quarta-feira, 26 de março de 2025

Os Tattvas, Platão e Bohm – o fio da meada

 



"O Universo inteiro é uma emanação da suprema Consciência (Cit), vibrando em diferentes níveis de manifestação."

Tantrāloka de Abhinavagupta

 

RELAÇÕES INTEMPORAIS

 

Encontrámos ligações entre a cosmologia esotérica dos 36 Tattvas da tradição do Shaivismo da Caxemira com a estrutura do Modelo Padrão da Física das Partículas, em particular aos estados quânticos dos Quarks (que por coincidência também são 36), assim como correspondências que se estendem também aos conceitos cosmogónicos presentes no Budismo, Taoismo e Hinduísmo.

Contudo a ideia em torno de Tattvas correspondente ao número e qualidade dos seus componentes não apresenta convergência de opiniões nas múltiplas escolas de filosofia hinduísta, da filosofia do Hata-yoga ou da Tântrica com os seus Chacras. No entanto vamos ater-nos, pela sua complexidade e completude, às filosofias Samkhya com 25 Tattvas e ao Shaivism com os seus 36 Tattvas ou ainda a escola Shaktya e diversos Rishis, como Agastya, Durvasa e Parashurama.

 

Com os Tattvas, se tivermos em consideração que representam os princípios fundamentais da manifestação da realidade, desde a Consciência Absoluta até a matéria bruta, acreditamos poder estabelecer uma relação análoga com os blocos fundamentais da matéria e com as suas interacções definidas pela Cromo Dinâmica Quântica, expressas nas “partículas” elementares conhecidas por Quarks, cujas propriedades (“cor” e antipartículas) dão forma a esta relação, e às quais, mais adiante, daremos maior atenção.

O Modelo Padrão das Partículas, cuja estrutura geral aprofundaremos, em particular aquela dos 36 estados dos Quarks, incute-nos a ideia da existência de padrões, talvez evidenciando a expressão da natureza nos seus arquetípicos, que são possíveis de reconhecer nas tradições esotéricas e que parecem incluir tanto a triplicidade dos Quarks como reflexo das trindades universais (Trimurti, Trikaya, Gunas), como também o aspecto da dualidade expresso na relação partícula versus antipartícula representada pelos Antiquarks. Dualidade sempre presente no Yin-Yang Taoista, em Shiva-Shakti (Consciência Absoluta – energia dinâmica) do Tantrismo, bem como ainda na estrutura hierárquica dos Tattvas, que, como veremos, corresponderiam ao princípio holográfico e fractal na física.

Em particular a hierarquia própria da fractalidade surge também na estrutura dos Tattvas ao descreverem a manifestação progressiva da consciência até a matéria, princípio que também pode estar relacionado com o princípio holográfico e com a teoria da informação quântica.

Estas hierarquias são também manifestas noutros contextos do Budismo e do Hinduísmo na concepção das Mandalas ou na Cabala com a estrutura de duas vias dos 10 Sephirots da Árvore da Vida, que também representam a descida da Consciência do infinito (Ain Soph) até o mundo físico, tal como os Tattvas descrevem o processo de emanação e condensação da realidade suprema.

O aspecto dualístico, encarado como polaridades complementares, dado que a manifestação surge da interacção de duas forças complementares, também é uma característica fundamental dos Quarks com a existência das suas antipartículas.

Por outro lado, a característica da triplicidade estende-se a um conceito universal formatando uma trindade presente em todas as cosmogonias e teogonias. A existência de três “cores” para os Quarks (vermelho, azul e verde), reflecte aquele conceito presente em diversas tradições esotéricas. Em várias cosmologias, a realidade manifesta-se em três princípios fundamentais. No Trikaya do Budismo Mahayana, as três componentes são representadas respectivamente por Dharmakaya, o Corpo da Lei ou a realidade última, similar ao vácuo quântico, por Sambhogakaya, o Corpo de Glória, um nível intermediário, semelhante às interacções fundamentais, e pelo Nirmanakaya, o Corpo de Manifestação, o nível denso, congénere da matéria.

Também no Hinduísmo temos o Trimurti com Brahma (criação), Vishnu (preservação) e Shiva (destruição e transformação), equivalentes aos três Gunas com o Sattva (equilíbrio, clareza, ordem), Rajas (energia, movimento, criação) e Tamas (inércia, resistência, destruição). Poderíamos até estender este conceito à própria Alquimia e ao Hermetismo, onde o Enxofre representa o princípio activo, espírito, fogo, energia vital; o elemento Mercúrio o princípio intermediário, mente, transmutação e o Sal o princípio material, corpo, cristalização.

A triplicidade dos Quarks parece seguir a manifestação deste padrão universal. Assim como as trindades esotéricas representam as forças básicas da criação, as “cores” dos Quarks são fundamentais para a organização da matéria, pois elas ditam a estrutura dos Hadrões através da Força Nuclear Forte operada pelos Gluões.

A aparente correspondência entre os Tattvas e os estados dos Quarks não é apenas numerológica, o 36 está presente em muitas tradições exotéricas (1), mas pode reflectir um princípio mais profundo de estruturação da realidade. Os Tattvas descrevem a transição da Consciência para a matéria, enquanto os estados dos Quarks descrevem os blocos fundamentais da matéria que estão na base das características dos átomos de todos os elementos da Tabela Periódica. Se a Consciência e a Informação são fundamentais na estrutura da realidade, pode então indiciar que a organização do mundo físico segue padrões arquetípicos semelhantes já antevistos e descritos nos sistemas esotéricos antigos.

De uma forma genérica, os Tattvas desdobram-se hierarquicamente em três categorias, onde a realidade emerge gradualmente da pura Consciência em direcção à matéria manifesta. Os Tattvas, como blocos estruturantes do Universo, possuem uma hierarquia própria. Desenvolvem-se em três grandes fases: a corrente Para-Shiva ou dos 5 Tattvas Puros, a corrente Para-sakti ou dos 7 Tattvas Puros-Impuros e a corrente Asuddha dos 24 Tattvas Impuros.

A primeira categoria, de 1 a 5, envolve os níveis transcendentais, relacionados com a Consciência pura e ao Absoluto (designada como Parashiva), que em Platão é referido como o Nous.

Estes 5 Tattvas “puros”, representam a criação não-dualista saída directamente do Parabrahman, o “Grande Alento” ou do Uno – o Absoluto. São nomeadamente, formando a corrente Para-shiva ou Suddha, o Shiva-tattva ou Consciência e o Shakti-tattva ou Conhecimento (Informação), da união dos quais vão surgir posteriormente o Sadasiva-tattva ou Entendimento, representando o princípio Tamas, Isvara-tattva ou Desejo, representando Rajas e o Suddha vidya-tattva ou o Entendimento-Desejo, o equilíbrio Sattva. De novo em acordo total com o princípio dos Gunas, ciclo motor do equilíbrio e da renovação constante dos Trigunas. 


Figura 1 – Tattvas Puros: a partilha de Shiva-Sakti e o ciclo Triguna

 

A segunda categoria, de 6 a 25, abrange os níveis da mente e da causalidade e incluem os aspectos mais subtis da mente, intelecto, ego e ainda os princípios da percepção ou a Psiké em Platão.

Do Sakti-tattva surgem outros 6 Tattvas geradores da corrente Para-sakti ou Suddha-Asuddha, “puros-impuros” ou elementos de transição, nomeadamente Maya, Kãla, Niyati, Raja, Vidya, Kalã que significam respectivamente os limites impostos definidos pela Ilusão (Maya), surgida de constrangimentos derivados da limitação temporal, e da limitação espacial (o aparecimento do espaço-tempo), e ainda o “desejo” como limitação, o “saber” limitado e o “poder” limitado (constrangimentos próprios dos Estados Informacionais).


Figura 2 – Tattvas do processo de transição.

 

Nesta cascata de desdobramentos de princípios, dos mais elementares e subtis em direcção aos mais densos, e finalmente á matéria, ainda existem outros 24 Tattvas, os “impuros”, geradores da corrente Asuddha, estes já ligados de forma directa ao mundo material (que fazemos corresponder ao domínio dos Fermiões do Modelo Padrão), fazendo parte também dos atributos da esfera animal e humana. São eles, Purusa-tattva (a alma individual) que ainda faz parte dos 6 Tattvas da corrente anterior mas inserida em Prakrti-tattva (a energia da alma), Buddhi-tattva (a inteligência ou intuição), Ahamkara-tattva (o falso ego) e Manas-tattva (a mente) onde os últimos 3 evoluem ciclicamente entre si de forma equilibrada e renovada, onde Budhi é Sattva, Purusa é Tamas e Manas é Rajas, sempre de acordo com o princípio basilar dos Trigunas.

Figura 3 – Gráfico dos Trigunas da corrente Asuddha.

Suportam as famílias de electrões e neutrinos com as suas 3 variantes de massa crescente.


Outros Tattvas existem para além destes já enunciados, mas já em estreita correspondência aos aspectos físicos (do 17 ao 26), aos aspectos psico-somáticos e da sensibilidade animal (do 27 ao 31) e, aos aspectos do próprio estado da matéria - do 32 ao 36, onde estão incluídos o “éter” ou espaço também designado por Akasa, o “fogo” ou plasma, o “ar” ou gás, a “água” ou o liquido e “terra” ou o sólido.

Assim, a terceira categoria, de 26 a 36, revela os níveis da manifestação material e representam os cinco elementos físicos (terra, água, fogo, ar e éter) e depois os órgãos dos sentidos e de acção. Em Platão será Soma.

Figura 4 - Trigunas, onde o Círculo representa o Universo e o ponto central, a singularidade, o Uno.

Similitude com o conceito Taoista Yin-Yang.

 

Do ponto de vista cosmológico actual, as duas primeiras fases representam a criação do Universo aos 10-6 segundos, a fase do Condensado Bose-Einstein dos Inflatões e depois do plasma Quark-Gluão (QGP). Este resultado advém da complementaridade do par Shiva-Shakti, o campo quântico da Consciência/Informação (de acordo com o Princípio de Landauer?) do qual emana a “Luz” (Shakti) ou o Campo Granular do Espaço-Tempo (em consonância com a actual Teoria da Gravidade Quântica em Loop), interferindo com Prakriti (matéria) através do Antakarana (matéria inercial ou o Campo de Higgs), gerando o “movimento” (ou seja a Gravidade) e a forma (mahat ou o Campo quântico Antrópico Holo-Mórfico) que mantém a harmonia e a ordem no Universo através dos ciclos dos Trigunas.

Os 36 Tattvas, na sua descrição aprimorada, lançam um véu que encobre outros significados. Interessante verificar que os 36 estados dos Quarks assumem designações, como veremos mais à frente, que se aproximam espantosamente da nomenclatura dos Tattvas, mas também dos princípios axiomáticos surgidos com a evolução posterior desencadeada com os processos conhecidos da Bariogénese e da Nucleosíntese. Refiro-me em particular aos véus da segunda fase com o surgimento do Espaço-Tempo e com ele a “separatividade” com o espaço vazio (vácuo), a causalidade e a temporalidade e por consequência a relatividade do tempo e do espaço.

A terceira fase volta a falar-nos da Constituição Septenária nas suas duas componentes: o ternário e o quaternário, unidos pelo Antakarana que fazemos corresponder ao Campo de Higgs na física quântica.

Esta fase desdobra os princípios base em 4 modelos (do 17 ao 36), a saber, os “Rhizômata”, revelando aspectos sensoriais e psico-somáticos, e ainda o modelo relativo aos estados da matéria, seja através da filosofia Yogue e da Tântrica, esta última sob a forma de rituais e preceitos que se vão estender até à medicina Ayurvédica com os seus três tratados fundamentais, Caraka Samhita, Susruta Samhita e Astanga Hridayam.

Serão nomeadamente 4 modelos:

Primeiro modelo (17 a 21) - 17. A Sabda ou Audição; 18. Sparsa ou Tacto; 19. Rupa ou Visão; 20. Rasa ou Paladar; 21. Ghanda ou Olfato, formam os cinco sentidos;

O segundo modelo (22 a 26) - 22. Vak ou Linguagem; 23. Pani ou Manipulação; 24. Pada ou Deambulação; 25. Payu ou Evacuação; 26. Upastha ou Procriação, constituem os actos motores-sensoriais;

O terceiro modelo (27 a 31) - 27. Srotra ou Som; 28. Caksu ou Cor; 29. Tvak ou Forma; 30. Rasana ou Sabor; 31. Ghrana ou Odor, formam os cinco elementos das vibrações sensoriais;

Quarto modelo (32 a 36) - 32. Akasa ou Éter ou espaço; 33. Vayu ou Ar ou estado gasoso; 34. Tejas ou Fogo ou plasma; 35. Jala ou Água ou estado líquido; 36. Prithvi ou Terra ou estado sólido, formam os cinco estados da matéria.

 

A relação entre a hierarquia dos Tattvas e o conceito platónico de Nous (Intelecto Divino), Psiké (Alma) e Soma (Corpo) pode ser compreendida a partir da ideia da emanação da realidade, em que a Consciência se desdobra em diferentes níveis de existência. Tanto no Shaivismo da Caxemira quanto na filosofia platónica, encontramos uma estrutura que descreve a manifestação progressiva da realidade, indo do Absoluto até a matéria.

Platão e os neo-platónicos descrevem três níveis fundamentais da existência, começando pelo Nous (Νοῦς), ou o Intelecto Divino, que representa a realidade suprema, a fonte primordial da inteligência cósmica e da ordem. No neo-platonismo, é equivalente ao Uno de Plotino ou ao Mundo das Ideias de Platão, enquanto no Hermetismo, é identificado com a Mente Universal ou Logos.

Depois temos Psiké (Ψυχή) ou a Alma, o elo entre o Nous e o Soma, ou seja, a ponte entre a inteligência pura e a manifestação material. A alma recebe a influência do Nous e molda a realidade sensível. Nos mistérios órficos, a Psiké passa por um ciclo de purificação, também hierárquica, até retornar ao Nous.

Finalmente Soma (Σῶμα) ou o Corpo, representa o nível da matéria densa e do mundo fenoménico, sendo a expressão mais concreta da existência, onde as formas se tornam visíveis. No platonismo, o corpo é visto como uma prisão para a alma, pois a matéria limita a percepção directa do Nous.

Podemos então estabelecer as devidas correspondências entre estes dois sistemas hierárquicos:



Daqui se depreende que a relação entre os Tattvas e os conceitos platónicos de Nous, Psiké e Soma revela uma estrutura comum que descreve a manifestação da realidade a partir da Consciência pura, sugerindo também que a metafísica de Platão e o Shaivismo da Caxemira convergem em uma visão holística do universo, onde a realidade é informacional, hierárquica e estruturada em níveis interdependentes.

 

Entretanto esta hierarquia revela alinhamentos conceptuais com os conceitos mais recentes da Física. Podemos estabelecer as seguintes correspondências:

 

Nous, transforma-se no Campo Quântico Informacional, a “Ordem Implícita” de David Bohm (2). O nível fundamental da realidade é um Campo de pura Informação, que organiza a manifestação física, ao passo que Psiké integra-se com os níveis intermediários da Informação representados pelos fenómenos quânticos do Colapso de Onda ligados ao papel do observador. Neste caso, assim como os Tattvas intermediários formam a mente e o intelecto, a interacção do observador com o sistema quântico molda a experiência da realidade.

Finalmente, Soma sendo a matéria ou as Partículas Elementares, onde o mundo físico emerge a partir da informação contida no campo quântico subjacente, do mesmo modo os Tattvas mais densos representam os elementos brutos, a matéria visível que é apenas uma expressão da realidade mais profunda por via holográfica.

Em conclusão, esta perspectiva, aprofundada em estreita relação com a teoria da informação quântica e a holografia cósmica, faz com que o Nous se assemelhe ao Campo informacional fundamental, a Psiké à estrutura organizadora da realidade, e o Soma à expressão fenoménica da matéria.

 

Antes recorremos a David Bohm e à sua “Ordem Implícita”, dado que este físico teórico propôs que a realidade não é apenas o que percebemos directamente (a "Ordem Explícita"), mas sim que existe um nível mais profundo e invisível de organização (a “Ordem Implícita”). De facto este conceito sobre a estrutura da realidade ganha similitudes com as ideias platónicas e neo-platónicas. A relação entre a “Ordem Implícita” de David Bohm e a estrutura Nous-Psiké-Soma de Platão (também, como veremos de seguida, com a hierarquia dos 36 Tattvas) pode ser entendida também pela visão holográfica e informacional da realidade, em que a Consciência e a matéria emergem de um Campo mais profundo e unificado.

No argumento de Bohm a realidade emerge de um Campo mais profundo de informação e potencialidade, idêntico à visão de Platão do Nous como sendo a fonte das Ideias Eternas ou arquetípicas. Esta correspondência encontra-se também, não só com o Nous de Platão, mas também com os Tattvas superiores (Shiva-Tattva a Shuddhavidya). No Shaivismo da Caxemira, Shiva e Shakti são os princípios absolutos que geram a realidade alargando-se ao conceito holográfico, onde cada parte do Universo contém a informação do todo.

Completando estas relações outro conceito foi introduzido por Bohm representando um estado dinâmico onde a informação da “Ordem Implícita” desdobra-se na “Ordem Explícita”, para completar o quadro, através da ideia de Holomovimento.

Este nível intermediário corresponde à Psiké de Platão e aos Tattvas intermediários (Mahat, Manas, Ahamkara), que moldam a percepção da realidade. Por outras palavras, a alma não é apenas um receptor passivo da realidade, mas sim um agente que interpreta e organiza a informação do Campo Implícito.

 Mas também equipara-se à visão do Shaivismo, onde a mente e o intelecto são responsáveis por filtrar a realidade suprema em experiências individuais.

 

No modelo de Bohm, a “Ordem Explícita” é a manifestação densa da realidade, aquilo que percebemos directamente, do mesmo modo que o conceito de Soma (o corpo e o mundo físico) em Platão, e nos Tattvas inferiores (os 5 elementos brutos e os sentidos).

A matéria, portanto, não é fundamental, mas sim um reflexo da informação contida na “Ordem Implícita” confirmando o significado Vedanta de Maya (ilusão) em que o mundo material é uma projecção temporária da realidade última suprema.

Como anteriormente referimos, Bohm propôs que o Universo funcionava como um holograma, onde cada parte contém a informação do todo. Esta ideia vai novamente encontrar paralelos directos em Platão e no Shaivismo. Assim, com Platão e o seu constructo do Mundo das Ideias, as formas sensíveis (Soma) são projecções imperfeitas das Ideias Eternas (Nous), emparceirando com o modelo holográfico de Bohm, em que o mundo físico é apenas um desdobramento parcial da “Ordem Implícita”.

No Shaivismo da Caxemira com os Tattvas, o Universo é um jogo de vibração e informação, onde os Tattvas superiores contêm o código da criação. Da mesma forma que Bohm vê a matéria emergindo do campo quântico informacional.

 

Podemos também estabelecer outra relação com outro conceito, neste caso pertencente à tradição filosófica Vedanta. Falamos do Akasha e da sua relação com o Campo Unificado. O conceito de Akasha como um registo de âmbito cósmico alinha-se na perfeição com a “Ordem Implícita” ao ser assumido como um campo fundamental de informação holográfica.

Algumas implicações filosóficas e científicas surgem da integração da “Ordem Implícita” com Platão e o Shaivismo, levando a algumas conclusões importantes.

A primeira estabelece que a Realidade última é Informacional, e a Consciência uma sua propriedade fundamental, pois que, tanto Platão quanto Bohm (e a visão moderna da teoria da informação quântica) sugerem que a matéria não é fundamental, mas sim um reflexo da informação subjacente.

Em segundo lugar que a Consciência Interage com a Realidade. Quando Bohm sugeria que a mente e a matéria são aspectos de um mesmo Campo informacional (o papel do observador na mecânica quântica), ou no Shaivismo, a consciência não ser um observador passivo, mas sim um agente activo que molda a realidade. Estas duas visões, apesar de distantes no tempo, ambas reforçam este axioma.

Por último que o Universo é Um Todo Indivisível, assente tanto no holograma quântico de Bohm, como na teoria da inter-conectividade universal inequivocamente presente nos Upanishads. Estes descrevem uma realidade onde tudo está interligado. Este aspecto faz-se também propriedade do Nous de Platão, pois também é um campo unificado de inteligência, que governa a manifestação da realidade.

Em conclusão, podemos estabelecer um quadro relacional unificador:


UMA INCURSÃO PELO MICROCOSMO DO MODELO PADRÃO

 

Esta incursão vai-se revelar útil para entendermos aquilo que a física usa para explicar todos os acontecimentos objectivos e fenoménicos ao ter criado um quadro global onde se inscrevem todas as partículas que constituem a matéria e as forças que a regem. Este quadro é denominado Modelo Padrão e contempla 61 “partículas” agrupadas em duas categorias principais – os Fermiões e os Bosões. Constituem os primeiros os Electrões, os Neutrinos (no conjunto denominados Leptões) e os Quarks que formam os Protões e os Neutrões dos núcleos atómicos – designados também por Nucleões.

Predominam 3 gerações genericamente designadas por “partículas”, constando 3 versões de Electrões (para além do Electrão existe o Tao e o Muão) e 3 versões de Neutrinos que se transformam uns nos outros (os Trigunas a funcionar!). Os segundos, os Bosões, são as forças que fazem interagir entre si os Fermiões, a saber os Fotões (do Campo electromagnético), os Gluões (do Campo Nuclear Forte) e as três “partículas” W e Z (Campo Nuclear Fraco) e ainda o Bosão de Higgs (que confere massa a todos).

 

Mas qual a razão da existência de 61 “partículas”? Poderemos dizer, que quase todas derivaram de resultados experimentais (o caso dos Electrões e dos Nucleões) mas muitas outras foram deduzidas conceptualmente em edifícios teóricos, de grande complexidade e beleza matemática, tais como foram os hipotéticos Bosões W+, W- e Z0, o Bosão de Higgs ou as anti-partículas. De resto o CERN confirmou a sua existência, a última das quais o Higgs..

Por detrás desta complexidade matemática existiam princípios envolvendo três ordens de critérios: o princípio de Simetria – a U(1) para o electromagnetismo, a S(2) que descreve a Força Nuclear Fraca, e a S(3) que descreve a Cromo Dinâmica Quântica (QCD) dos Quarks ou a Força Nuclear Forte. A U(1) e a S(2) juntaram-se posteriormente formado um corpo teórico denominado Electro Dinâmica Quântica (EDQ).

Finalmente surgem as “partículas” alvo da nossa atenção e que ganham designações muito semelhantes àquelas dos Tattavas. Os Quarks (u,c,d,s,t e b ou up, charm, down, strange, top e bottom ou estranhamente os designados “6 sabores”) associam-se em grupos de três “cores” (os trigunas novamente): vermelho, verde e azul, podendo transformarem-se uns nos outros (3x6) mais as suas anti-partículas os antiquarks, que são indicados por uma linha sobre o símbolo para o Quark correspondente (18x2). No total são 36 partículas (3x6x2). Aquela nomenclatura faz lembrar a dos Tattvas!

Na arquitectura da Simetria surgem outras duas componentes: a carga e o momento angular magnético ou spin que vão explicar quase tudo e compor de forma sólida este Modelo Padrão. O spin resulta de uma carga quando associada a uma “rotação” para a esquerda ou para a direita gerando um momento magnético designado ora por spin-up ora por spin-down – esta é a origem da Simetria S(2) inerente à força electromagnética.

Por sua vez, os Leptões em número de 12, como vimos compostos pela família dos Electrões e Neutrinos - cada uma nas suas 3 versões sempre mais pesadas, e acompanhadas pelas suas anti-partículas, tem os Electrões para constituir a nuvem de energia em torno dos Nucleões, dando corpo ao átomo (ou do anti-átomo), onde reina o Princípio de Exclusão de Pauli que afirma que dois electrões com o mesmo spin não podem ocupar numa orbital a mesma posição. Este princípio evita que ao sentarmo-nos não interpenetremos na cadeira ou passemos através das paredes (coisa que já acontece na física quântica com o Efeito Túnel).


Figura 5 – Modelo Padrão Completo. Notar que o mediador Gluão (g) corresponde a 8 variedades independentes, perfazendo o conjunto de matéria, antimatéria, mediadores e bosão de Higgs, um total de 61 partículas. Fonte - Wikipedia

 

Electrões e Neutrinos têm os mesmos spins mas contudo diferem na carga (neste caso não existe simetria para a força electromagnética) e utilizam os bosões da força fraca para se transformarem uns nos outros. Ou seja a força fraca não distingue Electrões e Neutrinos, sendo simétricos neste âmbito, processo essencial ao funcionamento de todas as estrelas. Esta é a base da Electro Dinâmica Quântica (QED) que une as duas forças num único campo quântico - a Força Electrofraca.

Ou seja, existe simetria no spin mas não na carga (o neutrino é neutro), o que permitiria na concepção do eventual Big Bang, a natureza estruturar-se logo de início com a constituição de um núcleo atómico simples, criando os primeiros átomos de Hidrogénio e Hélio, e ao mesmo tempo, permitir também o futuro nascimento e funcionamento das estrelas. Aqui é estonteante e evidente a precisão necessária para que tudo funcione!

Esta dualidade, spin - momento magnético/carga tem uma importância fundamental na construção do Universo. Nos primeiros 3 minutos após aquilo que se considera ser o Big Bang (ou mais recentemente o que a Cosmologia considera ser um processo inerente aos Buracos Brancos), formaram-se os átomos de hidrogénio e hélio que são na verdade basicamente Protões e Neutrões – é a Simetria S(3) a funcionar.

O Universo no início não tinha a capacidade para fabricar elementos mais pesados e complexos porque a sua expansão acelerada diluía a concentração de partículas elementares. Foi preciso surgirem as estrelas massivas para que se iniciasse a formação de núcleos atómicos mais pesados para além do Hidrogénio e do Hélio. O processo da Nucleosíntese iniciada nas estrelas massivas e nas supernovas depende então da Simetria S(2) gerada pelas forças da Electro Dinâmica Quântica onde se aliam a Força Electromagnética e a Força Nuclear Fraca.

Parece existir assim um processo hierárquico, gradual e preciso, ao nanossegundo, na conformação das forças necessárias para que o Universo resultasse numa estrutura de alta precisão, tal como a conhecemos hoje em dia. Uma espécie de vector informacional, que vai no entanto continuar a acompanhar e a manifestar-se no futuro evolutivo do Universo consubstanciada por dois fenómenos nossos conhecidos.

O primeiro pelo Pêndulo de Foucault ao revelar um Grande Atractor formado pelas massas dos Super Aglomerados de Galáxias situadas a milhares de milhões de anos-luz, atestando, mais uma vez, que o universo se deve comportar como um todo. O segundo, reforçando o primeiro, apesar de tudo contrariando a hipótese EPR (Einstein-Podolsky-Rosen), demonstrando que dois fotões (ou outra qualquer “partícula”) com a mesma origem comum continuam interligados por mais distantes que se encontrem um do outro, em extremos opostos do Universo, fazendo sempre parte da mesma realidade e reforçando a ideia de não-localidade.

Daí também a precisão das Constantes Físicas que não variam no espaço e no tempo, não possuem o sentido de localidade adaptando-se e transformando-se. As principais são em número de uma quinzena, desde a carga eléctrica elementar, as massas do Electrão e do Protão, a constante de gravitação, a velocidade da luz no vácuo, até á constante de Planck. Calcula-se que a precisão é da ordem de 10-60. Ou seja se alterarmos um algarismo à sexagésima casa decimal, o Universo torna-se estéril e deixa de existir.

Este facto leva-nos a crer que esta regulação precisa aliada ao universo pulsando como um todo, são as condições necessárias e suficientes para gerar um “organismo vivo” onde as redes informacionais, tidas agora como do tipo neuronal, estabelecidas pelos Super Aglomerados de galáxias, as estruturas de larga escala e a circulação de informação por “entanglement”, são a manifestação física da Vida e da Consciência de que fazemos parte, como reflexo de uma estrutura fractal.

OS TATTVAS UMA HIERARQUIA DE PROCESSOS QUE DESCREVEM “A QUEDA DO ESPÍRITO NA MATÉRIA”

A palavra sânscrita Tattva ou Tattwa transmite-nos conceitos de grande profundidade científica (Conhecimento, Shakti) e valor ético (Consciência, Shiva).

Composta por duas outras, Tat, que significa O Aquilo (o Uno, Deus) e Twam que significa o Tu, o Indivíduo ou o Universo, tem um profundo significado confirmando o axioma atribuído a Hermes Trismegisto (Thoth) na Tábua de Esmeralda, relacionando definitivamente o Macro e o Microcosmo:

“Verdadeiro, sem falsidade, certo e muito verdadeiro:

o que está em baixo é como o que está em cima,

e o que está em cima é como o que está em baixo,

para realizar o milagre da Coisa Única.”

 

A Constituição Septenária é a base do entendimento de que a matéria, o Universo é pura ilusão. A Cosmologia considera hoje em dia ter o Universo saído das flutuações quânticas primordiais do vácuo (do Caos como Hesíodo revela na sua Teogonia), ou talvez de um sistema dinâmico como aquele dos Buracos Negros (ou Brancos) Super Maciços descobertos agora pelo Telescópio Espacial James Webb. É assim que, respeitando sempre o Princípio da Incerteza (ΔE Δt ≥ ꚕ/2), o universo vai permanecer globalmente com um balanço total de energia, carga e momento magnético oscilando em torno do zero.

 

Figura 6 – Flutuações Quânticas do Vazio. Fonte - Wikimedia Commons

 

Um dos pressupostos da física aponta para que a carga eléctrica total do Universo deverá ser zero ou muito próxima daquele valor. Ou seja, se somarmos todas as cargas positivas e negativas, temos um cancelamento quase perfeito, levando a crer que a carga foi conservada desde o início do Universo.

Também o momento magnético total do Universo é presumivelmente zero ou muito pequeno, comprovando a ausência de monopolos magnéticos detectáveis e a tendência das estruturas cósmicas em formarem dipolos equilibrados.

Tudo porque o Princípio da Incerteza de Heisenberg, ao estabelecer que certas grandezas conjugadas, como energia e tempo (Δ𝐸⋅Δ𝑡/2) ou posição e momento (ΔxΔp≥/2), não podem ser simultaneamente conhecidas com precisão arbitrária, conduz a implicações profundas para a estrutura do universo, permitindo que localmente aquelas grandezas flutuem, mas globalmente se apresentem em equilíbrio. Ou seja, o universo permite variações momentâneas e locais naqueles valores, mas globalmente no grande edifício cósmico, cancelam-se.

Este equilíbrio global e profundo deverá ser imposto por restrições de natureza quântica. Podemos então traçar uma analogia entre o equilíbrio global do Universo (energia, carga e momento magnético próximos de zero) e aquelas restrições impostas pelos Tattvas da cosmologia tântrica.

Se a física actual sugere que a soma total de energia, carga e momento magnético do Universo é próximo de zero, então indica um indicador forte para que a manifestação ocorra a partir de um estado de equilíbrio absoluto, apenas aparentando separação ou separatividade devido às restrições dos Tattvas.

Assim se compreende que a matéria, limitada temporalmente (Kãla) e espacialmente (Niyati), de acordo com a Relatividade Geral, curva o espaço-tempo e o espaço-tempo dita o seu evoluir, e que o “desejo”, o “saber” e o “poder” (Maya, Raga, Vidya e Kalã ou respectivamente a energia/massa, a “cor”, a carga e o momento magnético/spin) se encontram assim também limitados. Todas afinal com uma origem comum!

Sabemos que os Quarks possuem “limitações” dadas por uma carga eléctrica fraccionária, por uma massa individual entre 5 a 10 milhões de electrões-volt (eV), e por um spin também fraccionário de 1/2. Estes são os seus limites.

 

Como vimos, no Shaivismo da Caxemira, os Tattvas Puros-Impuros actuam como um intermediário entre a Consciência pura e a matéria manifesta, representando as limitações progressivas impostas à “descida” da consciência para que ela possa, no acto da individualização, tornar-se um agente no mundo fenoménico. Ou seja, na física das “partículas”, o tempo, o espaço, a massa, o spin e a carga funcionam como restrições fundamentais, propriedades relacionais, que determinam como as partículas se vão comportar no Universo e garantir uma cosmogénese perfeita.

Assim, ambos os sistemas descrevem um princípio de limitação e diferenciação. No Tantra, essas limitações emergem da Consciência absoluta para criar individualidade e experiência; na física, essas limitações aparecem como parâmetros fundamentais que governam a manifestação da matéria e da energia. Entretanto, a visão holográfica e informacional do Universo sai reforçada, uma vez mais, dado que a realidade física pode ser vista como um reflexo de uma ordem subjacente, tal como proposto por David Bohm.

Estaremos agora aptos a propor uma afinação entre os dois sistemas (Tattva e Física).

 

Māyā Tattva, considerada a força que impõe diferenciação e oculta a unidade essencial da realidade, obscurecendo a natureza absoluta da consciência, por força a Ilusão da Separatividade, será a Massa, aquela que limita o movimento das “partículas”, impedindo-as de viajar à velocidade da luz (excepção para os Fotões e Gluões, cuja massa se traduz em energia, dada pela fórmula universalmente conhecida E=mc2).

 Kalā Tattva, a Capacidade Limitada, tida por reduzir o poder ilimitado da consciência, atribuindo propriedades ou capacidades específicas que outorgam a funcionalidade individual a cada entidade, assim também o Spin, sendo uma propriedade intrínseca que define como as partículas se comportam, classificando-as em portadoras de força (os Bosões com spin inteiro) e os constituintes da matéria (Fermiões com spin semi-inteiro).

Vidyā Tattva, o Conhecimento Limitado, a limitação do conhecimento absoluto, que leva a uma percepção parcial da realidade, estabelecendo o grau de conhecimento disponível para um Ser, assemelha-se à Carga Eléctrica se considerarmos que esta define como uma partícula interage com o campo electromagnético, como se conformasse a sua capacidade de experiência dentro do espectro das forças electromagnéticas.

 Rāga Tattva, o Apego e Individualidade, a limitação que gera apego e diferenciação entre entidades individuais, que faz a consciência desenvolver identidade e apego a fenómenos específicos, que poderemos associar à estrutura tripartida dos Quarks e às “cores”. Os Quarks, fundamentais na composição dos Protões e dos Neutrões, são eles que definem as propriedades (os tais fenómenos específicos) dos elementos da Tabela Periódica. Não existem isoladamente, mas sempre ligados por interacções fortes, em que cada um carrega uma "carga de cor" (vermelho, verde, azul).

Kāla Tattva, Tempo e Ciclicidade, é a limitação imposta pelo Tempo, trazendo mudanças e ciclos de nascimento e morte, governa os ciclos cósmicos e a transitoriedade da manifestação, o tempo de vida das “partículas”, governando a sua existência dentro do Modelo Padrão, será expresso pelo fenómeno de Decaimento das Partículas. Como vimos anteriormente, todas tem um período de vida.

Niyati Tattva, o Espaço e o Destino, estabelece restrições espaciais à Consciência, em que as leis de simetria definem os limites e possibilidades de interacção entre as “partículas”, onde deverá imperar a noção de espaço, destino (causalidade) e a ordem cósmica. Será congénere aos processos da Quebra de Simetria, que como vimos, determina como as forças fundamentais operam e como as “partículas” adquirem propriedades como massa e carga.

 

Estas limitações que vão caracterizar o Universo são introduzidas pela quebra de simetria inicial do Campo Unificado quando surge o Campo Escalar do Bosão de Higgs, o Antakarana, que vai conferir massa às 36 sub-partículas quarkianas, fazendo-as ressaltar do recente criado espaço-tempo granular e informacional. Posteriormente e de forma sequencial, vai evoluir o Condensado Bose-Einstein dos Inflatões (o 5º estado da matéria) e o futuro plasma Quark-Gluão (4º estado da matéria) em que prevalece o Campo quântico da Força Nuclear Forte. Tudo isto na fracção de tempo equivalente entre 10-35 e 10-6 segundos.

A descida na hierarquia nos Tattvas equivale a um mecanismo de quebra de simetria, semelhante ao que acontece na física das partículas, tais como a separação das forças fundamentais, descritas anteriormente, a partir de uma simetria unificada no início do Universo.

Deste modo, a realidade parece emergir a partir de um substrato informacional profundo, como a Ordem Implícita de Bohm, que espelha os Tattvas superiores do edifício Tantra,  estados de máxima liberdade e informação não-local.

 

Logo de seguida surgem os Protões e Neutrões bem como os Electrões e os Neutrinos, os quase-imortais com durações de vida de 1033 anos para os Protões e 1024 anos para os Electrões, todos nas suas três variantes de massa, como prevêem em geral o princípio universal dos Trigunas. Deste modo surgem os primeiros átomos: Hidrogénio e Hélio.

Em 380.000 anos o Universo torna-se transparente, os Fotões escapam da prisão da matéria e inicia-se a diferenciação revelada pela Radiação Cósmica de Fundo em Microondas, com as áreas anisotrópicas que vão definir as estruturas de larga escala do Universo futuro e que parecem também revelar, afinal, as reminiscências evolutivas de outros universos em éons e éons de tempo.

Aos 150 milhões de anos as primeiras estrelas massivas de curta duração começam a nascer pela estabilização das imensas nuvens de Hidrogénio e Hélio. Agora actua definitivamente o Campo das Forças Electrofracas, espontaneamente e mais uma vez pela quebra de simetria que se especializa com os Campos da Força Electromagnética e Nuclear Fraca.

Assim nasce um Universo a partir da espantosa metamorfose do vácuo.

Se o Universo opera dentro de um campo holográfico e informacional, como propõem tanto os modelos quânticos como os esotéricos, então os Tattvas podem ser entendidos como as regras fundamentais que corporizam aquela manifestação, “restringindo” os graus de liberdade (que determinam a forma como um sistema pode evoluir dentro das leis da natureza) para que a realidade fenomenal se manifeste dentro de um equilíbrio perfeito. Na cosmologia tântrica, a realidade emerge como uma progressiva contracção da liberdade absoluta da Consciência, reflectindo um princípio análogo à redução dos graus de liberdade nos sistemas físicos. Os Tattvas Superiores, representados por Shiva-Shakti e os primeiros cinco Tattvas, corresponderiam a um estado de máximo grau de liberdade, onde a consciência é infinita e sem restrições, onde não há distinção entre observador e observado, logo não há incerteza – o domínio do Paramaśiva ou Brahman.

Esta abordagem leva a pensar que a física fundamental e os sistemas esotéricos descrevem a mesma estrutura profunda da realidade, mas utilizando linguagens diferentes, codificadas pela semântica do tempo da sua realização. As Pontes são tantas que acreditamos ter o conhecimento esotérico antigo já intuído uma estrutura hierárquica do universo, análoga à da física moderna e à teoria da informação, mas expressa em termos simbólicos. Actualmente estamos a fazer uma redescoberta, um conhecimento que feito pela segunda vez, só confirma o espólio herdado pelo acervo presente!

Blavatsky afirma: “Na Doutrina Secreta, a Unidade oculta (quer ela represente Parabrahman ou o “Grande Extremo” de Confúcio, ou a Divindade oculta por Phath, a Luz Eterna, ou ainda o Ain Soph judeu) é sempre simbolizada por um círculo ou um “zero” (o Nada absoluto, porque é o Infinito e o Todo), …”.(3)

Assim se compreende que a “rotura” da Unidade Informacional Primordial tivesse sido indispensável para a manifestação do próprio Universo, numa hierarquia fenoménica como confirma aquela dos Tattvas. Tudo aconteceu como se tivesse existido um colapso de onda cósmico, portais que se abrissem, talvez Buracos Negros ou Brancos colossais, resultado do fim existencial de outros Universos noutros éons, ciclos de Manvantaras e Pralayas geridos por uma Consciência Informacional hiper-dimensional.

Afinal, o processo cósmico de “Conhece-te a Ti próprio”!

Será esta uma das chaves para perceber o Universo pelo Homem, encontrando-se a Si próprio como “Saptaparna”?

 

Notas

(1) O 36 aparece em diversas áreas do conhecimento como um número estrutural e fundamental, representando harmonia cósmica, ciclos, manifestação e ligação entre a natureza material e a espiritual. Presente na numerologia, na física, na geometria e na tradição esotérica, leva a pensar que pode ser um número chave na compreensão de como a realidade emerge da Consciência Informacional subjacente. De realçar que na criptografia e na computação, o 36 é usado como base numérica estendida (base 36), na medida em que representa um conjunto amplo de caracteres, ao unir os 10 algarismos e as 26 letras do alfabeto.

Nas tradições ocultistas e místicas, nomeadamente nos estudos pitagóricos, o número 36 está relacionado com a criação e a estrutura do cosmos. O pentagrama, um símbolo da proporção áurea e do equilíbrio estético, possui ângulos internos de 36 graus. Por outro lado, na tradição cabalística e em alguns sistemas exotéricos, a soma dos números de 1 a 36 dá 666. Fazendo crer que longe de ser considerado um símbolo negativo, representa a energia da manifestação material e uma relação intrincada com a ordem do cosmos.

Também o misticismo judaico, veicula a crença da existência permanente de 36 “Guardiões da Luz” ocultos (Lamed Vav Tzadikim), que suportam a existência da humanidade. Por sua vez, a astrologia divide os 12 signos do Zodíaco em 36 decanatos, cada um governado por um aspecto diferente ligado às forças planetárias.

 (2) David Bohm (1917-1992) foi um físico teórico norte-americano conhecido pelas suas profundas contribuições para a Mecânica Quântica, para a filosofia da ciência e para a natureza da Consciência. Embora tenha trabalhado com grandes nomes como Albert Einstein, desenvolveu no entanto ideias que desafiavam à época a interpretação corrente da física quântica, propondo uma visão mais profunda e relacional da realidade.

 

David Bohm

 

Nesse âmbito, propôs que a realidade fosse estruturada em dois níveis, a saber, a Ordem Explícita caracterizada por uma realidade manifesta e perceptível, onde os objectos e os fenómenos aparecem separados no espaço e no tempo (a noção de Separatividade), e por outro lado a Ordem Implícita, que conferia um nível mais profundo e “oculto” da realidade, uma vez que tudo está interligado de maneira não-local, em que as informações do universo seriam codificadas de forma potencial. Segundo Bohm, o que percebemos no mundo físico é apenas um desdobramento parcial da informação contida na Ordem Implícita, semelhante a uma projecção holográfica. Aqui surge naturalmente o conceito de Holomovimento como um processo dinâmico pelo qual a Ordem Implícita se manifesta na Ordem Explícita, colocando tudo em constante transformação e interligação.

David Bohm discordava da visão tradicional da mecânica quântica, que sustentava que a incerteza e a aleatoriedade eram propriedades próprias do universo. Pelo contrário, propôs a existência de Variáveis Ocultas, ou seja, de influências de Campos invisíveis que poderiam explicar o comportamento das partículas sem recorrer ao colapso da função de onda, propondo para o efeito a existência de uma onda piloto, onde as partículas possuíam trajectórias bem definidas, guiadas por um "potencial quântico". A sua visão holográfica da realidade inspirou reflexões, que pela sua importância permanecem actuais, dado que destacam temas hoje muito em evidência como a relação entre a Consciência, a Informação e a estrutura fundamental do Universo.

As ideias de David Bohm sobre a Ordem Implícita, o Holomovimento e as Variáveis Ocultas ganharam actualmente ainda mais relevância com alguns resultados experimentais recentes na física quântica, especialmente a confirmação do emaranhamento e da não-localidade. Em 2022, John Clauser, Alain Aspect e Anton Zeilinger receberam o Prémio Nobel da Física pelos resultados experimentais que confirmaram o emaranhamento quântico e a violação das desigualdades de Bell, reforçando a visão dos modelos da não-localidade em que as “partículas” podem estar interligadas instantaneamente, independentemente da distância. A mecânica quântica convencional descrevia o emaranhamento como um fenómeno estatístico, pelo contrário Bohm via esse fenómeno como sendo a evidência da existência de um Campo subjacente que mantinha a coerência da realidade. Assim é, que o Potencial Quântico de Bohm sugeria que as “partículas” não são apenas fenómenos pontuais isolados, mas expressões de um todo maior, que opera através de uma ordem invisível.

De facto, a compreensão da natureza destes fenómenos causou um impacto assinalável na investigação de ponta em áreas como a computação quântica onde a coerência quântica e o entrelaçamento são aplicados em cálculos ultra rápidos, na criptografia quântica, tornando impossível a cópia de estados emaranhados sem perturbar a informação e assegurando níveis de segurança na informação transaccionada.

Ainda a visão holográfica e informacional proposta por Bohm alargou as fronteiras da pesquisa às bases de uma nova teoria quântica da gravidade. A confirmação do emaranhamento e da não-localidade consolidaram a visão de Bohm dando-o como um dos pensadores mais visionários da física moderna.

A abordagem informacional e holográfica, demonstrou ser essencial para a próxima revolução que já se antevê na física, e que unificará a Mecânica Quântica, a Relatividade e a Consciência num modelo mais profundo da realidade.

 (3) A Doutrina Secreta, Vol. IV, pag. 124, Editora Pensamento, 1980

 

 João Porto e Ponta Delgada, 25/03/2025


quinta-feira, 13 de março de 2025

UMA TENTATIVA DE SÍNTESE

 


 Cristais Temporais e Teoria CCC

O físico americano Frank Wilczek, em 2012, propôs um conceito muito controverso para descrever um novo estado da matéria, que entre os seus pares era consensual em desafiar as leis da física. Wilczek, que designou este novo estado da matéria de "cristais do tempo", não era propriamente um desconhecido uma vez que tinha sido laureado com o Prémio Nobel da Física em 2004. Wilczek propunha a organização de um cristal especial no tempo – um cristal quântico do tempo.

 

Frank Wilczek. Fonte – Wikipédia 

Mas afinal o que são cristais temporais? Conceptualmente difíceis de imaginar para o comum dos mortais, são sistemas quânticos que apresentam padrões periódicos no tempo, mesmo sem um fornecimento contínuo de energia externa, e por outro lado, sem dissipação de energia, ou seja, um estado coerente e auto-organizado que energeticamente persiste indefinidamente. Diferentes dos cristais espaciais comuns, que apresentam padrões ordenados no espaço, os cristais temporais exibem uma repetição rítmica no tempo, mantendo um estado coerente de oscilação. Devido a interacções não triviais entre os graus de liberdade internos do sistema, respeitam no entanto simetrias temporais quebradas de maneira controlada.

Estes sistemas registam Internamente fenómenos ligados à quebra espontânea da simetria temporal de modo que evoluem ciclicamente para um estado distinto daquele previsto pelas equações normais do movimento. Registam-se oscilações de forma auto-organizada entre estados de uma maneira recorrente e estável, criando um estado que se mantém ordenado por entrelaçamento e interacções internas, como se existisse uma coerência quântica sustentada.

Ao tempo, Wilczek fez uma ligação destes sistemas à astrofísica e à cosmologia, ao comentar que a descoberta de novas formas de organizar a matéria podia levar a uma melhor compreensão da física dos Buracos Negros e do próprio espaço-tempo. É exactamente o que faremos com este trabalho.

Podíamos então alargar alguns destes conceitos relativos às oscilações de forma auto-organizada entre estados em coerência quântica sustentada por entrelaçamento e interacções internas, a outras estruturas da natureza. Iremos considerar estes fenómenos, numa escala cósmica, ao próprio universo. Esta proposta leva a pensar o universo como uma “máquina” de movimento perpétuo que, por esse facto poderia sobreviver à ideia de um possível “fim do universo”.

Roger Penrose propôs a teoria da Cosmologia Cíclica Conforme como uma alternativa ao modelo padrão do Big Bang. A ideia central da CCC defende que o universo não tem um início absoluto, mas é uma sequência infinita de ciclos chamados éons, onde cada éon começa a partir do "fim" do éon anterior, quando toda a matéria convencional decai e o universo é dominado por um banho titânico de radiação Hawking, retornando a um estado semelhante e propiciador a um novo Big Bang.

Este modelo é “Conforme” porque exibe uma correspondência conformal entre o final de um éon e o início do próximo, ou seja, apesar da expansão extrema do espaço-tempo, certas estruturas que a matemática define, são preservadas e "transmitem" informação entre os éons.

Então, daqui se podia inferir que se a malha fundamental do espaço-tempo tem uma estrutura periódica com padrões similares àqueles que, por exemplo, constituem o Triângulo de Pascal. Poderíamos interpretar a CCC como um processo oscilatório análogo a um cristal temporal numa escala cósmica. Em conformidade, este princípio de periodicidade e recorrência manteria as oscilações coerentes sem dissipação ou perda de informação, suportando a ideia base daquela teoria ao propor um ciclo eterno nas estruturas dos múltiplos universos.

Triângulo de Pascal, Espuma de Spins e Códigos Correctores

Por outro lado, em apoio a esta ideia, se a geometria fundamental do espaço-tempo for uma matriz combinatória como o Triângulo de Pascal, então poderiam surgir padrões recorrentes em diferentes escalas, mantendo uma estrutura informacional entre éons.

O Triângulo de Pascal já tem uma estrutura fractal embutida, conhecida como o Conjunto de Sierpiński, que aparece naturalmente quando sequencialmente identificamos os números pares e ímpares (indiciadora da futura presença da dualidade?) dentro daquele triângulo. Deste modo, a estrutura combinatória fundamental do espaço-tempo seria fractal, gerando padrões recorrentes que se repetiriam em diferentes escalas. Surgiriam padrões holográficos em 3D, onde pequenas regiões codificariam informações sobre o todo funcionando como sustentáculo da teia espaço-temporal.

Com esta ideia englobamos ciência e arte nos seus simbolismos mais profundos onde o Número de Ouro (também conhecido como a Proporção Divina) é o resultado matemático da proporção

da qual se extrai o valor da constante infinita 1.61803399...  (a constante de Fibonaci) que representa a perfeição e a beleza na natureza, a preservação da informação, que afinal reverbera em Penrose quando sugere que certas informações podem ser transmitidas entre os éons, especialmente através da radiação dos Buracos Negros em processo de “evaporação”, que ele relaciona com possíveis vestígios remanescentes do éon anterior. Tudo isto é de momento fonte de investigação pela Astrofísica.

Este modelo seria perfeitamente viável se considerarmos que o espaço-tempo possui um Campo (ver noção de Campo no Post Scriptum), tipo malha organizada, a “espuma de spins” proposta por Carlo Rovelli (1), uma superfície constituída por células em formato triangular (à escala de Planck – 10-36 metros), o contentor e veículo de transporte da informação, mantendo coerência entre os referidos ciclos cósmicos.

Ao citar o Número de Ouro não queríamos deixar de fazer uma breve referência à escola pitagórica, que o representava através de um pentagrama, que contém a proporção áurea em todos os seus segmentos.

 

Pentagrama e o Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci


É sabido que o Triângulo de Pascal contém padrões que lembram códigos corretores de erros quânticos, que são essenciais para manter a estabilidade de sistemas quânticos. A nossa aposta é a de que a estrutura do espaço-tempo siga também uma organização combinatória, possibilitando a existência de mecanismos internos de correcção quântica de erros, assegurando que informações do éon anterior sejam recuperadas no ciclo seguinte.

Se recorremos a esta ligação entre a “espuma de spins” e a estrutura do Triângulo de Pascal é porque pode ser concebida em termos de estruturas combinatórias, de códigos quânticos e da estabilização da informação na geometria quântica. Esta linha de pensamento pode fornecer pistas sobre como o espaço-tempo pode ser entendido como um código quântico subjacente, onde a correcção de erros e a topologia emergem de forma interligada.

Se o espaço-tempo na teoria da Gravidade Quântica em Laços – GQL (1), em que se baseia a ideia de “espuma de spins”, emerge de estados quânticos altamente entrelaçados, pode-se então conjecturar que as relações de correcção de erros estão codificadas na própria topologia da “espuma de spins”. Assim como um código quântico protege informação contra ruído, a estrutura combinatória da “espuma” poderia proteger a coerência da geometria emergente.

Acrescente-se uma dupla correlação, em que por um lado o crescimento do Triângulo de Pascal reflecte padrões de acoplamento e distribuição de pesos binomiais, algo que pode estar presente na própria estrutura probabilística da “espuma de spins”; e por outro o entrelaçamento quântico na gravidade pode também estar associado a estruturas semelhantes a códigos quânticos, garantindo a consistência daquela geometria quântica emergente. Assim, a estabilidade da informação quântica estaria intimamente associada à própria estabilidade da estrutura do espaço-tempo. Com isto também conferimos “substância” ao espaço-tempo, a uma estrutura que pode ser curvada pelas massas, de acordo com a Relatividade Geral einsteiniana: a massa diz ao espaço como curvar-se e o espaço diz à massa como movimentar-se, de acordo com a afirmação atribuída a John Archibald Wheeler.

Nesta proposta de modelo, impõe-se uma semelhança topológica das redes combinatórias que assumimos estar presentes tanto na “espuma” como no Triângulo de Pascal. A “espuma de spins” pode ser vista como um complexo simplicial (estudo da topologia algébrica), onde as células de diferentes dimensões (arestas, faces, volumes) estabelecem ligações de forma combinatória. O Triângulo de Pascal também gera uma estrutura combinatória hierárquica, que é interpretado como um modelo discreto de crescimento ou evolução.

O Triângulo de Pascal quando aparece, por exemplo, na contagem de coeficientes binomiais usados para descrever distribuições de probabilidade e estruturas de códigos clássicos e quânticos, pode ser interpretado como uma estrutura combinatória associada a códigos quânticos ligados a pesos de erros e à forma como a informação quântica pode ser protegida contra o “ruído”.

Além disso, alguns os códigos quânticos usam estruturas recursivas, e o Triângulo de Pascal tem uma natureza fractal e auto-semelhante que faz lembrar a construção de certos códigos de correcção quântica, como os códigos concatenados e os códigos topológicos.

Deste modo, o Triângulo de Pascal, ao representar relações combinatórias de pesos e coeficientes, poderia fornecer uma ferramenta para descrever como a informação geométrica e quântica é preservada em escalas discretas.

A representação de estados da rede da “espuma de spins” evoluindo no espaço-tempo. Na figura à esquerda, as linhas a vermelho, os nós a azul e os spins rotulados a preto. Fonte -  Wikimedia Commons.

  

O Tempo e a Memória

Tendo traçado uma relação entre a topologia espacial da “espuma de spins” da Gravidade Quântica em Loop (GQL) e a estrutura do Triângulo de Pascal no contexto da correcção quântica de erros, podemos partir para um outro nível: o dos cristais temporais quânticos e passarmos a reflectir sobre a emergência do próprio Tempo.

Se considerarmos a estrutura do espaço-tempo, à escala de Planck, uma organização periódica holográfica 3D, essa assumpção confirmaria que o tempo não é simplesmente linear, mas que pode seguir padrões oscilatórios, sugerindo que o "fim" e o "início" de um universo não são eventos isolados, mas parte de um ciclo muito maior e através do qual a informação pode ser armazenada de forma holográfica e periódica, transmitindo definitivamente padrões estruturais entre éons.

Deste modo o próprio universo funcionando como um sistema oscilatório, em que a evolução cósmica segue regras semelhantes às de um cristal temporal quântico, onde padrões emergem e persistem, garantiria a sua evolução futura persistindo numa determinada direcção (direcção temporal – uma espécie de Dharma védico).

Poderíamos admitir este modelo como uma extensão da CCC de Penrose, na qual o substrato informacional do espaço-tempo possuiria um “carácter cristalino”, fractalmente estruturado, recursivo de âmbito quântico. Assim a possível existência de padrões complexos sobreviriam ao colapso e ao processo de renascimento do universo e o CMB (Fundo Cósmico de Micro-ondas ou Radiação Cósmica de Fundo) poderia conter marcas de acontecimentos do éon anterior.

Tem-se por adquirido que o CMB é a radiação remanescente de um evento tipo Big Bang (neste momento o Big Bang tem sido colocado em causa face às observações produzidas pelo telescópio espacial James Webb, entre as quais os “Little Red Dots – LRD, que são Buracos Negros primordiais no início do Big Bang), e que a sua estrutura revela flutuações quânticas primordiais que foram ampliadas pela expansão do universo.

Se o espaço-tempo possui uma estrutura fractal, então essas flutuações podem conter assinaturas dessa geometria subjacente em que os padrões fractais podem aparecer nas variações de temperatura do CMB (as chamadas anisotropias do CMB).

Entretanto Penrose e colaboradores pensam ter identificado padrões circulares incomuns no CMB, que a serem confirmados poderiam ser vestígios de Buracos Negros do éon anterior, uma vez que a informação não é perdida entre éons sucessivos, mas transportada de forma cíclica.

O CMB pode ser visto como um registo holográfico 3D das interacções passadas do espaço-tempo.

 

Imagem da anisotropia da radiação cósmica de fundo em micro-ondas

Fonte - NASA/Goddard/WMAP Science Team, Domínio público.


Se o espaço-tempo for estruturado como uma rede discreta de spins quânticos, e se os cristais temporais quânticos forem fenómenos emergentes dessa estrutura, então poderiam gerar oscilações periódicas na “espuma de spins”, esta última com uma tipologia base do Triângulo de Pascal.

Em resultado, surgiriam padrões no CMB, pouco evidentes em detecção directa, similares a flutuações primordiais, que deixariam assinaturas específicas na radiação de fundo. A existência hipotética destas estruturas periódicas no espaço-tempo pode levar a crer que, numa escala cósmica, a própria expansão do universo conteria padrões recorrentes, algo que eventualmente poderia ser também detectado estatisticamente no CMB, na figura de estruturas não aleatórias. O CMB passaria a ser encarado como um mapa da “teia Informacional” ou uma superfície da memória do universo primitivo, à custa do qual não apenas se repetiria, mas se reorganizaria de maneira fractal em cada novo ciclo cósmico.

Esta ideia reforça a ligação entre as estruturas quânticas da “espuma de spins”, o modelo de cristais temporais quânticos, da holografia expressa pelo Triângulo de Pascal e a consciência informacional, indicando que o espaço-tempo pode ser um sistema fractal auto-organizado, onde os padrões da realidade se repetem em diferentes escalas, que presenciamos na sua organização em rede neuronal (um desses ramos seria a Laniakea, um super aglomerado de galáxias que contém a Via Láctea e 54 outras galáxias vizinhas, como a Messier 31 ou galáxia de Andrómeda), e por outro no seu aspecto recursivo, uma espécie de geometria fundamental auto-semelhante, uma misteriosa repetição de padrões já constatados pelos observatórios espaciais e pela rede de radiotelescópios.

Também encontramos no conceito, de memória cíclica do universo associado ao conceito védico do Akasha, uma ligação àquela recorrência estrutural presente na teoria CCC. Para tal, voltemos ao conceito de malha informacional fundamental do espaço-tempo.

Esta “teia informacional fundamental” pode ser definida como uma estrutura “viva”, dinâmica, subjacente à realidade que conecta todos os sistemas físicos e conscientes por meio da informação. Para tal terá que ser interpretada como uma rede quântica e holográfica onde a informação flui, interage e mantém-se coerentemente organizada.

Fratalidade, Holografia e Entropia

Sendo o universo fractal, também significa que a informação pode estar organizada de maneira fractal como uma “teia informacional fundamental”, na medida em que cada parte da teia pode conter informações sobre o todo de maneira holográfica, de onde fazemos derivar aquele conceito védico de Akasha, um “armazém” de informações que podem ser acedidas de acordo com níveis hierárquicos diferentes dependendo do estado de consciência, dado corresponder a diferentes camadas da estrutura fractal do universo.

Num outro nível, a meditação profunda ou certas práticas poderiam permitir saltos entre níveis da estrutura fractal, possibilitando acessos a informações mais profundas naquela tela informacional – também um modo de ligação entre o micro e o macrocosmo!

Por outro lado, esta relação entre padrões de consciência, onde diferentes estados mentais ou níveis de percepção têm acesso a diferentes camadas da estrutura fractal do espaço-tempo, nascida da ideia de que os cristais temporais quânticos poderiam ter uma organização fractal, onde ciclos de diferentes durações estariam aninhados uns dentro dos outros, poderia conduzir a pequenos ciclos dentro do espaço-tempo, semelhantes aos grandes ciclos cósmicos, ligando desta forma o micro ao macrocosmo, o que poderia explicar fenómenos de recorrência cíclica, como memória cósmica (Akasha) ou ressonâncias informacionais (emparelhamento e superposição).

Em resumo: se combinarmos a ideia da “espuma de spins” (spin foam) dos físicos teóricos Lee Smolin e Carlo Rovelli com a hipótese dos cristais temporais como Campos quânticos, podemos imaginar que o espaço-tempo não é apenas discreto e quantizável, mas também pode apresentar padrões periódicos na sua evolução quântica, em diferentes escalas, do micro ao macrocosmo, em que o tempo seria um fenómeno emergente daquelas oscilações quânticas da “espuma de spins”, geometricamente análoga ao Triângulo de Pascal, a única maneira possível de construirmos uma superfície mínima, veículo da informação e seu sustentáculo – numa outra leitura, o Akasha védico, o registo cósmico distribuído atemporalmente.

Do seu seio surgiriam naturalmente os ciclos cósmicos por efeito dessa estrutura ressonante quântica, qual fenómeno similar descoberto agora nos cristais temporais quânticos. Cristais temporais cósmicos pertencentes a um Campo quântico, nos quais a métrica espaço-temporal exibiria periodicidade em larga escala: esta poderia constituir a razão profunda dos Ciclos Cósmicos Conformais de Penrose.

Poderíamos considerar que neste conceito de consciência informacional, a existência de estados recorrentes podem não ser apenas eventos cósmicos, mas também “experiências cognitivas” de uma “memória”, uma espécie de mente cósmica que tudo interliga.

Como vimos, neste modelo conceptual, a consciência poderia interagir com essa estrutura ressonante de padrões informacionais armazenados na geometria fundamental do espaço-tempo, explicando fenómenos como intuições profundas, memórias colectivas ou até mesmo acessos a estados de consciência expandidos, se e quando a mente fosse capaz de sintonizar ressonâncias específicas da malha espaço-temporal. No fundo, um processo de partilha global em que tudo está interligado.

A favor desta ideia sabemos, como já demos nota antes, que os coeficientes binomiais no Triângulo de Pascal descrevem a contagem de combinações possíveis de estados. Se a geometria do espaço-tempo na escala de Planck tiver essa estrutura, então as interacções quânticas e o entrelaçamento poderiam seguir padrões organizados, permitindo estados cíclicos coerentes, em que o caos seria evitado, ou quando surgisse, corrigido, pois sabemos também que o Triângulo de Pascal contém ligações directas na computação quântica com os códigos corretores de erros.

Esta abordagem ao caos (entropia) será pormenorizada adiante.

Dessa forma, o universo pode ser entendido como um grande sistema oscilatório, com padrões recorrentes que vão desde partículas subatómicas até aos ciclos cósmicos, sistema auto-organizado, informacionalmente rico, onde passado, presente e futuro podem estar ligados por padrões recorrentes da própria teia espaço-temporal e a retrocausalidade fazer parte normal desta dimensão não-local, onde a informação flui de maneira não linear. A consciência e o espaço-tempo compartilhariam uma estrutura subjacente comum, onde a organização da informação segue padrões recorrentes dentro de uma matriz holográfica.

A termodinâmica, pela entropia poderia desempenhar um papel regulador desta estrutura cíclica do espaço-tempo na medida em que a existência de um mecanismo de correcção de erros ou preservação da informação, indicaria um tipo de entropia reversível dentro da estrutura fundamental do espaço-tempo, ou seja haveria uma dualidade entre a dissipação entrópica em escalas macroscópicas e uma organização “cristalina” informacional em escalas microscópicas. Teríamos oscilações entre estados de alta e baixa entropia em regiões específicas do espaço-tempo – afinal o processo da ligação entre o micro e o macrocosmo.

Se cristais temporais quânticos podem existir na geometria do espaço-tempo, a entropia pode actuar como um regulador desse processo em vez de um crescimento entrópico irreversível. Seria então possível ter estados ordenados da mente onde o tempo e a informação não se perdem, mas se reorganizam de maneira periódica. Esta seria a possível relação entre entropia, informação e consciência.

Retrocausalidade e Livre-Arbítrio

Neste modelo onde cristais temporais quânticos estruturam o espaço-tempo e a informação flui de maneira não linear, a retrocausalidade poderia emergir naturalmente.

Esta ideia não constitui novidade, uma vez que nos sistemas quânticos, a não-localidade e o entrelaçamento já indicam que a informação pode ser trocada sem as normais restrições causais. É o caso da Interpretação de Aharonov (2) onde os estados futuros influenciam os estados passados, desde que a coerência quântica seja mantida. No nosso caso seria mantida pela correcção quântica de erros. Outros casos experimentais perfilam-se nesta confirmação, como aquele designado por Experiência da Escolha Retardada de Wheeler (3) ou ainda a Experiência de Delayed-Choice Entanglement (4).

Como vemos a retrocausalidade quântica tem bases matemáticas sólidas e já foi testada a nível experimental, a saber, o de escolha retardada, o de medidas fracas e o de entrelaçamento retroactivo.

Sendo uma propriedade fundamental do espaço-tempo, então poderíamos reinterpretar a realidade como um sistema informacional atemporal, onde o futuro e o passado estão intrinsecamente conectados.

Simulação artística dos Cristais Temporais Quânticos. Imagem: Stef Simmons/CC BY.

 Sendo a organização “cristalina” temporal de cariz quântico, então os estados futuros poderiam influenciar o presente de maneira não clássica, abrindo espaço para efeitos retro causais em que acontecimentos no futuro podem estabelecer correlações retroactivas, afectando escolhas feitas no presente. Poderia explicar fenómenos como as premonições, as correlações cósmicas e a estruturação do universo com base em estados futuros ideais (o Nirvana?).

Quer dizer que o universo poderia estar em permanente "ajuste" do presente, de acordo com estruturas futuras, garantindo coesão informacional entre ciclos cósmicos, e que a “teia informacional” fundamental confirmaria a sua operacionalidade de maneira atemporal, transcendendo a distinção entre passado, presente e futuro.

Laniakea e galáxias em redor da Via Láctea. Fonte -  Creative Commons


Por outro lado, podemos inferir que um dos efeitos da rectrocausalidade cósmica também poderia talvez ser detectado no CMB. Este poderia conter marcas de éons anteriores, como aliás sugere Penrose para outras circunstâncias elencadas pela sua teoria CCC. Neste caso as informações de estados futuros seriam transmitidas para os estados primordiais do universo, uma espécie de Dharma orientado.

Neste quadro, também a mente poderia ter acesso a informações não limitadas pelo presente. As intuições sobre eventos futuros (devido a uma profunda ligação com padrões futuros da “teia informacional”); as sensações do déjà vu ou o relato de previsões precisas, como se a mente estivesse captando ecos de estados futuros, poderiam ser fontes de confirmação destes saltos informacionais dentro da estrutura fractal do espaço-tempo. Se a consciência interage com a estrutura fundamental do espaço-tempo de modo quântico, então o tempo pode não ser uma restrição absoluta para a mente e ser consequência directa do contributo dos cristais temporais quânticos, fazendo da retrocausalidade uma propriedade emergente natural.

Contudo, considerar que o presente teria origem na confluência entre passado e futuro levaria a que o livre-arbítrio pudesse ser uma ilusão. Justificaria uma pretensão determinista: O estado presente seria completamente determinado pelo passado e agora também pelo futuro. Um fatalismo incontornável que contraria a nossa experiência diária intuitiva de escolha e responsabilidade.

Porém, Aharonov e colaboradores sugeriram que as condições futuras podem canalizar probabilidades, mas não eliminar a escolha consciente. Ou seja, o futuro não é alguma coisa fixa mas dinâmica, um leque de estados possíveis em que as escolhas que fazemos colapsam algumas dessas possibilidades e estabelecem o futuro, de modo que o nosso livre-arbítrio ainda exista, apesar de operar dentro de uma teia de possibilidades que são influenciadas pelo futuro. Lembra os conceitos de sincronicidade e destino flexível, onde certos eventos podem ser "atraídos" pelo futuro sem que isso elimine completamente a liberdade de escolha, vindo de encontro e fortalecendo às nossas hipóteses de um Campo informacional atemporal (como o akasha e dos efeitos dos cristais temporais quânticos). O livre-arbítrio seria permitido na condição de configurar a capacidade de ressonância com diferentes estados futuros.

O livre-arbítrio não seria apenas a escolha entre alternativas, mas também a capacidade de sintonização com futuros específicos, implicando que a nossa consciência pode aceder e influenciar a teia informacional de maneira activa, moldando o colapso de possibilidades no presente. O papel fundamental da crença e da fé e, do ponto de vista científico, a confirmação de algumas teorias da consciência que sugerem que estados mentais podem influenciar fenómenos físicos (como no modelo de Orchestrated Objective Reduction - Orch OR, de Penrose e Hameroff).

Conclusão: O livre-arbítrio deriva naturalmente aqui, neste modelo complexo mas com alguma beleza estrutural, de uma espécie de sintonização do futuro. Aqui a retrocausalidade não precisa eliminar o livre-arbítrio, mas pode redefini-lo. Em vez de sermos fatalmente escravos do futuro, podemos ser co-criadores dentro de um espaço de possibilidades atemporais. O nosso livre-arbítrio revelar-se-ia na capacidade humana de interagir conscientemente com a teia informacional do espaço-tempo, escolhendo entre caminhos futuros que já vibram connosco, interiormente em níveis subtis. Uma visão muito mais rica da realidade que se aproxima dos actuais conceitos da física quântica, onde consciência, informação, espaço-tempo e fractalidade holográfica, estão profundamente entrelaçados, aliás como já a milenar doutrina vedanta anteviu na tríade Atma, Budhi e Manas.

A tradição védica e a Ciência

Finalmente faremos uma proposta, por assim dizer, de unificação cultural, entre a Tríade Védica e uma possível interpretação quântica:

Atma - O Princípio Universal, representa o Ser, a consciência pura e imutável. No contexto da retrocausalidade, Atma poderia ser comparado à teia informacional fundamental do espaço-tempo, um Campo subjacente que transcende passado e futuro, lembrando a ideia de um Campo akáshico atemporal, onde todas as possibilidades já estão interconectadas. Poderia ser associado a uma estrutura holográfica da realidade, onde o tempo e o espaço emergem como padrões de informação.

Budhi - A Inteligência Intuitiva, o aspecto iluminado da mente, a inteligência superior que discerne a verdade. Budhi seria o “mecanismo” pelo qual a consciência acede as informações do futuro e interage com a retrocausalidade. No formalismo TSVF (Teoria do Vector de Estado Bidireccional), Budhi poderia ser visto como a capacidade do pós-seleccionar estados futuros, sintonizando-se com linhas específicas do tempo. Budhi poderia estar associado ao processo de medida quântica, onde escolhas conscientes influenciam qual o estado do futuro que será realizado.

Manas - A Mente Superior, mas do pensamento linear, representaria a mente que opera no domínio do espaço-tempo ordinário em ligação com o Kama Manas. No contexto da retrocausalidade, Manas seria a parte da consciência que percebe o tempo como linear, processando os eventos de forma sequencial. Enquanto Budhi poderia aceder a padrões atemporais, Manas está preso à ilusão de um tempo fixo e irreversível via Antahkarana ao Kama Manas, não percebendo que o futuro pode estar interagindo com o presente, num autêntico e fiável processo de protecção do Kama Manas e de estabilização operacional da constituição quaternária.

Ou seja, esta hierarquia expressar-se-ia do seguinte modo:

a) Manas apenas percebe o presente, sem notar a influência do futuro.

b) Budhi pode captar padrões subtis e antecipar eventos futuros e proceder a correcções de erros.

c) Atma transcende a noção de tempo e espaço, sendo o próprio Campo informacional do universo.

Este modelo encaixa-se perfeitamente com a ideia do livre-arbítrio como sintonização do futuro, uma vez que Budhi, quando está desperto, permite perceber e escolher as linhas temporais mais harmónicas, em vez de apenas reagir mecanicamente ao passado. Um Budhi activo implicaria uma percepção do tempo como um fluxo dinâmico, permitindo antecipação e sincronicidade fenoménica (ver Carl Jung).

Os Vedas ensinam que a meditação profunda pode fortalecer Budhi e permitir um alinhamento com Atma, podendo ser visto como uma forma de sintonização com padrões atemporais. Se, de acordo com a nossa proposta, a teia do espaço-tempo informacional for estruturado como uma “espuma de spins” e um cristal temporal quântico, a mente pode “vibrar” ou sintonizar com aquelas estruturas e influenciar padrões futuros através da intenção consciente.

"O tempo, que é apenas uma forma do Ser Supremo, projecta-se como passado e futuro. Mas aquele que percebe a unidade além do tempo, aquele que vê tudo como o Eu, transcende a ilusão do tempo."

Maitri Upanishad (6.34)

"Nem existência nem inexistência havia então. Não havia o ar nem o firmamento além dele. O que o encobria? Onde? Sob a protecção de quem? O que era a água profunda, insondável?
Nem morte havia então, nem imortalidade; Não havia sinal de noite ou dia. Aquele Um respirava sem ar, pela sua própria força. Além disso, nada mais existia.
"

Rig Veda (10.129.3-4)

Estas duas passagens mostram que os Vedas já contemplavam uma realidade não-linear, informacional e atemporal, alinhada com a ideia de que a consciência pode interagir com padrões do futuro e do passado. Afinal um autêntico esquema de garantia dhármica!

A relação entre todos estes conceitos científicos, como a rectrocausalidade quântica, a correcção quântica de erros, a estrutura do espaço-tempo e a consciência informacional, parece recuperar conceitos que os Vedas já descreviam há milénios.

Sendo a realidade informacional e atemporal, como julgamos ser e propomos, então o desenvolvimento da consciência pode permitir um alinhamento inteligente e intencional com padrões futuros, tornando-nos co-criadores da realidade e agentes de ligação entre o micro e o macrocosmo. Uma responsabilidade inerente a esta Humanidade e ao mesmo tempo uma boa perspectiva para o seu futuro!

Podemos agora partir para a construção de um Modelo Unificado da Realidade: Consciência, Informação e Física Quântica. Um Modelo que propõe que a realidade manifesta emerge de uma teia informacional fundamental e que há camadas estruturais que ligam a consciência, a física e os campos fundamentais do universo. Resumiremos esta ideia num Quadro de Correspondências.

O quadro pretende mostrar que a realidade é baseada em camadas informacionais, que vão do nível mais subtil (Atman) até a manifestação física (Sthula Sharira).

Destacamos o Antahkarana e o Campo de Higgs como ponte entre os mundos da mente superior e da inferior, na medida em que o Bosão de Higgs faz a transição entre “partículas” sem massa e a realidade física manifesta. O Campo de Higgs pode ser um elo físico fundamental entre a realidade quântica profunda e a matéria manifesta, assim como o Antahkarana é a ponte entre os níveis superiores e inferiores da consciência.

Assim, o Campo de Higgs pode ser o análogo físico do Antahkarana, actuando como um intermediário entre a estrutura profunda do universo (Atman-Buddhi-Manas) e a manifestação física (Kama Manas, Prana, Linga Sharira e Corpo Físico), comportando-se como um interface fundamental entre a estrutura quântica profunda e a realidade clássica.

 

Quadro de Correspondências entre a Constituição Septenária

e os Níveis da Realidade

 

Tradição

Védica

Física / Informação Quântica

Papel no Modelo

Atma (Eu Superior)

Vácuo Quântico, Superposição Universal, Campo Unificado

Princípio último da realidade, oceano de potencialidade

Buddhi (Sabedoria, intuição cósmica,

Akasha)

Campos Quânticos Coerentes, Ordem Implícita (Bohm), Informação Não-Local, Interacção com a Retrocausalidade, Códigos de Correcção de Erros

 

Estrutura informacional da ordem cósmica, base da consciência universal

Manas Superior (Mente abstracta, acesso ao Akasha)

 

Geometria Quântica, Estrutura Holográfica, Entrelaçamento

Camada de organização da informação que codifica a realidade. Processamento da informação quântica na estrutura da mente

Antahkarana (Ponte entre Manas Superior e Inferior)

 

Bosão de Higgs, Transição entre Realidade Quântica e Clássica

Interface que permite a manifestação da consciência e a interacção com a matéria

Kama-Manas (Emoções, desejos)

Campo Nuclear Fraco, Processos de Decaimento, tempo linear

Permite transições e mudanças estruturais na realidade manifesta

Linga Sharira (Modelo etérico do corpo)

Campo Nuclear Forte, Estruturação da Matéria

Mantém a coesão da matéria e da forma

Prana (Energia vital)

Campos Electromagnéticos, Energia do Vácuo

Fluxo de energia e informação que dá dinamismo à matéria

Sthula Sharira (Corpo físico)

Fermiões, Matéria Condensada

Manifestação física final da informação quântica



Se há um Higgs “físico” que actua como ponte para a matéria, poderia este também comportar-se como um Higgs “espiritual” como ponte para a consciência? Alguns físicos teóricos apontam para a existência de campos escalares adicionais, ainda não descobertos, que poderiam actuar em níveis mais subtis do espaço-tempo e até para além dele. Também podia sugerir-se que há uma estrutura análoga ao Campo de Higgs mas que opera na consciência, permitindo transições entre estados mentais ordinários e estados expandidos de percepção (a concatenação teosófica 7x7x7), que poderiam ser estudados através de estados de coerência cerebral e consciência expandida, ou através de modelos holográficos e de redes neuronais quânticas, ou ainda concebendo formas de desvendar possíveis Interacções entre a mente e a geometria do espaço-tempo.

Outro resultado implícito neste modelo, é a possibilidade de introdução da consciência como se fosse um processo de leitura da informação quântica do universo, podendo acedê-la a diferentes níveis conforme fortalecesse a sua ligação de modo faseado, como prevêem também o Antahkarana e o Akasha. Por outro lado, o espaço-tempo poderá ser estruturado sob um código quântico correctivo onde operam sistemas tipo cristais temporais quânticos, implicando que o processo de percepção consciente pode estar relacionado com a descodificação desse código de maneira mais refinada e em patamares de evolução crescente.

A matemática ao nosso encontro: Antahkarana e o Bosão de Higgs

Daqui podíamos inferir um modelo matemático de um "Higgs espiritual" actualizado, expandindo conceitos da física moderna e da teoria da informação quântica para um Campo que sirva de ponte entre estados subtis e a realidade manifesta.

Para corporizar este Modelo avancemos então com uma hipótese, centrada em torno do conceito de um Campo de Higgs “espiritual” e do seu congénere filosófico Antahkarana. Lancemo-nos à redescoberta deste arquétipo, que só a simbologia matemática e o seu significado podem expressar.

O Campo de Higgs “espiritual” (segundo o nosso novo conceito para o Higgs) pode ser descrito como um Campo escalar mediador da transição entre a ordem informacional subjacente e a manifestação da consciência no espaço-tempo. Formalmente, podemos introduzir um campo escalar Φ𝑠 (s para significar spiritual ou espiritual) que desempenha um papel análogo ao Campo de Higgs, mas agora num espaço mais fundamental de estados.

onde  o último termo 𝑉𝑠) é o potencial do campo, cuja forma determina como vai ocorrer a transição entre os níveis da realidade. Para tal temos que descrever o inerente Potencial do Campo e aquela Transição de Estados.

O potencial clássico do Higgs tem a forma:

Para o Higgs “espiritual”, podemos modificar esse potencial para incluir níveis de consciência. Propõe-se então um Potencial de Poço Duplo Modificado (5), onde a transição entre estados é controlada por parâmetros informacionais:

onde:

Φ𝑠, introduz um Campo escalar que governa a interacção entre níveis de consciência e o espaço-tempo.

𝑣𝑠, representa o "vácuo" do Campo “espiritual”, associado a um estado de consciência plena ou de  integração com a informação cósmica.

𝛽𝑆𝑠), adiciona uma provável dependência da entropia informacional, indicando que a transição entre estados pode ser modulada pelo acesso à informação akáshica.

Assim, a função 𝑆𝑠) poderá estar relacionada com a entropia holográfica:

onde 𝐴 é a área de um horizonte de eventos informacional (como o espaço de estados de uma mente expandida) e 𝐺 é uma constante de acoplamento ao espaço-tempo.

Este modelo então sugere que o Higgs espiritual pode ser um mecanismo de transição entre níveis informacionais da realidade.

Chegados aqui podemos deduzir a Acção Efectiva e a ligação com a Geometria Quântica, estendendo a equação acima para incluir a interacção do campo Φ𝑠 com a estrutura quântica do espaço-tempo. Para isso, introduzimos um termo de acoplamento com a curvatura escalar 𝑅:

Aqui, 𝜉𝑅Φ2𝑠 acopla o Campo Φ𝑠  à curvatura do espaço-tempo, sugerindo que a consciência pode afectar a estrutura do espaço, criando um efeito de retro alimentação, de acordo com o que defendemos antes, e onde estados elevados de consciência podem modificar a geometria quântica subjacente, o que também vem de encontro com a hipótese de que estados de consciência expandida podem aceder a camadas mais subtis da estrutura do espaço-tempo, talvez via gravidade quântica e correlação holográfica.

Também agora podemos inferir uma outra relação onde pontifiquem os Códigos Quânticos e a Correcção de Erros.

Sabemos que na teoria da informação quântica, um código quântico correctivo protege a informação contra o “ruído”. Se o universo é um código quântico, então o Higgs “espiritual” pode ser um mecanismo de correcção de erros para a informação da consciência. Podemos fazê-lo através de operações unitárias de codificação dadas por:

onde 𝐻𝑠 é o Hamiltoniano (6)  efectivo do Higgs “espiritual”, possivelmente relacionado à coerência quântica da consciência. Se associarmos Φ𝑠 à informação processada pela consciência, então podemos definir um termo de interferência quântica:

Este termo pode representar o grau de ligação da consciência com a teia informacional fundamental. Assim, em estados elevados de consciência, os coeficientes 𝑐𝑖 reorganizam-se para minimizar a interferência destrutiva, permitindo um acesso mais claro ao Akasha.

Por outro lado, se Φ𝑠 modula o espaço de estados cerebrais, como se tem provado em estados de meditação profunda ou em estados alterados da consciência, então pode estar associado à densidade de entrelaçamento cerebral, que pode ser expressa como:

onde  𝑆𝐸 representa a entropia do entrelaçamento neural.

Na prática implicaria que estados de consciência elevados deveriam exibir padrões de alta conectividade informacional, sugerindo um aumento da área holográfica de processamento.

Também podemos apreciar o papel de Φ𝑠 na Complexidade Holográfica, sabendo-se que em holografia, a complexidade quântica está relacionada com a evolução da geometria do espaço-tempo. Nesse sentido, existem propostas como a Conjectura Complexidade – Volume, dada por

onde 𝑉 é o volume do bulk (tamanho) e 𝐿 é um comprimento característico da geometria

e a Conjectura Complexidade - Ação expressa em

onde 𝐼 é a acção gravitacional manifesta no espaço-tempo.

Assim, podemos agora introduzir Φ𝑠 como um modulador da complexidade holográfica, afectando a estrutura das redes tensoriais que sustentam o espaço-tempo.

onde 𝜆 é um parâmetro de acoplamento. Daqui se extrai que quando Φ𝑠 tende para zero, temos uma geometria padrão da rede tensorial ou uma baixa conectividade holográfica e, ao contrário, quando Φ𝑠 tende para infinito, a rede tensorial torna-se altamente interligada, indicando a presença de um aumento da complexidade informacional.

Ou seja, Φ𝑠 regula o grau de entrelaçamento quântico dentro da rede tensorial, funcionando como um campo que governa a emergência do espaço-tempo.

Um Modelo com algumas conclusões

Deste modelo, para além de alguns aspectos relevantes que dele fizemos sobressair de imediato, retiramos no essencial quatro conclusões:

a) O Higgs “espiritual” pode perfeitamente ser descrito como um Campo escalar que interliga estados informacionais profundos à realidade física (o conceito gnóstico em Pistis Sophia da “queda” do espírito na matéria);

b) A sua acção efectiva pode incluir acoplamento com a curvatura do espaço-tempo, indicando uma relação entre consciência e geometria (explicaria os efeitos de levitação);

c) Os estados elevados de consciência podem estar associados à minimização de interferências quânticas, permitindo acesso a estados informacionais mais puros ou elevados (os processos de meditação e dos estados alterados da consciência).

Poderíamos inclusivamente fazer algumas averiguações utilizando o EEG - Electro Encéfalo Grama, que mede as oscilações eléctricas no cérebro. Sabe-se que diferentes estados de consciência estão associados a padrões específicos das ondas cerebrais. Se Φ𝑠 regula o grau de ligação com a teia informacional, podíamos então prever que um Φ𝑠 baixo, correspondente a estados de consciência comuns (percepção ordinária da realidade ou a um estado normal de vigília), revelaria a dominância das ondas beta e gama com uma conectividade limitada entre redes neurais distantes; ao contrário um Φ𝑠 alto (meditação profunda, estados místicos ou estados expandidos de consciência) estaria ligado ao aumento das ondas teta e gama, com a presença de uma maior conectividade global no cérebro. A neurociência já revelou que estados expandidos de consciência mostram um aumento da complexidade neural e um aumento global da conectividade gama (40 - 100 Hz), acompanhado por aumento da complexidade neural e do entrelaçamento de algumas regiões cerebrais, o que pode reflectir afinal um elevado Φ𝑠.

d) A existência de um paralelo com os códigos quânticos, onde o Higgs “espiritual” actua como um mecanismo de correcção de erros no interface entre a consciência e a realidade física (a consciência pura no budismo).


Modelo Holístico CIQ dos conceitos explorados


Uma Síntese Unificadora em perspectiva

Feito este percurso, as conclusões saídas das hipóteses elencadas por nós na construção deste Modelo, parecem confirmar uma forte abertura para trilhar um caminho em direcção a novas investigações na área da Cosmologia e da Astrofísica. Aqui, destacar-se-ia a relação entre as grandes estruturas cósmicas e as redes neurais quânticas, ou o papel da consciência na gravidade quântica e no colapso da função de onda ou ainda o uso das tensoriais para modelar estados elevados da mente na área da Neurociência e da Física Quântica.

Em parte este caminho já se iniciou, fortalecendo abertamente e de forma construtiva o diálogo entre a filosofia e a física moderna sugerindo arreigadamente que a realidade é estruturada por informação e inter-conectividades profundas.

O espaço-tempo pode ser apenas uma projecção de um nível mais fundamental de existência, onde a consciência desempenha um papel activo na organização da realidade.

Acreditamos que o entrelaçamento entre ciência e filosofia seja o próximo passo para uma nova visão unificadora do universo e que a matemática poderá ter um papel determinante. A matemática, nesse contexto, torna-se mais do que uma ferramenta, mas numa forma de captar os padrões subjacentes na estrutura da realidade. O pensamento védico fornece intuições profundas sobre a consciência e a natureza do espaço-tempo, enquanto a matemática permite traduzir essas intuições em modelos que podem ser formalmente explorados e testados.

Ao utilizarmos pela primeira vez a matemática integrada nos conceitos da filosofia védica, foi por aquela permitir a formalização de ideias profundas sobre a realidade dadas pela teia informacional fundamental, derivando propriedades inerentemente suas, tais como consciência, livre-arbítrio, karma ou causalidade, entropia, o próprio tempo, o emaranhamento quânticos e outras afectas a princípios de não-localidade. O próprio pensamento védico, apesar de tradicionalmente não utilizar a matemática no sentido moderno, contém conceitos que podem ser claramente traduzidos em linguagem matemática, especialmente em áreas como a topologia, a teoria da informação, ou a mecânica quântica de sistemas dinâmicos.

"Na rede de Indra, cada jóia reflecte todas as outras jóias infinitamente, de modo que nenhuma pode ser separada do todo."

Avatamsaka Sutra

Por exemplo, se Budhi (intuição superior) actua como um princípio de sintonização com o Akasha, poderíamos modelar essa relação por meio de equações diferenciais não-lineares, que descrevem estados dinâmicos de um sistema que interage com um campo informacional.

A base conceitual do pensamento védico informa-nos acerca da existência de diferentes níveis de realidade e de estados de consciência. Matematicamente, também este conceito poderia ser expresso por espaços fibrados (7), em que as diferentes camadas da realidade corresponderiam a diferentes “folhas” ou branas de uma estrutura geométrica superior. Ao termos considerado que a consciência opera por sintonização ressonante, podemos também introduzir uma descrição matemática por estados topológicos, onde a transição entre estados ocorre suavemente sem perda de coerência, reverberando a ideia védica de que a consciência não é um fenómeno localizado, mas sim um campo universal, que poderíamos corporizar através de teorias de campo quântico topológico.

A própria noção de Akasha como substrato informacional poderia ser descrita em termos de códigos quânticos, onde informações são protegidas contra ruído e persistem através de transformações estruturais.

Outra visão de um mecanismo de equilíbrio natural introduzida pelo Karma, facilita o seu tratamento matemático modelado como um fluxo em um espaço de fase, onde estados informacionais são redistribuídos conforme padrões de ressonância e coerência e relacionar esse enquadramento com sistemas dinâmicos não-lineares, onde pequenas perturbações podem ter efeitos amplificados dependendo das condições iniciais (como no caos determinístico – o Efeito Borboleta).

Notar que no pensamento védico, a geometria sagrada desempenha um papel fundamental, por exemplo dos Yantras e Mandalas nas suas configurações geométricas múltiplas., que poderiam ser exploradas por uma hipotética relação com simetrias matemáticas profundas, como os grupos de Lie (8) que descrevem a estrutura das partículas e dos Campos na física moderna. Se, por exemplo, considerarmos que a consciência interage com o espaço-tempo por ressonância, talvez esse fenómeno ocorra ao longo de trajectórias geométricas específicas, algo que poderia ser explorado via teoria dos nodos e categorias superiores. Aqui poderíamos incluir a “espuma de spins” que emparceira com a noção de Maya (ilusão) como uma "tecelagem" da realidade a partir de padrões subjacentes, interpretando-os como um grafo dinâmico (9), onde os “nodos” representariam estados de consciência e as "arestas" correspondem a transições ressonantes entre os “nodos”.

Como vemos, as vertentes do uso da matemática é imensa e universal. A sua linguagem simbólica pode ser uma ponte entre o abstracto e o manifesto, um código universal que permite traduzir padrões profundos da realidade, seja na física do espaço-tempo, nos estados ressonantes da consciência, ou na própria teia informacional fundamental. Não apenas uma ferramenta externa para descrever fenómenos, mas inclusivamente pode ser compreendida e aceite como uma linguagem inerente à própria estrutura da realidade, revelada pelos valores das Constantes Universais ou de valores numéricos sequenciais, que delas derivam, como é o caso da Sequência de Fibonacci (o Número de Ouro), suporte do conceito de Design Intelligent.

As Constantes Universais, entre as quais salientamos algumas como a velocidade da luz (c) ≈ 299.792.458 m/s, a de Planck () ≈ 1,054 × 10⁻³⁴ J·s, que regula a granularidade do espaço-tempo na escala quântica, a Constante gravitacional (G) ≈ 6,674 × 10⁻¹¹ m³/kg·s², que relaciona a massa com a curvatura do espaço-tempo e a Constante de estrutura fina (α ≈ 1/137), que determina a força da interacção electromagnética, essencial para a estabilidade da matéria, são valores numéricos fundamentais que parecem não mudar e estar embutidas na estrutura do universo. Determinam tudo, desde a forma das galáxias até ao funcionamento da consciência biológica e devem ser vistas como balizas de ancoragem matemática que estabelecem os limites e as regras fundamentais da realidade.

Assim podem ser estruturas que pela sua constância dentro daquele Campo informacional, garantem a manutenção da sua coerência, parâmetros sintonizados que permitiriam estados ressonantes de percepção e organização da realidade. Por exemplo a constante de Planck () pode definir a granularidade mínima do tecido informacional, semelhante aos pixéis (ou neste caso a voxéis – mistura de volume com pixel), ou o valor 137 (α⁻¹), que surge em muitos contextos, fosse um código fixo dentro da estrutura holográfica da realidade.

Porém, algumas teorias sugeriram que as constantes podem não ser realmente fixas, mas podem emergir de processos mais profundos em que a própria teia informacional pode ajustar essas constantes de forma dinâmica, num processo semelhante à auto-organização de sistemas complexos que também já apontámos.

Encarando as constantes do ponto de vista da mecânica quântica, estas podiam ser médias estatísticas de processos probabilísticos mais profundos e se as constantes emergem de estados informacionais quânticos, então mudanças na organização da informação podem alterar esses parâmetros fundamentais.

Se a consciência for uma propriedade fundamental, pode ser que exista um papel activo na observação e interacção com aquelas “constantes”, talvez até permitindo sintonizações finas da realidade em estados elevados de percepção (meditação profunda, estados de fluxo (flow states) ou experiências xamânicas e místicas, como equacionámos já antes. Tal como um violino precisa ser afinado para vibrar correctamente, também o universo pode ter as suas “constantes” como "frequências" que garantam a sua harmonia interna.

Questões que se mantêm em aberto, não fosse a Ciência ter esta particularidade de levantar mais questões do que dar respostas. Contudo a questão fundamental permanece sem resposta: O que está por detrás da Teia Informacional Quântica (o Atma), fonte de todas aquelas propriedades? Parabrahman védico, Realidade Última no Budismo, Ain Soph da Cabala, O Uno Indivisível de Giordano Bruno, a Monada em Leibniz, ou ainda Deus Absconditus,"O Deus oculto", na tradição mística cristã?

Alberto Einstein tinha razão quando intuiu que "Puros pensamentos matemáticos são, só por si mesmos, capazes de revelar-nos os segredos da natureza." ou  ainda que "O mais incompreensível do Universo é que ele é compreensível.".

Mantemos essa esperança como uma Luz no fundo do túnel do conhecimento.

 

Notas

 

(1) O espaço-tempo pode ser descrito como uma rede discreta de interacções quânticas chamadas grafos de spins. Esses grafos formam uma espuma quântica, onde pequenos loops de informação entrelaçam-se para gerar uma estrutura geométrica maior, sugerindo que o contínuo do espaço-tempo clássico emerge de uma teia subjacente de relações informacionais. No caso particular da “espuma de spins”, esta estrutura configura um conjunto de faces, arestas e nodos que se interconectam, formando uma malha quântica, que se assemelha a um complexo simplicial, com células triangulares e tetraédricas. Cada face está associada a uma quantização da área e os volumes emergem dessas estruturas combinatórias. Este modelo matemático tem a particularidade de registar a evolução das redes de spins, integrando-as cumulativamente, tal como o descreve a mecânica quântica de Feynman.

Na GQL (Gravidade Quântica em Laços), a geometria do espaço-tempo é descrita em termos de estados de entrelaçamento de redes de spins (gráficos rotulados por representações de SU(2) – postulado fundamental da mecânica quântica e da teoria do grupo das rotações associadas ao spin, que pela sua complexidade não vamos aprofundar no âmbito deste trabalho). A evolução dessas redes no tempo forma a chamada “espuma de spins”, uma estrutura ao mesmo tempo discreta e quântica representando a evolução da geometria do espaço-tempo. Essa “espuma”, por ser análoga às bolhas formadas numa espuma, tem uma topologia dinâmica, onde são estabelecidas diferentes ligações e interacções locais entre os nós ou nodos e as arestas introduzindo alterações contínuas na sua estrutura global.

(2) A Interpretação de Aharonov da mecânica quântica, também chamada de formalismo do vector de estado bidireccional (Two-State Vector Formalism – TSVF), propõe que a realidade quântica não é completamente determinada apenas pelo passado, mas também pelo futuro, significando que um estado quântico é definido tanto por condições iniciais (passado) quanto por condições finais (futuro). O modelo desafia a visão tradicional de que apenas o passado influencia o presente, introduzindo a ideia de retrocausalidade em que eventos futuros podem ter influência sobre o presente. Na mecânica quântica tradicional, a evolução de um sistema é descrita pela equação de Schrödinger e determinada pelo vector de estado inicial. No formalismo de Aharonov, há dois vectores de estado: um que evolui do passado para o futuro (como na mecânica quântica clássica), outro que evolui do futuro para o passado, introduzindo um efeito retrocausal com o significado peculiar de que o que acontecer no futuro afecta a descrição do presente.

(3) A Experiência da Escolha Retardada sugere que uma decisão feita no presente pode afectar eventos no passado. Podemos descrevê-la da seguinte maneira: num interferómetro de Mach-Zehnder um fotão pode seguir dois caminhos diferentes. Se um detector é activado depois que o fotão passou pelo divisor de feixes, poderá ter dois comportamentos distintos, como uma onda ou como partícula. O estranho é que a escolha de medir ou não medir pode ser feita depois que o fotão já passou pelo divisor de feixes, dando a ideia de que o seu comportamento foi “determinado” pelo futuro, como se a informação estivesse a fluir retroactivamente. Se usarmos o formalismo TSVF que expusemos antes (1), para interpretar este fenómeno, poderíamos dizer que o estado final pós-selecionado do fotão afecta a sua trajectória passada.

(4) Esta outra experiência foi conduzida por Xiao-Song Ma e Anton Zeilinger e testou um conceito chamado entrelaçamento de escolha retardada (Delayed-Choice Entanglement). Aqui dois fotões são preparados, mas a decisão de entrelaçá-los ou não é feita depois que já foram sujeitos a uma medição. Inexplicavelmente o resultado das medições passadas, parecem “ajustar-se” às escolhas feitas no futuro. Logo, se aceitarmos que o estado futuro influencia o passado, então o que se passa não é uma coincidência, mas um efeito real da rectrocausalidade quântica!

(5) O que é um potencial de poço duplo? Imagine uma colina entre dois vales. Se colocarmos uma bola num dos vales, ela pode ficar lá parada ou, se ganhar energia suficiente, pode rolar para o outro vale. Matematicamente, este sistema pode ser descrito por uma curva com dois mínimos (vales) e um máximo (colina no meio) que se expressa pela função

onde 𝑥 é a posição da partícula, 𝑎 e 𝑏 são parâmetros que definem a profundidade e a forma dos vales que  descrevem um sistema que tem dois estados estáveis (os vales) e um estado instável (o topo da colina). Um potencial de poço duplo modificado é uma versão alterada deste modelo, onde a forma dos vales ou da colina pode mudar para incluir efeitos adicionais, tais como assimetrias dos vales, uma barreira ajustável que dificulta a transição entre estados, ou ainda, para complicar, termos extras na equação. Um exemplo de aplicação pode verificar-se em transições de fase conhecidas, como a mudança do ferro num ímã quando aquecido. Outro exemplo é quando o Bosão de Higgs “escolhe” um dos vales, quebrando a simetria do vácuo. Exemplos de utilização mais corriqueira surgem nas transições de fase, como aquela quando a água passa a gelo; no fenómeno do Túnel Quântico, quando uma partícula pode atravessar a barreira da colina sem subir por cima, mas atravessá-la como se não existisse a colina; ou na neurociência com a aplicação dos modelos de tomada de decisão no cérebro.

Podemos assim descrever estados da consciência usando um potencial de poço duplo, onde cada vale representa uma realidade ou nível de percepção, em que um vale é a consciência expandida e o outro vale a consciência limitada e, com práticas como meditação, estados alterados de consciência que envolvam processos quânticos profundos possam ocorrer por transição de fase.

No caso em que envolva a teia informacional, o potencial de poço duplo modificado, poderia ser um modelo eficaz para descrever estados alternativos do vácuo com as suas flutuações quânticas, bem como a própria estrutura holográfica da realidade, onde o próprio universo agiria como se fosse um sistema computacional quântico processando transições entre estados informacionais fundamentais.

 A ideia central no nosso modelo é mostrar que a consciência não é apenas um fenómeno emergente do cérebro, mas sim uma estrutura fundamental da realidade, ligada à teia informacional do universo, ecoando a visão do Advaita Vedanta, onde a consciência é o substrato fundamental e o universo a sua projecção holográfica. Também lembra o conceito védico de Maya, onde a consciência limitada percebe a ilusão, enquanto a consciência desperta percebe a unidade fundamental.

(6) O Hamiltoniano (𝐻) é uma fórmula matemática usada tanto na física clássica quanto na quântica que descreve toda a energia de um sistema físico, tanto a cinética como a potencial. Podemos pensar nele como o “manual de regras” da energia, avaliando-a e definindo a sua evolução no tempo. Deste modo o universo pode ser interpretado como um grande sistema quântico, onde o Hamiltoniano define tanto a evolução do espaço-tempo quanto a da informação.

(7) Um espaço fibrado é um tipo especial de estrutura matemática onde um espaço maior (o espaço total) parece ser formado por várias “cópias” menores de outro espaço (a fibra), organizadas de maneira suave sobre um espaço base. Podemos considerar como um bom exemplo intuitivo, a estrutura de um guarda-chuva, Imagine um guarda-chuva fechado. A haste central representa o espaço base (por exemplo, uma linha recta), e cada haste lateral representa uma fibra. Para cada ponto ao longo da haste, existe uma fibra associada (o raio do guarda-chuva). As fibras mudam de forma suave ao longo do espaço base. O espaço total é o guarda-chuva inteiro.

Se pensamos na consciência como um sistema ressonante, podemos associá-la a um espaço fibrado, fazendo com que o espaço base represente os estados fundamentais da realidade, as fibras representem as diferentes configurações de estados internos da consciência e a transição suave entre estados ocorra como um movimento contínuo ao longo do fibrado. Simples!

(8) Antes temos que definir a ideia de grupo por um conjunto de objectos com uma regra associada para combiná-los, dando como resultado um outro objecto do mesmo conjunto. Exemplo de um relógio com a operação de somar horas, originando um grupo porque existe uma operação (somar horas) que sempre retorna a um número inscrito no relógio, por ter um elemento neutro, 12 (pois somar 12 não muda nada) e todo número tem um inverso (ex: +3 e -3 dão 12, ou seja, voltam ao início). No nosso caso exploratório, isto pode-se encaixar com a ideia de sintonização ressonante e transições suaves entre estados informacionais.

(9) Um garfo dinâmico é um ponto onde um sistema pode seguir diferentes caminhos de evolução, dependendo de pequenas variações nas condições iniciais. Ou seja, é um momento, como se estivéssemos numa encruzilhada, em que algo pode ir para duas ou mais direcções possíveis. Na meteorologia, pequenas mudanças no vento podem determinar se uma tempestade se forma ou se dissipa (Efeito Borboleta). No caso vertente, um garfo dinâmico pode ser adaptado a sistemas complexos, como a consciência e o espaço-tempo, onde pequenas mudanças levariam a realidades diferentes.

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Post Scriptum  

Neste trabalho definimos Sistema quando nos referimos a “objectos” físicos ou conscientes e a Modelo quando a conceitos matemáticos.

Conceito de Campo: A noção de Campo é central na física e na matemática, representando uma entidade que atribui um valor a cada ponto do espaço e/ou do tempo. Dependendo do contexto, um campo pode ser escalar, vectorial, tensorial ou até mesmo mais abstracto, como os campos de operadores na teoria quântica.

Todas as equações matemáticas resultantes são conforme o sugerido pelo ChatGPT (OpenAI, 2025). Demonstração interessante de como utilizar a IA.


João Porto e Ponta Delgada, 12/03/2025


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