quinta-feira, 8 de julho de 2021

A natureza profunda das folhas e a geometria sagrada

     Parque urbano de Ponta Delgada, imagem do autor.


Vem este assunto a propósito de reflexões que afluíram à minha mente durante caminhadas que diariamente faço no parque urbano da minha cidade, ao observar descuidadamente o formato da folhas da diversa vegetação arbórea e rasteira que por ali cresce.

As folhas são um dos principais órgãos do reino vegetal adquirindo formas muito diversas e assumindo funções vitais para a planta. São elas que estão encarregues do fenómeno da fotossíntese e das trocas gasosas com o meio ambiente (respiração e transpiração). Através da primeira convertem os fotões da luz visível em energia biologicamente utilizável por um processo que recentemente foi descoberto e que torna a fotossíntese tecnologicamente tão sofisticada, pois ela, inacreditavelmente, tira vantagem da natureza quântica da luz, a sobreposição ou emaranhamento quântico à temperatura ambiente (1). Um único fotão sensibilizava cromóforos distintos (pigmentos que absorvem a energia) de forma simultânea, envolvidos na formação de cadeias de adenosina trifosfato (ATP) nos cloroplastos, produzindo oxigénio e assimilando dióxido de carbono, tornando-se assim nos pulmões do nosso planeta e produzindo quantidades astronómicas de hidratos de carbono que vão constituir as suas estruturas, desde sementes, raízes, tubérculos, caules, folhas e os seus sistemas reprodutores, as flores. Pela respiração fazem o processo inverso absorvendo oxigénio e libertando CO2. Coloca-se claramente a questão: milhares de milhões de anos antes da nossa existência humana já a natureza havia “compreendido” as bases da mecânica quântica.

Espontaneamente surgiu-me a ideia de que toda a prolificidade que a natureza nos oferece expressa nas suas mais diversas formas e feitios, e que traduzem a sua capacidade de adaptação e de competição entre espécies, deveria ser uma maneira eficaz de dissipação de energia, não fosse o princípio da entropia, motor da evolução, também aplicar-se a esta forma de vida. Contudo suspeitei que algo mais deveria estar por detrás deste aparente caos.

Ao reparar no órgão que sustenta esta forma de vida – as folhas, identifiquei uma forma geométrica comum e redundante a todas elas: o triângulo.

É sabido que a árvore foi utilizada pela filosofia da Kabbala como referência oculta da “Árvore da Vida”, representando a Constituição Septenária ao assumir que a copa representa o quadrado (o quaternário) e as raízes o triângulo (o ternário). O triângulo conjuntamente com o círculo e o quadrado, constituem as principais formas da geometria sagrada. Contudo consubstanciando este aspecto deverá existir um outro ligado á economia de meios de que a natureza é pródiga. A sua sustentabilidade aí reside.

Se repararmos, qualquer que seja o formato considerado de uma folha, esta evolui em torno de uma forma geométrica que se aproxima do triângulo ou de um conjunto de triângulos (quando são compostas) que têm a tendência, nem sempre, de desenvolver formas arredondadas nos seus limbos como é o caso das orbiculares e das reniformes (ver figura 2). Ou seja existe uma complementaridade entre duas formas geométricas: o triângulo e o círculo. Se pensarmos que, geometricamente, uma poderá ser deduzida da outra, não estranharemos essa ligação.

Figura 1 – Geometria nas folhas


Figura 2 – Formatos de folhas. Wikimedia Commons.

Uma folha comum poderá ser representada por dois triângulos partilhando um dos lados e derivados da intersecção de dois círculos (Figura 2).

Figura 3 – Visica Piscis e a origem do formato foliar

É evidente que a base será esta, dois triângulos equiláteros que surgem da intersecção de dois círculos, a famosa vesica piscis, a bexiga de peixe, considerada a semente divina da geometria sagrada, simbolismo esotérico da Criação, cuja altura conjunta corresponde a , assumindo que o valor do raio é a unidade.

A Vesica Piscis representa a relação de duas entidades distintas e a complementaridade dos opostos, a dualidade da existência, mediadores entre um dos círculos que representa a criação da matéria sobre a qual desceu o espírito, a energia da Luz, representado pelo outro círculo, ou seja a relação entre a alma e a Psichê. Para Platão era o arquétipo da beleza, a figura central da “Flor da Vida” e mais tarde constituía a forma geométrica, o “útero”, dos construtores das catedrais medievais.

Figura 4 – Visicula Piscis

Três pontos equidistantes e da sua união resultam dois tipos de triângulos: os equiláteros e os rectangulares, estes últimos formados por dois catetos e uma hipotenusa e constituintes de todas as superfícies poligonais, sejam regulares ou irregulares, incluindo os triângulos não rectângulos. Logo a base de reflexão incidirá sobre os triângulos rectângulos.

Podemos considerar os seus catetos como representando a dualidade de dois pólos opostos, dos quais surge um, e só um segmento: a hipotenusa, a união dos opostos geradora da superfície. Logo, de dois segmentos unidimensionais (1D) surge o 2D.

 

A ordem bidimensional não é apenas representada pelo triângulo rectângulo mas também pela figura geométrica do quadrado. Um quadrado surge também de um segmento reafirmando o significado matemático de elevar ao quadrado, inerente ao Teorema de Pitágoras onde o quadrado maior é a soma dos outros dois e o conjunto dos três formam uma sequência de Fibonaci cujo princípio se baseia no número de ouro e cria uma sequência infinita de triângulos. Este é o conhecido triângulo de Price, único triângulo rectângulo cujos três lados formam uma proporção em progressão geométrica, ou seja a razão entre o cateto maior e o menor é igual á razão entre o cateto maior e a hipotenusa, o mesmo significa que é Φ (Phi = 1,6180339887498948482045…de infinitas casas decimais.

a2 = b2 + c2

Figura 5 – Demonstração prática do Teorema de Pitágoras. Imagem Wikimedia Commons.

Outro triângulo rectângulo é aquele que surge dos 3 segmentos que unem os vértices do quadrado com os pontos médios dos lados opostos, o chamado triângulo sagrado egípcio que deriva da progressão aritmética dos seus lados quando por exemplo tomam os valores 3, 4 e 5 e formado pelas respectivas 3 grandes raízes quadradas:   e , ligados de forma simbólica à criação da matéria.

Estamos a relacionar as 3 formas geométricas principais ligadas à geometria sagrada, o círculo cuja relação directa entre o perímetro e o diâmetro, no que resulta no valor π = 3,14159265358979….de infinitas casas decimais, o triângulo e o quadrado e que estão na base da estrutura septenária e da quadratura do círculo.

Figura 6 – As três raízes sagradas. Wikimedia Commons.

A razão desta relação prende-se com a estrutura tipológica que preside à formação de todas as folhas dos seres vegetais. Esta estrutura apresenta uma geometria complexa onde as células vegetais surgem sob um reticulado definido por aquilo que poderão até ser definidas por funções matemáticas bioholomórficas como se existisse um modelo matematicamente reprodutível que orientasse o seu desenvolvimento, algo semelhante à informação organizada dos campos quânticos morfogenéticos defendidos por Rupert Sheldrake.

Em todo o caso normalmente são tidos em conta factores que influenciam a forma das células em geral e as vegetais em particular e que poderão ser de vária ordem ditados por razões de natureza genética e por influências ambientais, como aqueles ligados á presença mais ou menos abundante de recursos hídricos. Assim quando a tensão superficial no interior da célula for a mesma em toda a superfície, a célula tende a ser esférica. Por outro lado a rigidez das membranas celulares conferida pela celulose e outros polissacáridos, tende a confinar o seu interior de acordo com o equilíbrio das tensões geradas com a viscosidade do próprio protoplasma celular. Ao contrário de muitas células animais, as vegetais não mudam de forma.

Já sabemos que as folhas apresentam diferenças estruturais e morfológicas entre os grupos vegetais conhecidos e classificados como pteridófitas, gimnospérmicas e angiospérmicas. Divergem as briófitas que apresentam estruturas primitivas chamadas filóides confirmando que a evolução é dirigida para a apresentação de uma morfologia conforme a geometria sagrada do círculo, triângulo e quadrado. Muitas morfologias apresentam uma mistura destas três formas geométricas como mostra a figura 2.

Mas poderiam perguntar: o que tem a geometria e a matemática a ver com o morfologia das folhas dos vegetais? Não desconhecemos que um parâmetro base na organização de um ser é a informação estruturada que ele contém, seja sob a forma do seu ADN e de todas as variáveis que ele vai transmitir geneticamente, seja no seu polimorfismo que na sua maioria nada tem a ver com a genética. Isto, só é possível pela informação traduzida em matemática e geometria, veiculada de forma orgânica, a forma material que reconhecemos. Só através desta relação podemos construir o mundo onde evoluímos: um mundo de relações entre objectos materiais. A comprovação da existência dos campos quânticos de ressonância morfogenética, tais arquétipos platónicos ou Akasha das doutrinas orientais, viriam dar um contributo definitivo para a compreensão deste assunto. De facto, muitas investigações nas áreas da biologia e da física sobre a natureza vegetal têm mudado progressivamente a nossa atitude relativa à vida em geral e em particular à das plantas. Citarei apenas dois casos que revelam a existência de uma “inteligência” nas plantas associada ao tratamento de informação relacional.

Num estudo publicado na revista Nature, da autoria de Monica Gagliano, Vladyslav V. Vyazovskiy, Alexander A. Borbély, Mavra Grimonprez e Martial Depczynski, datado de 2 de Dezembro de 2016 (2), mostraram que a designada “aprendizagem associativa”, fenómeno discernível do fototropismo e de influências ambientais, é uma componente essencial no comportamento das plantas, concluindo que a “associative learning” representa um mecanismo universal de adaptação partilhado tanto por animais como por plantas. Os experimentos delineados tiveram a particularidade de evidenciar pela primeira vez que as plantas possuem capacidade de aquisição de aprendizagens que as orientam no seu comportamento como plantas forrageiras, no caso em apreço a ervilha Pisum Sativa.

Num outro caso (3), descobre-se que as árvores possuem um network de comunicação subterrâneo que as leva a troca de informação através dos seus sistemas radiculares e da criação de uma rede de micélios numa perfeita relação simbiótica conhecida como micorriza (do latim myca, fungos, interagindo com as raízes, riza), estabelecendo ligações electroquímicas de longa distância e incentivando o crescimento das suas congéneres, partilhando nutrientes entre si e sabotando a instalação de plantas invasoras concorrentes. Este amplo sistema de cooperação e ajuda mútua constitui o maior sistema relacional do planeta até agora conhecido. Uma rede Web de informação envolvendo extensos campos electromagnéticos, construída e desenvolvida pelo mundo verde que define o comportamento das plantas seja por alterações induzidas pela qualidade da luz, som, estímulos mecânicos e bioquímicos produzidos pelo estabelecimento de relações de quase afectividade sensorial.

Para finalizar, também é sabido da existência de um campo de energia conhecido por radiação Kirlian (4), evidenciado inicialmente pelo método de electrofotografia executado em folhas de plantas pelo russo Semyon Davidovich Kirlian em 1939. O método consiste em fotografar um objeto com uma chapa fotográfica, submetida a campos eléctricos de alta-voltagem e alta-frequência, porém de baixa intensidade de corrente (técnica da kirliangrafia), resultando no aparecimento de um halo luminoso, em torno do objecto, a designada “aura”, também designada nos meios científicos por Corona. Este fenómeno poderá estar associado ao campo quântico de ressonância morfogenético de Rupert Sheldrake que na sua essência supõe-se modelar e formatar os organismos vivos através de um processo quântico relacional de “entanglement”.


Figura 7 – Fotografia kirlian de uma folha Coleus, 1980 - Wikimedia Commons

Em conclusão, a natureza vegetal é pródiga em espantar-nos com a sua capacidade de adaptação e organização, pois ao assumir na sua estrutura componentes do sagrado geométrico que definem princípios matemáticos simples e básicos, revela também existir na génese da Vida um fio condutor que transforma a simplicidade em padrões crescentes de complexidade, cujo resultado coloca em pé de igualdade todos os seres, como fontes de crescimento e aperfeiçoamento de uma única entidade, tal como o fio percorre e une as pérolas de um colar.

 

João Porto

Ponta Delgada, 8 de Julho de 2021


Publicado na Revista Matemática para Filósofos da Nova Acrópole Portugal

https://www.matematicaparafilosofos.pt/a-natureza-profunda-das-folhas-e-a-geometria-sagrada/


Notas

(1)  Ball, P. Physics of life: The dawn of quantum biology. Nature 474, 272–274 (2011). https://doi.org/10.1038/474272a

(2)  Gagliano, M. et al. Learning by Association in Plants. Sci. Rep. 6, 38427; doi: 10.1038/

srep38427 (2016). http://www.nature.com/srep.

 (3)  Elhakeem A, Markovic D, Broberg A, Anten NPR, Ninkovic V (2018) Aboveground mechanical stimuli affect belowground plant-plant communication. PLoS ONE 13(5): e0195646. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0195646.

(4)  WILSON PICLER, FOTOGRAFIA KIRLIAN (BIOELETROGRAFIA): Uma abordagem crítica e desmistificada dos padrões cromáticos, UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS, FEEC - Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação, Campinas 2019. http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/345805.









 

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