por João G. F. Porto
Assim como a vida faz uso de uma estrutura de
programação que permite que a informação ali residente seja veiculada para
replicar e orientar, dar propósito através da evolução, a seres de grande
variabilidade morfo-genética, também o Universo poderá usar um sistema de
programação que utilize redes to tipo neuronal – uma megaestrutura tipo Laniakea,
onde as galáxias se agrupam em redes de potentes vórtices de plasma electromagnético
de muitos milhões de anos-luz – que utilize entidades denominadas “Construtores”
ou veículos de informação, ao invés de utilizar um conjunto de axiomas e
princípios como as Leis da Termodinâmica e as do movimento das partículas ou os
estados quânticos para justificar a sua evolução, feita sempre numa óptica newtoniana/galileana,
diríamos mesmo puramente fisicalista, limitando-se a descrever factos.
Até agora qualquer teoria de sucesso com base
num dado espaço-tempo e considerando um determinado estado inicial e ainda
baseando-se nas leis do movimento, deveria conseguir prever num espaço-tempo
adicional a evolução dos fenómenos naturais em apreciação.
A Teoria dos Construtores (que passaremos a
designar abreviadamente por TC) de David Deutsch e Chiara Marletto da
Universidade de Oxford (1) descreve a natureza pelas transformações físicas possíveis
e impossíveis e do porquê da sua existência, ao invés de o fazer em termos de estados
iniciais pré-estabelecidas e completamente arbitrários e inexplicáveis, que
tanto no passado como no futuro são sempre referenciadas como leis dinâmicas
que definem trajectórias, percursos que se desenvolvem no espaço-tempo
laplaciano. Ou seja, na TC o mundo não deverá ser descrito por condicionalismos
elencados ou pré-estabelecidos sem qualquer outra explicação. Os “Construtores”
são alheios à possibilidade ou impossibilidade dos factos ou das relações entre
factos poderem existir ou deixarem de existir: é por base uma teoria
contrafactual que quer explicar a razão da existência das condições iniciais e
não descrever os fenómenos naturais a partir delas tornando-se assim um corpo
de filosofia não determinística.
As Leis da Termodinâmica que proíbem pura e
simplesmente a existência de determinados estados físicos ou garantem a
existência de tantos outros, são axiomas que como tal não explicam a sua
própria origem e que determinam o que é possível e o que é impossível de
acontecer no espaço-tempo. Esta atitude de encarar a coisa fenoménica talvez passe
por estarmos confinados ao Espaço-Tempo einsteiniano, onde a matéria
(massa/energia) dita ao espaço-tempo como se comportar. Talvez que outra coisa
não seria de esperar quanto à nossa visão do mundo, mesmo aquela mais
optimizada traduzida pela matemática.
O mesmo é dizer que as leis da física
introduzem limitações mas não explicam a existência dessas limitações. Uma das
justificações levar-nos-ia a uma visão antropocêntrica: as leis são o que são
porque nós existimos. Uma história renovada da menina de caracóis de ouro.
De acordo com David Deutsch, um “Construtor” é
qualquer entidade que provoca transformações (referidas na teoria como “tasks”)
de acordo com inputs, dando origem a outputs com atributos diferentes dos
iniciais, e mantendo a capacidade de reproduzir a sua actividade. Nesta teoria
os inputs e outputs são considerados “substratos”. São exemplos de “construtores”
na área da biologia os catalisadores, o DNA ou os ribossomas.
Assim, a TC analisa as leis da física sob a
óptica da possibilidade ou impossibilidade das transformações ou “tasks” e com
que substratos são realizadas bem como os atributos assumidos no decorrer do
processo.
Assim é resolvido o problema filosófico da
causalidade: o porquê da Causa anteceder sempre o Efeito. A TC é incompatível
com a ideia de que a Ciência é uma colecção de factos.
Outro problema que a TC resolve é a definição
do que se entende por Conhecimento ao definir o conceito de “Construtor” e a
sua capacidade de replicação ou cópia recriando processos contínuos de milhares
de milhões de transformações sobre substratos e introduzindo com esse processo
novos atributos que constroem e ampliam a Informação. Assim o Conhecimento é um
“Construtor” cujos processos de transformação, incidem sobre substratos (neste
caso os inputs serão os meios físicos tais como os média, livros, drives, a
própria mente e os outputs os registos – que organizados constituem a
Informação, agora adicionada aos referidos meios físicos).
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Na natureza as
transformações não ocorrem espontaneamente. Se ocorressem não existiriam
“Construtores”. Todas as criações humanas utilizam o Conhecimento espelhado em
Informação estruturada. O Universo com os seus buracos negros, galáxias, sóis e
sistemas planetários não surgem espontaneamente e são apenas uma ínfima parte
daquilo que pode ser “criado” ou transformado a partir de inputs que antecedem seja
até às presumíveis condições iniciais do Big Bang do abade belga Georges
Lemaître ou da Teoria Cosmológica Conforme de Sir Roger Penrose. Por detrás de
toda a actividade existe um “Construtor” ou Informação estruturada. A ideia
reducionista que atribui à natureza quântica das partículas, funções de onda ou
ao espaço-tempo o reduto fundamental de tudo, e assim é no nosso conhecimento actual
das coisas, a TC alicerça os seus fundamentos na compreensão da realidade na
Informação ou Conhecimento.
A ideia de que a
Informação constitui um dos blocos fundamentais do Universo data de meados do
século XX com o matemático e engenheiro Claude Shannon, considerado o pai da idade digital, o primeiro a definir a
unidade de informação como um bit. Também John Wheeler que trabalhou com Niels
Bohr e Albert Einstein proclamava “it from bit” ou que toda a partícula no
Universo emanava da informação nela residente. Mais tarde o Princípio de
Landauer e a Relatividade Especial são relacionados por Melvin Vopson onde um
bit passa a ter realidade física, quantificável e finita por equivaler
termodinamicamente a energia e a massa: um bit de informação à temperatura de
300 Kelvin é igual a 3.19 x 10-38 Kg.(2)
Em 2008 Paul
Gough publica um trabalho (3) onde relaciona o valor atribuído à Energia
Escura, w=-1, para a época inicial da construção estelar, e estima que um
Universo com 1087 bits seria o suficiente para que toda a energia
contida na informação equivalesse à Energia Escura.
Uma das entidades
presentes ou um dos “Construtores” é o próprio ser vivo de que não escapa o ser
humano e a consciência.
Não existe nenhuma equação que preveja que
milhares de milhões de anos no passado remoto da história da Terra uma bactéria
desse origem ao ser dotado de consciência. Não consta dos fundamentos da Teoria
Evolucionista de Darwin qualquer propósito neste sentido. Pelo contrário, a
evolução foi feita com “Construtores” ou informação acumulada e transmitida de
geração em geração através do código genético ou de unidades base, designadas
genes. O que esteve na base da Vida foi a capacidade de possibilitar a
realização de “Tasks” ou transformações com novos produtos com atributos
diferentes deixando para trás os produtos impossíveis de sobreviver. Mas a
informação que tornou viável a constituição do primeiro codão ou sequência de
RNA, não era cega nem foi obra do acaso ou de um acto espontâneo. Ela
encontrava-se na informação da natureza quântica (o software – o “Construtor”)
das próprias moléculas em jogo (hardware – substracto, input) e onde o meio
aquoso com as suas pontes de hidrogénio teria um papel fundamental (a wetware definida pelo biólogo de
sistemas Dennis Bray) em reter a informação e passá-la adiante com novos
atributos incorporados (output). Em biologia são as chamadas “vias de
sinalização” ou conjunto de módulos que exercem a comunicação entre os
diferentes componentes do sistema assim como com o ambiente externo. Permitem
enviar sinais electromagnéticos e de natureza química onde a geometria da
funcionalidade molecular desempenha um papel crucial, tipo chave “ligado” e
“desligado”, qubit 1,0 ou 1 e 0, sobreposição de estados quânticos e utilização
de incidência no espaço e no tempo, criando assim propriedades ricas em
informação, cujos atributos, tipo etiquetas, podem ser armazenados como
memórias de experiências passadas no ADN, passando de geração em geração. Este
é o fundamento da epigenética.
Outro aspecto recentemente descoberto
refere-se á capacidade de transmigração e incorporação de material proteico e
mesmo genético existente no meio ambiente e derivado de material orgânico comum
nas células de organismos vivos. Isso significa que muito da matéria orgânica
proveniente da decomposição de outros seres vivos pode ser utilizada na génese
de outros – a epigenética que ultrapassa o transgeracional.
Estes processos de passagem da informação,
agora vistos na óptica de “Construtores”, são a forma que a vida utiliza para
criar estruturas ordenadas no espaço e devidamente proporcionais em escala. O
Número de Ouro é uma constante simples de origem geométrica que reflecte e
revela a extraordinária beleza na capacidade de replicação da informação em
gradientes espaciais. Esta informação estende-se para além da dimensão do
espaço físico: quando amputamos um braço ou uma perna continuamos a senti-los.
Como afirma Paul Nurse, prémio Nobel da Medicina
2001 (4), “Poderá dar-se o caso de a complexidade da biologia conduzir a
explicações estranhas e não intuitivas, e que, para as compreender, os biólogos
necessitem cada vez mais da assistência de cientistas de outras disciplinas,
nomeadamente de matemáticos, de cientistas da computação, de físicos e até de
filósofos, que estão mais acostumados a pensar de maneira abstracta e que estão
menos focados nas nossas experiências mundanas quotidianas.”
Os “Construtores”, no processo da Informação,
estabelecem uma intrincada rede de nodos pelas interacções que promovem sobre
os seus “substractos”, a que Donald Hoffmann designa por CAN`s ou “Conscious
Agents” (5). Não existem propriedades se não houver interacções ou relações: é
o caso das partículas subatómicas que só ganham atributos físicos conferidos
pela sua posição, velocidade e momento magnético, apenas quando interagem. O
desempenho dos “Construtores” é fundamentalmente relacional. Não existem
propriedades fora das interacções como afirma Carlo Rovelli no Helgoland (6),
reiterando que “Em vez de vermos o mundo físico como uma colecção de objectos
com propriedades definidas, a teoria quântica convida-nos a ver o mundo físico
como uma rede de relações. Os objectos são os seus nodos.” A realidade faz-se
de informação estruturada e é relativística. A relatividade é transversal ao
macro e ao microcosmo porque o que é comum aos dois é a Informação como
conceito construtor.
Este mistério recua no tempo, quando
Aristóteles na sua Physics (7) comenta que segundo Empedocles os seres parecem
estar organizados com um propósito, quando na realidade as coisas estão
estruturadas de forma aleatória e que aquelas que assim não estão organizadas,
desaparecem. Ideia muito bela mas que não explica nada, apenas constata factos
e relações entre os mesmos. Não ultrapassa os conceitos de “estado inicial” e
de “movimento”.
Contudo a ideia de “Construtores” ou dos
“Conscious Agents”ou da Informação subjacente aos fenómenos da natureza não é
nova e diremos mesmo até que tem já alguns milhares de anos. Podemos
encontrá-la na filosofia dos Vedas, nos Puranas, ou mais recentemente na
Teosofia da escola de Helena Blavatsky.
Diz Carlo Rovelli (8), “A fé na ciência
característica do século XIX, a sua glorificação positivista como saber
definitivo a respeito do mundo, está hoje em colapso. A primeira responsável
por essa derrocada é a revolução da física do século XX, que revelou que,
apesar da sua incrível eficácia, a física de Newton é, num sentido muito
preciso, falsa. Grande parte da posterior filosofia das ciências pode ser lida
como uma tentativa de redefinir, sobre essa tabula
rasa, a natureza da ciência.”
Helena Petrovna Blavatsky, limitada pela
ciência do século XIX no seu exacerbado positivismo, lança pistas em Doutrina
Secreta, de profunda reflexão filosófica com uma visão nova da história da
humanidade, da cosmogénese, dos estados de consciência e até de novas formas de
energia ininteligíveis para a época, mas que encontram eco nas mais recentes teorias
deste novo século XXI.
Crédito: Wikimedia
Commons
Em Doutrina Secreta, Volume I da Cosmogénese,
nos comentários sobre a Estância II do Livro de Dzyan é citada a estância que
transcrevemos:
“…Onde estavam os Construtores, os Filhos
Resplandecentes da Aurora do Manvantara? … Nas Trevas Desconhecidas, em seu
Ah-hi Paranishpanna (Dhyâni-Búddhico). Os Produtores da Forma (Rûpa), tirada da
Não-Forma (Arûpa), que é a Raiz do Mundo (Aditi), Devamâtri e Svabhâvat,
repousavam na felicidade do Não-Ser.”
HPB diz-nos então que os “Construtores” são os
verdadeiros criadores do Universo ao constituírem a primeira manifestação no
início de um novo Manvatara (fim da idade de Brahmâ) ou ciclo de evolução do
Universo, onde este não é criado mas surge de um anterior (tal como a Teosofia
defende) – aquilo que a cosmologia actual diz ter detectado com os designados
“Pontos de Hawking” teorizados por Roger Penrose como vestígios de Universos
anteriores e resultado do acúmulo da “radiação de Hawking” emitida pelos
Buracos Negros e visíveis na radiação cósmica de fundo.
O Paranishpanna transmite a ideia de um estado
Absoluto (o Paranirvâna sanscrito) e ao qual HPB refere dizendo que “Mais cedo
ou mais tarde, tudo quanto agora parece existir existirá real e verdadeiramente
no estado de Paranishpanna.” É a versão da filosofia védica transcrita para o
Ocidente em 1888 da Cosmologia Cíclica Conforme de Roger Penrose.
Fundamentalmente a doutrina esotérica trabalha
sobre a existência dual – Espírito e Matéria, dando primazia ao primeiro. Os
“Construtores”, ou “Lipikas”, os “Rishis” ou ainda os “Filhos da Luz”,
conceitos que se estendem por corpos de filosofia desde o Bhagavata Puran indu, passando pela Cabala hebraica, ou ainda reflectidos
modernamente nas Mônadas do matemático e filósofo Gottfried Leibnitz, poderiam levar-nos
a alvitrar que são entidades de natureza quântica, campo quântico de informação
estruturada fazendo parte de um Campo Unificado conjuntamente com o Espaço
Granular “espuma de spins” em Carlo Rovelli.
Os “Lipikas” são definidos na teologia indu e
pelo sânscrito como os registadores de todos os fenómenos que tiveram, têm ou
virão a ter lugar no Universo tendo um papel fundamental após o Pralaya
(período entre dois Manvataras) para a evolução do mesmo. Interessante verificar,
que a existência do Tempo só é considerado com o surgimento do Universo e que também
todos os conceitos ligados aos “Construtores” e seus similares têm uma ligação
muito estreita à Informação ao Conhecimento e á Consciência.
A filosofia esotérica transpõe depois estes “Lipikas”
como inicialmente entidades construtoras no processo da cosmogénese para
entidades que surgem do Conhecimento Colectivo dos Dhyânia-Buddas ou Dzyu, ao
converterem-se em Fohat (input, substrato na teoria TC) ou estrutura que contém
uma mensagem codificada em qubits, que sofrendo tansformações, originam outputs
com atributos sempre diferentes (a base da Lei do Karma). Isto será fruto de um
processo evolutivo envolvendo éons de tempo.
Também notar que a expressão “Filhos da Luz” e
“Filhos Resplandecentes” são a forma encontrada para referir os campos
quânticos electromagnéticos de natureza não conhecida comparando-os com a
natureza da luz.
Poderíamos estender as comparações entre os
“Construtores” da TC e os védicos ou da Teosofia de HPB. Contudo e como conclusão
é importante perceber que o princípio dos “construtores” em ambas está na base
de um processo de diferenciação onde o homogéneo, estado anterior ao Big Bang, (a
partir do ponto Laya) se converte em heterogéneo, e éons de tempo depois o
“Protilo” nos “Elementos”, a organela incorpora a célula e a célula incorpora
todos os organismos, os genes dos seres arcaicos incorporam o ADN humano, os
fermiões incorporam os átomos e estes todos os elementos da Tabela Periódica. E
nesta cadeia de aparente caos subjaz no entanto a ordem instaurada pela
Informação.
Ponta Delgada, 25 de Setembro de 2021
Notas e bibliografia
(1) Chiara Marletto,
The Science of Can and Can`t, Penguin books Ltd, 2021.
(2) Melvin M. Vopson,
The mass-energy information equivalence principle, AIP Advances, 9.095206
(2019), https://doi.org/10.1063/1.5123794.
(3) M. Paul Gough,
Information Equation State, Entropy 2008, 10(3), 150-159, https://doi.org/10.3390/entropy-e10030150, Space Science
Center, University of Sussex, BrightonBN1 9QT, United Kingdom.
(4) Paul Nurse, O Que é a Vida? Edição 2021 VOGAIS,
20/20 Editora, Junho 2021.
(5) Donald Hoffman,
The Case Against Reality, how Evolution Hid the Truth from Our Eyes, Norton, W.
W. & Company, Inc., Agosto 2019.
(6) Carlo Rovelli,
Helgoland, Allen Lane – Penguin Books, 1ª edição, 2021.
(7) Aristóteles, Physics, II, 8, 198b29.
(8) Carlo Rovelli, Anaximandro de Mileto ou o nascimento do pensamento científico, Edições 70, Edições Almedina, S.A., Julho 2020.
Helena P. Blavatsky, Doutrina Secreta, Cosmogénese
– Volume I, Editora Pensamento, São Paulo.
Bhagavad Gitã, Edición de Consuelo Martín, Editorial Trotta, 1ª reimpressão, 2018.
Chiara Marletto, 2015 Constructor
theory of life. J. R. Soc. Interface 12: 20141226. http://dx.doi.org/10.1098/rsif.2014.1226.
Department of Materials, University of Oxford, Oxford OX1 6UP, UK.
Aleksandar Malecic, WHAT DOES
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Electronic Engineering University of Nis, Serbia.
Riccardo Franco, First steps to a constructor theory of cognition, arXiv:1904.09829v1 (csAI), 21 Mar 2019.
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