sexta-feira, 16 de abril de 2021

Astrosofia, a astronomia ancestral

 







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“Sujeito e objecto são uma só. Não se pode dizer que a barreira entre eles tenha ruído em consequência da experiência recente nas ciências físicas, visto que tal barreira não existe.”

Erwin Schrodinger

 

Astrosofia, literalmente sabedoria dos astros, acredita-se ser a mais antiga ciência conhecida sobre o nosso planeta. Faz parte integrante dos primórdios da cultura humana colocando a consciência como “objecto” matricial transversal a todo o Universo e integrando o ser humano e o ambiente numa dinâmica relacional estreita.

O Homem percebeu desde cedo a relação íntima entre as coisas vivas da Terra – a mãe natureza, e as coisas vivas do céu – os arquétipos. No despertar da consciência atribuiu outro significado aos movimentos intrigantes dos astros. Reparou nos agrupamentos de estrelas em determinadas regiões do céu relacionadas com eventos terrestres do clima, do crescimento vegetal ou das transumancias animais. Percebeu que a sua sobrevivência dependia do estabelecimento de uma relação harmónica com o Universo que o rodeava. A sincronicidade dos eventos naturais com a biologia humana e animal em geral tomou significados por um lado concretos e também transcendentes por outro lado, referenciados em rituais cronologicamente estabelecidos e de mímica fenoménica, cuja interpretação competia aos que assumiam estados de consciência elevados, às vezes por meios artificiais, que os aproximavam da revelação.

A disrrupção na natureza, catástrofes ou eventos extremos, representava forçosamente um desequilíbrio nessas forças ocultas que reinavam na natureza. Essas forças ocultas poderiam ser redimidas pela assunção de comportamentos convenientes que reporiam a normalidade. A Terra, e todas as coisas viventes e não viventes, representavam um organismo vivo com todos os seus subsistemas interdependentes, que acumulava a informação relativa a todos os acontecimentos num feedback contínuo. Esta é ainda hoje a concepção Gaia fortemente arreigada às bases teóricas do Panpsiquismo.

Saído de uma evolução natural, tendo absorvido todas as circunstâncias que o rodeavam, tanto na competição como na colaboração com as espécies de maior proximidade, onde a condição inferior ou superior era muito relativa, o Homem, o “bom selvagem”, trazia consigo a carga genética, o inconsciente colectivo da espécie, a constituição holomorfogenética necessária à expressão da consciência.

É em Carl Gustav Jung que surge o conceito do “inconsciente colectivo” que molda o ser humano como um ser colectivo, como um representante de sua espécie num determinado momento de desenvolvimento histórico, desde os tempos ancestrais, onde os arquétipos, género imagens arquiprimitivas gravadas na mente, são já parte do património comum daquela humanidade, reflectindo-se posteriormente em todas as mitologias como expressão do “inconsciente colectivo”.

Os arquétipos pré-existentes, construções de um passado de cuja condição o Homem primitivo se afastava de dia para dia, evoluíam lentamente impulsionados tanto pela amenidade dos fenómenos naturais como pelas condições adversas. O Sol iria tornar-se menos agressivo na sua actividade influenciando os climas, estabilizando o geomagnetismo terrestre, protegendo o ambiente dos raios cósmicos e da radiação ultra-violeta; a Lua distanciar-se-ia permitindo que o gigantismo desse lugar a outras naturezas mais conformes, estabelecendo ciclos biológicos mais adequados e, as agressões meteoríticas e cometárias seriam mais clementes. Os impulsos eram cíclicos e transformantes: basta analisar os sucessivos extractos geológicos. Havia urgência na futura humanização do planeta como ser vivo global.

A consciência, sendo sobretudo fenómeno numénico e de natureza quântica, haveria de promover rupturas epistemológicas na evolução da recente espécie humana, sujeita que estava, está e sempre estará, às influências aditivas e construtivas do emaranhamento dos campos quânticos que se estendem por todo o cosmos. Sempre o Homem sentiu essa presença, uma presença natural da qual se foi afastando progressivamente.

Desse afastamento surgiu a astrologia, vertente prática e utilitarista da Astrosofia. Supostamente descortinaria as melhores confluências e influências astrais para orientar as trocas de bens, as viagens, as relações, a guerra e a paz, e se transformaria num instrumento de dominação deitando por terra o “religare” original, aquilo que unia o Homem ao Cosmos.

Atestam-no ainda os Xamanes das mais diversas culturas, ditas primitivas, em fase acelerada de extinção.

Como se realiza esta união? Os princípios da Física Quântica e a estrutura do Modelo Padrão quando aplicados ao modelo da Constituição Septenária, alargam os nossos horizontes dando outro significado abrangente e unificador a toda a natureza, mais densa ou mais subtil, perpassando esta nova percepção do Cosmos a todos os níveis da existência. Modernamente tanto a Cosmologia como a Astrofísica perdem diariamente a fronteira que as distinguia de doutrinas mais esotéricas e da própria ficção científica mais exótica. Poderíamos citar um sem número de teorias que tentam explicar a Vida, a Consciência e a Inteligência como mais uma propriedade quantificável da existência. No entanto bastar-nos-á apontar, de forma muito resumida, algumas mais conhecidas:

1. A teoria do Big Bang, nas suas mais diversas variações, afirma por base que tudo teve uma origem comum pressupondo que tudo o que existe no momento presente e futuro esteve em contacto. Segundo a Física Quântica, os fenómenos de superposição, do estado de probabilidade e simultaneidade onda-partícula, é o reconhecimento implícito da passagem de uma natureza de uma dimensão física para outra de dimensão mais subtil. A Superposição, a não-localidade e o fenómeno do emaranhamento, de que já temos aplicações práticas pouco ou nada compreendidas na computação quântica, poderão derivar desta partilha original comum o que implica que dois objectos distanciados por milhares de milhões de anos-luz estão permanentemente interligados. Uma partícula ao interagir com outra, mantém um vínculo que não depende do espaço e do tempo. É como se estabelecessem uma comunicação telepática, registando ambas o que ocorre uma com a outra. Será a omnisciência e omnipresença que surgem da profunda união das concepções relativistas com a mecânica quântica.

 

2. A Teoria IIT - Integrated Information of Consciousness de GiulioTononi, na qual a evolução física dos subsistemas é concebida nos termos de um processo integrado quantificável matematicamente por uma variável designada Φ (Phi). Assim, sistemas tais como o cérebro humano seriam o culminar de um Φ muito alto enquanto a inexistência de consciência (uma rocha) significaria um Φ nulo.

A integração da informação inerente aos subsistemas (as partes) no Todo, fariam com que o Todo fosse maior que o conjunto das partes. Esta ideia tem conduzido a tentativas infrutíferas de construir modelos computacionais albergando componentes biológicos na ânsia de que fosse atingida uma espécie de massa crítica necessária ao aparecimento da consciência. Esta situação faz da teoria da informação uma área de pesquisa relativamente recente colocando-a na vanguarda da investigação de ponta profundamente ligada aos fundamentos da mecânica quântica.

3. A Teoria do Network Neuronal olha para o Universo como um ampla rede de ligações estabelecidas entre os aglomerados e superaglomerados de galáxias, estendendo-se por biliões de anos-luz e formando estruturas como a Laniakea com mais de 100 000 galáxias onde se inclui a nossa e o Grande Aglomerado da Virgem. Outros dois superaglomerados vizinhos foram também detectados, a saber o Superaglomerado de Shapley e o Superaglomerado de Perseus-Pices. Estas estruturas titânicas condicionariam a curvatura do espaço conferindo gravitacionalmente a distribuição e movimentação das grandes massas de grupos de galáxias e de estrelas. A descoberta destas tendências conjuntas através dos actuais meios observacionais da Astronomia, parece confirmar esta teoria e aspectos particulares da fluidez da expansão do universo. Estes networks seriam os veículos utilizados pelo trânsito de informação inter-galáctica que faria do Universo uma estrutura única onde a actividade dos Buracos Negros seria uma peça fundamental. A recente descoberta (2019) de jactos, detectados em frequências rádio, ultrapassando extensões de milhões de anos-luz entre aglomerados de galáxias e a formação de campos magnéticos e de fluxos de partículas relativísticas, veio confirmar aspectos desta teoria.

4. A Teoria do Universo Holográfico criado pelo físico Leonard Susskind, nos anos 90 do século passado, revela também a unidade básica do universo. Mostra-nos que não podemos decompô-lo em unidades infinitamente pequenas ou grandes com existências independentes, tal como a física quântica o demonstra à escala pequeníssima de Planck (10-35). Pelo contrário, ao penetrarmos nos menores constituintes conhecidos, evidencia-se uma teia complexa de relações entre as várias partes com o todo unificado. Esta teoria replica a estrutura holográfica bidimensional 2D dos Horizontes de Eventos dos Buracos Negros na própria estrutura geral do Universo como se ela fosse uma emanação em 3D. Daí distar apenas um passo para que o Universo tenha tido origem nos Buracos Negros Primordiais.

A Astrosofia vê-se assim reforçada pelas concepções mais modernas saídas da Astrofísica, da Cosmologia e da Física Quântica. Conceber influências espaciais dos mais diversos tipos, é uma tarefa que agora está ao nosso alcance de uma forma segura, alicerçadas nas provas dos instrumentos mais recentes e poderosos dedicados à investigação científica. Destes poderemos citar a plêiade de observatórios espaciais que vasculham o universo nos mais diversos comprimentos de onda (Fermi, Spitzer, Panstarrs, Kepler, Observatório Chandra Raios-X, Observatório de Raios Gama Compton, etc), o futuro James Webb Space Telescope, ou as grandes máquinas com dezenas de quilómetros como o Grande Colisionador de Hadrões, o LIGO - Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory, ou ainda mega telescópios terrestres (como exemplos o futuro Square Kilometre Array ou o Extreme Very Large Telescope – EVLT, o observatório de neutrinos instalado nas profundezas de um glaciar na Antárctida – o IceCube, o maior radiotelescópio do mundo, o FAST na província chinesa de Guizhou, entre muitos outros.

A Astrosofia assume o modelo fractal que está na base da natureza holográfica da matéria do mesmo modo que as últimas teorias sobre a origem do Universo, como vimos anteriormente. O fractalismo está presente na fórmula 4-3-2-1 da Tetraktys pitagórica bem como na estrutura da doutrina dos Manvataras (os “Mentores, os Manus ou avatares cósmicos) em que a partir de uma fracção do todo em particular, se pode construir o todo completo sob a precisão de fórmula matemática. É o número de ouro que se reflecte na estrutura organizativa da natureza, desde as galáxias até ao nautilus.

A influência da estrutura fractal é transversal a todos os fenómenos naturais, de tal modo que não pode ser encarada como uma coincidência. A sua matriz determinou a concepção dos padrões temporais (Manvatara/Pralaya, Eras), os signos da astrologia, a concepção sobre as idades das civilizações, e os Ciclos Yugas védicos. Esta geometria cíclica quando surge está dividida pela influência das fractais, plasmando o “inconsciente colectivo” ou os fluxos fundamentais da energia akáshica e holomorfogenética. É assim que se reflecte depois mais tarde na estrutura dos “idos” dos meses romanos ou mesmo antes no calendário grego luni-solar e na astrologia hinduísta quando cria os milénios dentro das Eras.

A concepção septenária traduz também esta realidade ao perpassar todas as coisas, adaptando a sua terminologia a cada caso específico do micro ao macrocosmo, aos ciclos da cabala hebraica na “Árvore da Vida”, o Caduceu ou ainda os ciclos Dharmicos hinduístas.

Perpassa todas as cosmogonias presentes nas doutrinas religiosas. Religa o humano à sua natureza mais profunda e oculta e está presente no nosso dia-a-dia.

“Morri mineral e converti-me em planta. Morri planta e nasci animal. Morri animal e me converti em homem. Por que, pois, hei-de temer a alguém? Acaso poderei ser menos ao morrer? Na próxima vez morrerei como homem para que me possam nascer asas de anjo, mas também da condição de anjo me elevarei, por que, como ensina o Corão, tudo perecerá, menos a face do Senhor. Outra vez, tomarei o voo por cima dos anjos e me converterei no que a imaginação não pode conceber. Na verdade, voltaremos a Ele”. - Do livro persa, Mathnawi, autor Jalalu’l Din Rumi (1207-1273).

Nesta métrica até aonde poderemos delimitar influências siderais pré-determinadas matematicamente na evolução da espécie humana, sabendo de antemão que tudo se move no Universo? Qual a probabilidade muito concreta de um acontecimento semelhante aquele que retirou da face do planeta os dinossauros, acontecer de novo? Haverá um calendário cósmico gerido por um relojoeiro multidimensional onde estão assentes os acontecimentos futuros já pré-determinados ou teremos o livre arbítrio como opção num campo probabilístico onde apenas o colapso de onda da opção momentânea faz o acontecer?

A questão fundamental que se coloca: poderá a Astrosofia (o conhecimento dos astros) parametrizar a probabilidade de um evento num campo unificado quântico multidimensional e relativístico como parece tendencialmente concluir a ciência actualmente? Esta será a base conceptual unificadora, a religação do Homem e do Universo, apenas uma dualidade temporária e ilusória.

“Poderemos olhar para a matéria como as regiões do espaço onde o campo é extremamente forte (…). Não poderá haver lugar, nesta nova física, para o campo e para a matéria, uma vez que o campo é a única realidade.” – Albert Einstein, Out of My Later Years (Nova Iorque: Philosophical Library, 1956).

 

João Porto e Ponta Delgada, 16 de Abril de 2021


Publicado na revista Fénix da Nova Acrópole Portugal

https://www.revistafenix.pt/astrosofia-a-astronomia-ancestral/


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