.

Seria lógico que, o espaço-tempo concebido como uma vasta teia de spins, nos pudesse presentear uma estrutura de tipologia de campo quântico onde prevalecem momentos magnéticos intrínsecos inerentes à construção de holonomias, consequência geométrica de curvaturas de ligação e de fluxos de campos de força produtores de uma espécie de uma cartografia própria de simetria fractal. Holonomias seriam assim as unidades estruturais.

Holonomia. Fonte Wikipédia.

Esta seria a ideia base por detrás da estrutura espaço-temporal: um organismo “vivo”, pleno de informação, um campo quântico covariante contendo os restantes campos quânticos e os fermiões, potencial gerador e portador do fenómeno de não-localidade designado por emparelhamento – o milenar conceito de Akasha dos Vedas agora experimentalmente constatado em 2022 pela tríade de investigadores, Alain Aspect, John F. Clauser e Anton Zelinger, galardoados com o Prémio Nobel de Física.

Seria formalmente, e de acordo com o Akasha, o registo de todos os acontecimentos, por ter as características de meio magnético permeado por Qubits de informação: um computador quântico universal onde as partículas surgem como uma propriedade emergente do espaço-tempo quântico.

Poderíamos alicerçar aquele nosso entendimento com o que H.P.B. nos diz na Doutrina Secreta (3): “Foi o que levou Demócrito a dizer, segundo o seu perceptor Leucipo, que os princípios ou elementos primordiais de tudo eram átomos e um vacuum, no sentido de espaço; não, porém, um espaço vazio, pois “a Natureza tem horror ao vácuo”, conforme os princípios peripatéticos e dos filósofos antigos em geral.”

Revela-nos por sua vez o Glossário Teosófico que o Akasha é “a essência supersensorial e espiritual subtil que permeia todo o espaço; a substância primordial erradamente identificada com o Éter.” (4)

Conclusão: Algumas veredas serão possíveis na investigação científica, cada vez mais exacerbada pela sua crescente capacidade criativa. Poderão confirmar esta hipótese do espaço-tempo como teia, ténue véu de “espuma de spins”, campo quântico covariante que contem todos os outros e do qual sobressaem constantemente a matéria fermiónica e os colapsos de onda. Destacamos seis:

a) apresentar-se independente das massas que contem e causar efeitos dinâmicos na topologia cosmológica, detectáveis de acordo com aquela sua natureza, ultrapassando a descrição da Relatividade Geral einsteiniana (5). 

O spin seria mais uma propriedade das partículas, tal como a carga e a massa, emergente da própria  natureza do espaço: um pouco como uma transferência de estado aquando da perturbação do campo quântico de onde surge a "partícula". Tal como o campo Higgs confere massa e como tal tem spin 0.

b) utilizar o campo Higgs como interface entre aquela sua natureza covariante e a emergente da matéria e das respectivas forças que a suportam e estruturam, nomeadamente os campos electromagnéticos e as duas forças nucleares forte e fraca.

c) ser a residência e o âmago de uma “memória”, perene de todos os acontecimentos, traduzida em baixíssimas frequências, constituindo o registo e o meio de informação indestrutível e partilhado que poderá ser acessível e constatado cientificamente, pelo menos matematicamente (6);

d) Justificar e ser o suporte do fenómeno supra-lumínico de não-localidade e não temporalidade do emaranhamento quântico pelo qual tudo no Universo se encontra ligado, num acto de partilha titânico, assunto revelado na nossa dimensão espaço-temporal pelas sincronicidades Jungianas e dos fenómenos de acausalidade da rectrocausalidade situados para além dos cones de luz da geometria de Minkowski;

e) revelar uma estrutura fractal dinâmica tal qual a geometria topológica dos mosaicos não-periódicos de Penrose ou inclinações de Penrose, afinal a derradeira Matriz, a base de todas as leis da natureza uma vez que nelas assentam a previsibilidade dos acontecimentos.

f) perceber num outro âmbito, o microcosmos, o reflexo e as implicações deste espaço-tempo no comportamento das estruturas biológicas, na estrutura da célula e do papel do genoma como ferramenta recorrente pelas mesmas ao interpretarem “forças” geradas por informação topológica e geometria conformal aliada a “sinais” electromagnéticos e de fenomenologia quântica (efeito túnel e sobreposição) na construção embriónica. De acordo com Alfonso Arias (7) “Observando este processo é difícil recusar a impressão de que as células sabem sempre o que fazer e para onde se moverem relativamente umas às outras, para encontrarem as suas posições no espaço de modo que as células de órgãos, como o coração e pulmões, trabalham em conjunto no ajuste das suas ligações.” Como referiu Lewis Wolpert, parece existir uma Informação Posicional, um morfogene gerador da forma nas vastas distâncias do organismo. Em suma, perceber como o espaço-tempo controla o desenvolvimento biológico.

Finalmente, esta seria a grande revolução em direcção à verdadeira e Grande Unificação e o caminho seguro para a elevação espiritual da Humanidade: finalmente o Todo reunido no Um.


Bibliografia e Notas

(1) H. Poincaré: La Science et l’hypothèse. Flammarion, 1968.

(2) M. Born: Physics and Relativity. In A. Mercer and M. Kervaire (eds.): Jubilee of Relativity Theory, pp. 244–260. Birkhäuser, 1956.

(3) H. P. Blavatsky, A Doutrina Secreta, Volume I – Cosmogénese, Editora Pensamento-Cultrix Ltda, 2020, pp. 123.

(4) Helena Blavatsky, Glossário Teosófico, a versão original e póstuma de 1892, editada por George Mead, Centro Lusitano de Unificação Cultural, Colecção Omnia.

(5) Richard Lieu, The binding of cosmological structures by massless topological defects, Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, Volume 531, Issue 1, Junho 2024, Páginas 1630–1636, https://doi.org/10.1093/mnras/stae1258

(6) https://youtu.be/97Fe3voDxnM?si=kKAo-6kOm9-WqySe

(7) Alfonso Martinez Arias, The Master Builder, How de new science of the cell is rewriting the story of life, John Murray Press, Basic Books London, 2023

H. P. Blavatsky, Escritos Compilados, Volume I (1874-1878), Centro Lusitano de Unificação Cultural e Editora Teosófica, Edição 2024.







domingo, 5 de maio de 2024

O Demónio de Maxwell



 James Clerk Maxwell (1831 – 1879) foi um dos maiores físicos possuidor de uma criatividade inigualável que até hoje a humanidade conheceu. A ele, se deve a segunda grande unificação na Física (a primeira deve-se a Isaac Newton com as suas leis da gravitação universal) que unificou o magnetismo, a electricidade e os próprios fenómenos luminosos, a concepção da ideia de campo e portanto da natureza do primeiro campo quântico electromagnético reflectida nas suas respectivas equações.

Em 1867 idealizou uma estrutura, que posteriormente ficou conhecida como “Maxwell Demon”, uma espécie de máquina cujo objectivo era peneirar de acordo com a temperatura, moléculas constituintes de um meio gasoso, em que as de maior temperatura iriam para um lado e as mais “frias” para o outro, um processo em completo desacordo com a segunda lei universal da termodinâmica, mais conhecida por entropia, onde o tempo é a variável que tudo resolve ao assumir uma direcção única de desenvolvimento de todos os fenómenos, uma direcção do passado para o futuro em que um efeito é consequência de uma causa. 

O “Demónio de Maxwell” onde a entropia decresce 
Fonte: Wikipédia

Ou seja, a ideia subjacente a este processo envolveria a criação de um sistema que produzisse frio extraindo calor invertendo a lei da causalidade ou a lei de causa e efeito. Poderíamos chamar a este processo uma exploração de uma “ordem causal indefinida” como processo probabilístico que fundamentalmente caracteriza os processos de transferência de fluxos de calor na termodinâmica. Sabemos que de acordo com a segunda lei da termodinâmica, o fluxo de calor só pode ser feito naturalmente de um corpo quente para um corpo frio, nunca havendo transferência de calor entre sistemas à mesma temperatura. É a teoria base da cinética dos gases.
O “demónio” aqui seria uma criatura hipotética, que envolvesse uma nano tecnologia, que desafiando a segunda lei da termodinâmica, ordenaria as partículas ou moléculas de um gás, de modo que seria invertido o sentido normal do fluxo de calor. 
A ideia seria fazer com que os eventos se sucedessem numa ordem probabilística de modo que o calor fluísse para o lado desejado (quente ou frio) sem colidir com as leis da termodinâmica. Ora, esta acção probabilística da termodinâmica é também partilhada com a mecânica quântica. É aqui que vai entrar a “mágica” da Mecânica Quântica, pela qual são possíveis gerar acontecimentos sem qualquer referência temporal ou estrutura de causa/efeito, coisa que no tempo de Maxwell era impensável. Só que agora para inverter o fluxo temporal, em vez do “demónio” vai usar-se a actualmente designada “testemunha de inseparabilidade causal”, criando a tal "ordem causal indefinida", e que em vez de apenas ficar separando partículas frias e quentes, fica também observando e registando com um (sim) ou zero (não), se respectivamente as operações são realizadas numa ordem causal definida ou não (indefinida). A ideia é fazer prevalecer o registo zero ou “não”, a informação dada pela “testemunha causal”, tirando proveito da indefinição da causalidade ou do seu aspecto inerentemente probabilístico, de tal modo que os fluxos de acontecimentos se sucedam em determinada ordem em que obrigatoriamente o calor flua para um dos lados, ou quente ou frio. É este o processo quântico “mágico” utilizando qubits de informação que actualmente a nanotecnologia permite. 
Obviamente não teremos competência, nem tampouco é nosso objectivo na exploração deste tema, entrar nos pormenores técnicos relativos ao desenvolvimento e delineamento da experiência concebida pela equipa de físicos da Universidade escocesa de Edimburgo liderada por Davis Leigh (1), que conduziu à construção de uma “máquina” que concretiza o “Demónio de Maxwell”. Antecipam-se já utilizações excepcionais futuras que mais perecem do domínio da ficção científica, como motores movidos a informação: é este o preço a pagar pela compreensão, sempre parca e temporária, dos fenómenos no domínio da física quântica.


Sistema quântico de quatro tempos baseado na ordem causal indefinida.
Fonte: Xinfang Nie et al. - 10.1103/PhysRevLett.129.100603.

O resultado final da medição do qubit de controlo decide a direcção do fluxo de calor.
Fonte: Xinfang Nie et al. - 10.1103/PhysRevLett.129.100603, (2).


Motores movidos a informação, faz-nos pensar em algo subjacente às bases conceptuais de todas cosmogonias universais. Ali são exemplos de informação, a Vontade e a Necessidade expressas por entidades supra humanas, para uns Deuses, para outros, Demónios, na “criação” de universos, um processo eminentemente probabilístico de uma ordem causal indefinida, assente na ideia de que na origem era o “Caos” do qual se fez a “Luz” – talvez uma flutuação do vazio, como agora é a ideia defendida pela cosmologia. Aliás este conceito soluciona o paradoxo da entropia na origem do universo: do nada surgem sistemas de uma organização crescente. De uma incompreensível singularidade surgem nuvens de gás que se organizam em triliões de sóis em galáxias que por sua vez formam redes ou teias cósmicas de matéria que constitui apenas cerca de 4% do que conhecemos. Então a entropia parece querer aqui salvaguardar o processo do eterno retorno às origens previsto teoricamente por Roger Penrose na sua Cosmologia Cíclica Conforme sem qualquer referência a um tempo global ou a uma estrutura causal. 
Mas…isto já os Vedas laboravam há alguns milénios!
Interessante verificar que a visão reducionista que tem prevalecido na metodologia científica e que nos conduziu pela mão da física quântica, noutras escalas, à confirmação da inexistência de uma seta do tempo naqueles domínios, também o faz na visão inversa, não reducionista mas alargada ao domínio cosmológico, onde as estruturas titânicas dos Buracos Negros (e Brancos) com as suas singularidades expostas, e por agora inatingíveis, nos conduzem também a uma referência intemporal. Nos dois domínios o tempo não existe e a rectrocausalidade é possível. Em ambos os casos eventos quânticos juntam-se aos eventos relativísticos e estabelecem-se tanto nas diferentes escalas do microcosmo como do macrocosmo, e independem do espaço e do tempo, e quebram a simetria da causa/efeito.
Mas, isto já Agostinho de Hipona defendia!

Outro fenómeno também alia a visão reducionista com a universal. Uma espécie de visão cosmista transmitida pelo fenómeno do emaranhamento quântico e que nos faz pensar numa origem comum que assume o Cosmos como uma entidade única, semelhante à orgânica, onde qualquer evento é partilhado (a tal acção fantasmagórica à distância einsteiniana). Uma partícula – um quark, um átomo, uma molécula, que compartilhe propriedades com outra é afectada instantaneamente por qualquer coisa que aconteça com a primeira, mesmo que elas sejam levadas para lados opostos da galáxia. Esta descoberta, que confirmou a violação das desigualdades de Bell, garantiu o Prémio Nobel da Física a um trio de investigadores. Mas, então aqui temos a causalidade a actuar ainda que independentemente do espaço e do tempo. No entanto é exactamente esta causalidade que vai conferir o aspecto da permanência necessária ao Universo e permitir a eclosão e a possibilidade de a Vida singrar. Ou seja, é necessário que exista alguma estabilidade que só o espaço e o tempo podem conferir. Esta, é dada na nossa dimensão macro pela existência de uma seta do tempo (do passado para o futuro) e da entropia (do quente para o frio): em termos humanos será sempre a causa de uma intrusão manifesta na nossa visão reducionista geradora de dualidades (os princípios hinduístas Rajas, Sattva, Tamas) ou os pilares da Árvore da Vida da Cabala. Dela, nos liames da ilusão Maya, a Ciência tem-no demonstrado paulatinamente, que iremos nos libertando na medida do progresso material e espiritual no caminho do Conhecimento e da Verdade. 

Mas esta não é a única dualidade. Outra mais radical impõe-se instalada entre a nossa dimensão onde prevalece a entropia e a causalidade e aquela que lhe instilou a não-localidade, o emaranhamento e a independência do espaço e do tempo, fenómenos que na matéria revelam a sua existência, a de uma natureza superior e seguramente de uma dimensão quântica de natureza covariante que se contém a si própria e todas as outras formadas pelos conhecidos campos quânticos electromagnéticos, da Força Nuclear Forte e da Força Nuclear Fraca. São os campos quânticos covariantes que aglomeram a matriz fractal em “laços” do espaço – a antevista gravidade quântica, suporte forçoso do referido fenómeno não-local do emaranhamento e onde reside e evolui toda a informação holomórfica e da consciência. Esta foi intuída sob a forma revelada panpsiquista ou definida pelo Akasha sânscrito (Ākāśa) nos Puranas, o Svabhavat ou o Buddhi mais Atman do Budismo do Norte ou ainda expressa no inconsciente colectivo de Carl Gustav Jung.
Os fenómenos de sincronicidade com características incontornáveis de conexão acausal (diferente de casualidade) revelados por Jung são a prova, de que estes fenómenos únicos e irreproduzíveis pela vontade, sendo experiências únicas, podem contudo ser explicados pela introdução daqueles campos de natureza covariante que canalizam e introduzem padrões subjacentes com “coincidência significativa” para a mente humana (Manas e Kama Manas).
Assim, se por um lado temos a dualidade manifesta no dia-a-dia própria da matéria/anti-matéria e das forças que a regem; por outro lado temos aquela outra dualidade que como um espelho reflecte dimensões de uma escala covariante subtil na primeira – afinal a que conduz ao despertar da consciência. A Pistis Sophia que cai no Caos e dele se levanta inúmeras vezes. Contudo, subsiste algo a envolver estas duas escalas de dimensões dualistas: aquela que tudo contém e de onde tudo provém e que sendo única não apresenta dualidades por ser infinita e incognoscível para nós, partículas, ínfimas, mas de enorme potencial porque saídas do seu seio.
Entretanto saibamos estar sempre sintonizados com as manifestações de não-localidade, de acausalidade e da sincronicidade atemporais de que estamos permanentemente envoltos sem dar por isso. Somos “motores” movidos a informação!


Notas e Bibliografia

(1) “Exercising Demons: A Molecular Information”; Ratchet, Viviana Serreli, Chin-Fa Lee, Euan R. Kay, David A. Leigh; Nature, 1 February 2007, Vol.: 445, Issue 7126 - 523-527.

(2) Explicação sucinta do processo como fluxo cíclico de informação em quatro tempos ou etapas, onde se regista a transferência não clássica de calor:
Primeiro tempo: Quando a testemunha causal é medida, de acordo com uma ordem causal indefinida, em que o material de trabalho entra em contacto com duas fontes de calor, surgem duas alternativas expressas simbolicamente em duas alternativas: se o resultado for |0>-|1>, o ciclo continua; no caso contrário, o processo é repetido até se obter |0>-|1>; 
Segundo tempo: O material de trabalho entra em contacto de forma clássica com a fonte externa e liberta o fluxo de calor; 
Terceiro tempo: O material de trabalho entra em contacto de forma clássica com as duas fontes de calor e liberta o fluxo de calor; 
Quarto tempo: A testemunha causal e o material de trabalho são reinicializados.


João Porto e Ponta Delgada, 5 de Maio de 2024



segunda-feira, 1 de abril de 2024

SOMOS TODOS ZARASTRUSTA

 

    Faravahar, o “Sol Alado”


Falar sobre Ahura Mazda sem referir o Zoroastrismo, Zarastustra ou Zoroastro, o Culto Solar, do Fogo e de Mitra, é ter uma visão unilateral e truncada de culturas, de que somos ainda herdeiros, pertencentes a um conjunto de povos de uma imensa região geográfica que se estendia desde o norte da Índia, Tasjakistão, Afeganistão, Irão, Assíria, Mesopotâmia (o Crescente Fértil), a antiga Pérsia. Convulsionada por milénios de lutas fratricidas, de guerras intestinas e de invasões e fusões de povos e etnias. Contudo, nada obviou a que as tradições culturais desta amálgama de populações da Ásia central e médio oriente (indo-iranianos), fundamentadas nas tradições milenares védicas (civilização do Vale do Indo), se reflectissem posteriormente em todas as teologias e teogonias, desde os mitos gregos, ao império romano até aos rituais exotéricos actuais do catolicismo ou dos ocultos cabalísticos traduzidos em metáforas de tratados alquímicos como o “Rosário dos Filósofos”, - Rosarium philosophorum sive pretiosissimum donum Dei, editado no século XVI no De Alchimia Opuscula complura veterum philosophorum.

Como princípio monista já presente no ramo extinto do Zurvanismo, emanação de Zeruan Akerna, o “Um”, o “Único”, o “Tempo Sem Limites”, o Chronos grego), Mazda (o “Onisciente”, a designação mais antiga) e Ahura (o “Governador” introduzido por Zoroaster Spitāma), ou Ormuzd (ao reunir as duas designações no persa), representa simbolicamente a deidade criadora e sustentadora do Universo, que no Hormazd Tasht dos Yasht (abreviadamente Yt), - colecção de 21 hinos, supostamente escritos por Zoroastro, cada um invocando uma deidade zoroastriana na linguagem antiga Avestan ou língua “gáthica”, - aparece referido por mais de vinte títulos, entre os quais o “Eu Sou”, curiosamente também presente na Cabala hebraica, um dos sete nomes de Deus.

Zoroastro ou Zarathushtra, tal como Manu e Vyasa na Índia, é a designação da reencarnação de vários avatares (serão 13 os mencionados no Dabistãn [1], de acordo com H. Blavatsky), o último nascido no fim do segundo milénio a.C., algures na Ásia Central entre os actuais Uzbekistão e Tasjakistão. Esta linha de profetas citada pela primeira vez por Aristóteles (datando-o de 9600 anos antes de Platão) seria o sétimo Zoroastro. Outro avatar teria surgido 4000 a.C.. Segundo Annie Besant o primeiro Zoroastro dataria de 20.000 anos atrás (Zoroastrianism, p. 7; Four Great Religions, 1897) e de acordo com as escrituras Zoroastrinas, o Avesta, ter-lhe-iam sucedido Gayomard, Hoshang, Tehmuras, Jamshid, Faridun. Finalmente Zaratrusta Spitāma terá sido o último e manifestar-se-á no “Julgamento Final”.

Impossível deixar de referir que a antiga língua Avestan tem forte afinidade linguística e histórica com o sânscrito Rigueveda e pressupõe-se ser mais antiga do que a língua usada para escrever o resto do Avestá ou “palavra da vida“, o "avéstico mais recente". Interessante notar que o termo ahura (governador) no Avestan está linguisticamente relacionado com asura (trevas), termo hinduísta para designar os “anjos caídos na Terra”, entre os quais figura Mithra – o correspondente védico e hinduísta Mitra ou ainda Maitreia, o Bodisatva na tradição budista que surgirá depois de Sidarta Gautama.

Estas afinidades permitiram estabelecer a existência de uma origem cultural e linguística comum destes textos.

De realçar a ligação posterior à Ásia Menor e á Anatólia através da tradição mitológica grega Avestá Mithra conduzindo às várias variantes com Apollo, Helios e Hermes (sempre presente o Culto Solar) e ainda mais tarde (146 a.C.) à figura dos Mistérios romanos Mitraicos ou Culto de Mitra. Uma ligação profunda ao dualismo zoroástrico (sempre a presença da luta entre os pólos opostos, entre o bem e o mal, entre o espírito e a matéria).

O culto Mitraico romano envolve sempre a tauroctonia simbólica e a partilha de um banquete com o deus Sol: Os açorianos Terceirenses talvez sejam os últimos guardiões deste ritual, sem o saberem, com as touradas e os banquetes do “5º touro”, festejam Mitra [2].

Ahura Mazda, representado pelo Faravahar, símbolo solar do pré-Zoroastrismo , o “Sol Alado”,associado à divindade e à realeza no antigo Egipto dinástico, onde representava Hórus na cidade de Edfu, estendia o seu simbolismo universal também na Mesopotâmia, Anatólia e Pérsia.

"Sol Alado de Tebas” (Egyptian Mythology and Egyptian Christianity por Samuel Sharpe,1863)

O símbolo solar encarnado materialmente no ser humano sob a designação de “fravashi” ou o espírito individual (Atma, em Avestan “aquele que foi escolhido para exaltação”), onde na dimensão material irá sofrer as provações desenvolvidas pela dualidade da luta entre o bem e o mal. Porém no colapso material do corpo físico e ao quarto dia após a morte, a alma ou corpo étereo (“urvan”) separa-se do “fravashi” incorporando-se na unidade dimensional de Mazda, onde acumula as experiências e a sabedoria das sucessivas reencarnações.
No zoroastrismo todas as coisas animadas ou inanimadas possuem uma centelha deste espírito “fravashi” que evolui gradativamente de acordo com a complexidade da matéria inorgânica a orgânica como nela se acumulasse a energia solar radiante sob a forma de ligações electroquímicas sempre mais complexas.
Nos tempos correntes “O Leão e o Sol” é um dos símbolos principais do Irão. Esteve presente na sua bandeira nacional até à revolução de 1979 que instalou a Republica Islâmica.

“O Leão e o Sol” na bandeira nacional do Irão


 

Bandeiras do Tasjakistão (à esquerda) e do Uzbekistão


Como já referimos, Zurvã ou Zeruan Akerna é o pai dos dois opostos que representam o Bem, Ahura Mazda e o mal Arimã. De Ahura Mazda (o Logos) emanam por sua vez dois aspectos do próprio, outra dualidade, também de carácter polar e masculina: Spenta Mainyu e Angra Mainyu, que representam, de uma maneira geral, a partilha entre duas dimensões, a do Espírito e a da Matéria, a da Vida e a da Forma, Luz e Trevas, representada na constituição septenária humana e da terminologia teosófica, a natureza dual da mente - de um lado Budhi-Manas e do outro Kama-manas. 

A completar o esquema dualístico, outra deidade fazendo parte da trindade zoroastriana, agora de carácter feminino, é designada por Ārmaiti, a “Sabedoria Criativa” através da qual foi concebido o Universo.

No Gnósticismo, Sophia (Sabedoria) era a sizígia divina de Cristhus (os Éons complementares feminino-masculino, as forças simétricas da natureza) e não apenas uma simples palavra significando sabedoria, tal como nas escrituras zoroastriana do Avesta.

É atribuída à constituição septenária zoroastriana esta estrutura: Do lado direito de Ahura Mazda e com carácter masculino estão: Vohu Manah ou Vohūman correspondendo a Budhi; seguida por Asha Vahishta e por Khshathra Vairya ou Kshatraver, o Manas e Kama-manas.

Do lado esquerdo de Ahura Mazda e com carácter feminino têm assento Spenta Ārmaiti ou Spendarmad representado possivelmente o plano astral; Haurvatāt ou as energias associadas à vitalidade ou ao Prana, e finalmente Ameretāt ou etéreo fisíco.

Tendo em conta o próprio Ahura Mazda (o plano Átmico), somam sete os diferentes aspectos desta cosmogonia dos quais sobressaem sempre os pólos opostos - Spenta Mainyu versus Angra Mainyu. Estes opostos ou Deva, linguisticamente relacionados com os devas sânscritos, tomam também designações: Āka Manah, Indra, Saurava ou Sauru, Nāonghaithya ou Taromad, e os gémeos Tauru e Zairicha. Lembremo-nos que esta organização dual está presente em Pistis Sophia onde o Karma, “a matéria do Barbelo” que a “Potência de Sabaoth”, designação aplicada para “o Todo Poderoso”, a “Verdade”, é a informação relevante dos “arquivos akáshicos” que definem o futuro. Assim, Sabaoth, que “saiu da Região da Direita”, o Futuro, lança esta informação “a todas as Regiões daqueles da Esquerda”, que constituem o Passado das acções humanas, de modo que a “Veste de Luz” passa a estar em consonância com o respectivo Karma. Cfr. Pistis Sophia, final do Capítulo 63, pp 159.

Segundo Annie Besant o primeiro Zoroastro revelou a natureza sagrada do Fogo e a sua importância nos rituais zoroastrinos quando invocado a partir do profundo brilho do “akasha”, o Agni ou a antiga designação védica Ātar ou Āthrā. As relações são mais que muitas e evidentes!

Exceptuando Ahura Mazda, a estrutura em pólos opostos gera hostes de “demónios”, que parecem corresponder na sua descrição e características aos “elementais” e às suas actividades naturais ou às “Potencias” em Pistis Sophia. Por esta razão o Fogo (um dos 4 elementos alquímicos), um dos filhos de Ahura Mazda e presente em todos os templos, adquire uma importância central no zoroastrismo. Tal como no hinduísmo, o Fogo é o mensageiro entre o céu e a terra e constitui um elemento sagrado. 

O ritual da manutenção do Fogo sagrado pelas Vestais e o culto a Vesta que presidia ao Fogo doméstico em todos os lares romanos, foi a expansão desta tradição até a estes tempos tardios.

Ahura Mazda adquire um papel central na cosmogonia zoroastrina. Esta, apresenta-se dividida em quatro períodos de ciclos de 12.000 anos correspondentes a signos do Zodíaco.

Tudo se desenrola em torno de polaridades, entre Spenta Mainyu (a Luz) e Angra Mainyu (as Trevas). No primeiro ciclo Angra ou Āhriman mantém-se inactiva, mas no segundo dá-se a criação dos primeiros átomos, da terra, da água. do céu, das plantas, dos animais e dos seres humanos e em consonância dos Devas por Angra Mainyu que se opõe a Spenta. Aqui os “fravashi” encarnam no homem para se oporem a Angra. Durante o terceiro período, chamado de “Primeiro Período Humano”, as forças de Angra vão sendo substituídas pelas forças de Spenta. Então no último período dar-se-á o “Julgamento Final” por Ahura Mazda com o advento do avatar Zarathushtra Spitãma em que as forças do Bem derrotam as do Mal. Uma cosmogonia onde o Cristianismo primitivo foi beber. Em Pistis Sophia, o “Éon Cristhus” irá também restaurar a harmonia no mundo dos Éons, curando a “doença” no mundo material em consequência da catástrofe na ordem ideal, dando ao homem o conhecimento e a Sabedoria que irá resgatá-lo do domínio da matéria e do mal.

Tal como Dante Alighieri na sua Divina Comédia o Zoroastrismo possui um texto religioso, o livro de Arda Viraf (talvez Dante se tenha inspirado neste texto), onde um zoroastrista viaja pelo mundo dos mortos para provar a justeza da doutrina de Zoroastro. Para tal este viajante, Wirãz, toma um alucinogénio, uma mistura de vinho, canabis e Haoma ou Soma, que liberta a sua alma até às outras dimensões e onde é esperado não pela bela Beatriz, mas pela bela Dên, que igualmente representa a fé e a virtude. Do mesmo modo que Dante é guiado pelo divino Vergílio, aqui a companhia é feita pelo divino Srosh. Deste modo, depois de atravessar a ponte Chinvat que separa os dois mundos, é conduzido aos lugares reservados aos virtuosos e fiéis à doutrina, percorrendo o caminho das estrelas, o da Lua e o do Sol. Aqui encontra Ahura Mazda que lhe mostra as almas dos abençoados, vivendo realidades virtuais ideais mas semelhantes às vidas terrenas. Depois desce, guiado até aos infernos onde lhe é mostrado os sofrimentos atrozes infligidos aos fracos pecadores. Deste modo concretiza-se o objectivo de Ahura Mazda quando lhe transmite que o Zoroastrismo é a única via correcta para uma vida próspera e livre de adversidades.

Chegados até aqui não poderíamos esquecer os Parsis e a sua ligação à Teosofia que é imensa e genética. Considera-se o Zoroastrismo a religião oficial dos Parsis. 

No Glossário Teosófico [3] diz H. Blavatsky que Ormazd ou Ahura Mazda (Zend-Avesta) é o deus dos zoroastristas ou dos parsis modernos. Simbolizado pelo Sol, como sendo a “Luz das Luzes”. Esotericamente, ele é a síntese de seus seis Amshaspends ou Elohim, e do Logos criador.

O Coronel Olcott, fundador da Sociedade Teosófica com H. P. Blavatsky, escreveu nos seus diários constituídos por seis volumes, extractos de “Old Diary Leaves”, que a comunidade Parsi, na Índia, sempre votou grande afecto e amizade com a Sociedade Teosófica, colaborando e apoiando materialmente as suas iniciativas. Tanto Hindus como Parsis envolveram-se directamente na edificação do ramo da Sociedade Teosófica em Bombaim. Foram proeminentes teosofistas zoroastrianos, Navroji Dorabji Khandalavala, Kavasji Merwanji Shroff, Sorabji J. Padshah, Bahman Pestonji Wadia e P. Iyaloo Naidu entre muitos outros.


Templo Zoroastriano de Adyar. Fonte: Arquivo da Sociedade Teosófica Americana.


Sede da Sociedade Teosófica em Adyar desde 17 de Novembro de 1882


No decorrer dos anos este centro teosófico transformou-se num lugar de estudos e meditação para todas as religiões tendo sido criados um templo Hindu Bharata Samaj, um budista, outro Jainista e outro Sikh, bem como a igreja católica de São Miguel de Todos os Santos, uma mesquita, um templo zoroastriano e uma sinagoga judaica sem esquecer ainda um templo maçónico. Toda esta importante estrutura física consubstanciava um dos princípios teosóficos promotores do estudo comparado das religiões procurando eliminar a ignorância, a intolerância e promover a paz.

É assim, que no volume 1 da colecção Agnimile do Círculo de Estudos Orientais da Nova Acrópole, 1ª edição 2019, “A Chave para a Teosofia” p.59, Helena Petrovna Blavatsky define os propósitos da Teosofia:

“1. Formar o núcleo de uma Irmandade Universal da Humanidade sem distinção de raça, cor ou credo.

2. Promover o estudo das Escrituras Árias, entre outras, das religiões e das ciências do Mundo, e reivindicar a importância da literatura Asiática Antiga, nomeadamente, aquela das filosofias Brãhmânica, Budista e Zoroastrista.

3. Investigar os mistérios ocultos da Natureza sob todos os aspectos possíveis, especialmente os poderes psíquicos e espirituais latentes no Homem. Estes são, em linhas gerais, os três principais objectivos da S. T.".

 

Notas

[1] O Dabestãn ou “escola das religiões” é uma obra persa datada de 1655 d.C., que examina e compara as religiões Abrahamicas, Dhármicas e outras do século XVII da Eurásia e do sudeste, cuja autoria se atribui com alguma incerteza a Mollah Mowbad.

 

[2] Na ilha açoriana da Terceira, celebram-se anualmente entre o dia 1 de Maio e até final de Setembro, dezenas de touradas à corda, onde são “corridos” 4 touros seguindo-se o conhecido na gíria popular por “quinto touro”. Este “5º touro” consiste em banquetes realizados por particulares mas abertos à participação da comunidade num acto de amplo convívio e celebração fraternal. Estas festividades marcam um período de 6 meses e constituem globalmente um acontecimento inequivocamente identitário do povo terceirense, que cimenta o “espírito” festivo e democrático que o caracteriza. Estas celebrações unem sempre um acto “sacrificial” simbólico do touro a um banquete de partilha, tal como no culto mitraico romano.

 

[3] Helena Blavatsky, Glossário Teosófico, Edição CLUC – Centro Lusitano de Unificação Cultural, p. 273.

 


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