domingo, 15 de agosto de 2021

Maya – a ilusão do mundo material

 







por João G. F. Porto

Caminhamos aceleradamente para um estado em que estaremos todos ligados, de alguma forma, como macroestruturas, utilizadores a 100%, a tempo integral, do digital, da TV digital, da internet e das redes sociais. Presentemente, sobretudo nos países criadores da linha da frente tecnológica, dependemos permanentemente dos conteúdos digitais para exercermos o nosso dia-a-dia. No próximo futuro, a evolução poderá conduzir para um estado de “entanglement” da nossa espécie e logo depois com as outras espécies assim com o mundo em geral numa perspectiva Gaia. A evolução através da selecção natural fará a caminhada na união do micro e do macrocosmo, a unidade perfeita contraposta à dualidade criada até agora pela selecção natural entre o mundo quântico e o da Relatividade Geral do Espaço-Tempo onde evolui a matéria. No entanto e de acordo com Donald Hoffman (1) esse “entanglement” sempre existiu como causalidade da consciência.

Nós somos um produto da selecção natural. A nossa visão do mundo que nos rodeia, as nossas concepções e a forma como investigamos e criamos as propriedades dos fenómenos naturais, constituem a forma como a natureza, por uma questão de sobrevivência e adaptação, nos colocou em relação consigo mesmo. As propriedades atribuídas aos objectos das nossas relações são apenas uma forma redutora criada pelo colapso de onda nas inter-relações estabelecidas para que nos seja possível interagir de forma eficaz com o ambiente.

A atribuição de propriedades a um objecto é inseparável da manifestação das interacções que definem essas próprias propriedades e isso constitui a nossa realidade: uma teia de relações onde os objectos, os CAN`s ou Conscious Agents segundo D. Hoffmann (2), são os nodos de ligação de uma rede complexa. Como a mecânica quântica define de raiz, não existem propriedades se não houver interacções: um electrão enquanto não interage com alguma coisa não tem propriedades físicas conferidas pela sua posição e velocidade. Daqui também se infere que factos que são reais para um objecto não são necessariamente reais para outros. Esta é a perspectiva também defendida por Carlos Rovelli (3).

Não poderíamos deixar de evidenciar a similitude entre as duas fórmulas matemáticas (a de Donald D. Hoffman e a de Erwin Shrödinger) que colocam a física da consciência a par da física quântica:

De outro modo estaríamos envolvidos em relações extremamente complexas com um mundo quântico de não localidade, de sobreposição fenoménica e “entanglement”, de acontecimentos descontínuos, relativos e probabilísticos. Mas porquê? Porque a natureza “resolveu” ou derivou para esta opção? Podemos desde logo inferir que a mecânica quântica, bem ou mal compreendida, constitui a realidade constatada até agora pela ciência ao nível do microcosmo. É a nossa gramática de interpretação mais profunda da natureza. Se somos aglomerados de partículas, na visão fisicalista, contudo os fenómenos quânticos deverão permanecer activos e manifestar-se. Esta situação tem vindo a ser confirmada pela recente descoberta de fenómenos quânticos em macroestruturas que abrangem desde estruturas cristalinas ou estruturas biológicas que integram formas de vida evoluídas.

A “necessidade” evolutiva do aparecimento de macroestruturas organizadas, na origem da vida, deve-se à segunda lei da termodinâmica – a Entropia. Da mesma forma que o surge o Universo. Do “ponto Laya” de acordo com H. P. Blavatsky ou de uma flutuação do vácuo originalmente homogénea e sintrópica como advoga a moderna cosmologia onde desaparecem os antagonismos entre a Mecânica Quântica e a Relatividade Geral – o Campo Unificado.

Ou seja, na origem tudo esteve “fisicamente” integrado e em comunicação: a informação inicial permaneceu e cresceu na medida em que o Universo se expandiu aceleradamente. Esta informação de natureza quântica, vai sobretudo estruturar-se e reflectir-se no surgimento do Campo de Higgs que passa a permear todo o proto universo e visa conferir massa às partículas. É o “Akasha” védico que cria a “rede” quântica do Espaço e do Tempo numa estrutura repetitiva fractal, uma rede de spins, em que “o espaço se encrespa como a superfície do mar e estas crispações são ondas semelhantes às ondas electromagnéticas graças às quais vemos televisão.” (4)

A “espuma de spins” encarada com retículo à escala de Planck (10-35m) do espaço quântico acaba por assumir as mesmas características do Teorema da Combinação de Donald Hoffman onde dado qualquer pseudografo de Agentes de Consciência, cada um constituído por 6 componentes, qualquer “subset” destes agentes pode ser combinado para formar um novo Agente de Consciência, dando origem em termos práticos a uma Máquina Universal de Turing ou à Tese de Church-Turing e a um Espaço Conformal de Penrose.

Figura 1 – Estrutura formal simples de um Agente Consciente (C) com os 6 componentes tal como

a Máquina Universal de Turing.

O canal P transmite mensagens do mundo W (o Espaço-Tempo), gerando experiências conscientes X.

O canal D transmite mensagens de X gerando acções G.

O canal A transmite mensagens de G gerando novos estados em W.

N é um inteiro que faz a contagem das mensagens que passam em cada canal.

C = (X, G, P, D, A, N)


É já no processo final da Nucleosíntese (ver Cosmogénese 11 onde se atesta asemelhança espantosa entre as denominadas “Bolhas de Adi” e os “voxels”do modelo holográfico de N. Haramein. Este descreve uma geometria esférica como um volume básico de entropia ou de unidades PSU – Planck Shperical Units ou Unidades Esféricas de Planck, onde se aloja o bit de informação holográfica) que a dualidade ensaia as suas tentativas experimentais conducentes ao aparecimento dos primeiros complexos moleculares que vão depois fazer parte da biologia inerente à vida, transportando no seu âmago as premissas dos Agentes Conscientes – o Espaço-Tempo está consolidado e em expansão, preparado para aceitar os desenvolvimentos futuros que darão origem ao Universo.

“Está dentro e fora de todos os seres. Move-se mas no entanto está imóvel. É incompreensível pela sua subtileza. Está longe e próximo ao mesmo tempo” – Bhagavad Gita/XIII, 15 (5).

A evolução impeliu todos os seres para comportamentos destinados a aumentar as suas aptidões biológicas direccionadas à localidade, à interpretação eficaz de sons, cores, sabores e tacto, tornando-os mecanismos de recurso e de sobrevivência. Neste aspecto Darwin tem toda a razão. A hereditariedade é apenas o mecanismo que assegura a aquisição e transmissão de caracteres relevantes à sobrevivência e à adaptação ao meio de modo que a entropia possa continuar a exercer a certeza da finitude do mundo – daí a ilusão! Confirmada pela equação quântica de Schrödinger. Esta é a actual e renovada concepção de Maya (6), a ilusão do mundo material na filosofia dos Vedas.

Como afirma Brian Greene (7), “A marcha entrópica explica como se podem formar aglomerados ordenados num mundo que se vai tornando cada vez mais desordenado, e como alguns destes aglomerados, estrelas, podem permanecer estáveis ao longo de milhares de milhões de anos, enquanto produzem calor e luz constantes.”

A natureza quântica primordial traduzida na Informação saída do hiper-espaço quântico sintrópico altamente homogéneo (entropia negativa), por uma oscilação do vácuo infinito que se contêm a si próprio, o Parabrahman védico, organiza o Espaço como espuma de spins fractal (figura 2) e como tal cria a flecha do Tempo essencial á marcha entrópica.

Figura 2 – Retículo à escala de Planck do espaço-tempo físico que define uma espuma de spins.


Neste âmbito a existência de uma probabilidade não-zero em éons de tempo fará surgir um Efeito de Túnel Quântico designado por salto Higgs determinando o destino do proto universo a longo prazo. Com o Campo Quântico de Higgs, avançando em crescendo até atingir a velocidade da luz como uma esfera (o Antahkarana nos Vedas) afastando-se de um ponto central, encontram-se as condições necessárias e suficientes para o despontar das primeiras partículas (fotões) criadas naquilo que virá a ser um mega Buraco Negro primordial com uma temperatura colossal. Assim acredita-se que o campo de Higgs irá redefinindo o espaço vazio com o seu campo de 246,22 GeV (de relance e apenas por curiosidade, a constituição septenária reflectida neste valor 2+4+6= 12 = 2+1=3;2+2 = 4, 3+4 =7).

No Horizonte de Eventos deste Buraco Negro titânico em expansão, os fotões que não sentem qualquer resistência de arrasto, o que os torna sem massa, não sentiriam o campo de Higgs e formariam a chamada Radiação Hawking ao desdobrarem-se numa partícula positiva de matéria que abandonaria o horizonte de eventos (a designada “cabeleira” do Buraco Negro ou Radiação Hawking) e noutra negativa de antimatéria, esta última absorvida pelo Buraco Negro. Provavelmente aqui reside o facto de o nosso universo ter uma preponderância de matéria versus antimatéria.

Poderemos dizer que a Informação nesta fase está fortemente entrelaçada com a experiência da criação do Espaço-Tempo e do Campo de Higgs, confundindo-se ambas. Este entrelaçamento poderá desdobrar-se mais tarde, e de acordo com a perspectiva do neurocientista Giulio Tononi, em consciência como informação altamente integrada e diferenciada pela matéria adquirindo paulatinamente na sua evolução um valor crescente de Φ. A protoconsciência panpsiquista.

“Reconhece que a luz do sol que ilumina o universo inteiro, a luz da lua e a do fogo são a minha própria luz.”- Bhagavad Gita, XV, 12. Ou seja pelo comentário de acordo com advaita Sankara, a luz que é consciência, que está no sol, na lua e no fogo, hás-de saber que é minha, pertence a Vishnu.

Estamos agora no dealbar do Trilogos (Informação, Espaço-Tempo granular, campo quântico de Higgs) e na passagem para a realidade quaternária com os seus constituintes traduzidos nos campos quânticos das forças forte, fraca e electromagnética e respectivas partículas fermiónicas (dos quarks aos electrões). Esta é a estrutura septenária original.

E aqui chegados, para bem da nossa evolução deste lado da matéria, tudo emerge de uma colecção de propriedades governadas por leis física atestadas por algumas centenas de anos de experiências e teorias expressas numa mão cheia de símbolos matemáticos. Contudo a mesma evolução que nos dotou com complexas redes neuronais, mas da mesma natureza daquela pertencente a uma minhoca C. Legans, permite com auxílio de tecnologia levantar o véu e mostrar-nos a realidade ilusória, os limites arbitrários, convencionais e cómodos que organizam a informação de que dispomos.

Tal como foi anunciado pela filosofia védica alguns milhares de anos atrás, a ciência hoje explora e realiza, pelo menos matematicamente, uma teoria monista da consciência que a coloca no início da origem de todas as coisas, em que a dualidade é pura ilusão: “… a Inteligência que fecunda o Caos.” (Blavatsky, comentário à Estância III de Dzyan).

João Porto, Ponta Delgada, 14 de Agosto de 2021.

Notas

 (1) Donald Hoffman, The Case Against Reality, how Evolution Hid the Truth from Our Eyes, Norton, W. W. & Company, Inc., Agosto 2019.

(2) Donald D. Hoffman and Chetan Prakash, Objects of Consciousness, https://doi.org/10.3389/fpsyg.2014.00577

(3) Carlos Rovelli, Helgoland,Allen Lane – Penguin Books, 1ª edição, 2021.

(4) Carlos Rovelli, A Realidade Não É o que Parece, Contraponto, 1ª edição, Outubro 2019.

(5) Bhagavad Gitã, Edición de Consuelo Martín, Editorial Trotta, 1ª reimpressão, 2018.

(6) H. P. Blavatsky, A Doutrina Secreta, Volume I – Cosmogénese, Editora Pensamento, 1ªedição 1980, 26ª reimpressão 2020.

(7) Brian Greene, Até ao Fim dos Tempos, editor Luís Corte Real, Edições Saída de Emergência, 1ª Edição Maio, 2021.


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