“Que os humanos reverenciem, aquele que torna a palavra uma
poderosa ferramenta,
Esteja presente Mercúrio, e escute o meu chamado,
Ajude a minha obra, e conceda-me um bom fim à vida com paz na
alma,
Ofereça-me eloquência de fala, em graças e em memórias.
Mercúrio, aproxime-se e ouça a minha prece com bondade.”
Extracto final do Hino Órfico a Mercúrio
Originalmente Thot é considerado o deus egípcio da sabedoria
do conhecimento e da luz. Contudo, do intercâmbio da civilização grega com a
egípcia, o deus Thot foi assimilado como Hermes grego, e desse sincretismo
resultou o Hermes Trismegistos egípcio (três vezes grande), inventor da escrita
hieróglifica, também é-lhe atribuída a revelação da aritmética, da astronomia, da
música, medicina, desenho, das ciências como um todo e da magia como prática do
conhecimento. Também era conhecido como o “Mestre das Palavras Divinas”,
sendo-lhe atribuído a invenção do cômputo dos dias e a criação do calendário
com 365 dias, muito semelhante ao que usamos ainda hoje.
De acordo com o que reza a lenda, Thot ao criar a escrita,
tinha a intenção de tornar os egípcios mais sábios e de reforçar a memória dos
acontecimentos. Neste aspecto Rá (Sol) discordava de Thot, uma vez que a
escrita faria com que a humanidade deixasse de acreditar na informação oral
transmitida de geração em geração. Contudo, apesar desta discordância, Thot
transmitiu a escrita aos escribas, cuja função era de assentar todos os
acontecimentos históricos e do dia-a-dia. Por esse facto, tornou-se o patrono
dos escribas.
“O homem
nada sabe, mas é chamado a tudo conhecer”. (Thot)
Acredita-se que o próprio deus Toth teria deixado uma série
de inscrições de carácter secreto ou hermético datado do Período Ptolomaico
(III século a.C.) onde existiria uma descrição mais detalhada de um conjunto de
textos iniciáticos escritos pelo próprio. De acordo com Clemente de Alexandria
haveria 42 livros contendo todo o conhecimento necessário à humanidade, dos quais
36 conteriam a ciência dos egípcios e os restantes os conhecimentos de
medicina, alquimia, astrologia e matemática. Thot foi sempre associado aos
aspectos da cosmogénese, assim como às faculdades humanas relativas ao
pensamento e ao conhecimento.
Para os romanos, Thot aparece relacionado com o deus
Mercúrio, mensageiro dos deuses e condutor das almas dos mortos ao reino de
Plutão, enquanto para os gregos surge como o deus grego Hermes, considerado o
criador do Hermetismo. Para os egípcios é também conhecido como Zehuti, Tehuti,
filho de Geb e de sua irmã Nut, o senhor do conhecimento mágico e dos
segredos divinos colocados à disposição dos deuses e dos homens, o “senhor do
heka” (magia) sendo esta certamente a fonte da relação da doutrina secreta com
o conhecimento mágico. É citado como sendo filho tanto do
deus Rá como de Seth e o seu santuário principal, local de culto, para além da
Núbia, residia na cidade de Hermópolis, no Delta do Nilo, chamada pelos
egípcios de Khmunu, cujo significado era “a cidade dos oito deuses” – Nu, Atum,
Osiris, Isis, Seth, Néftis, Hórus e Toth.
A primeira referência a um livro escrito por Toth talvez seja
uma inscrição datada da XVIII Dinastia (1398 a.C.), encontrada em uma das
estátuas do vizir Amenhotep depositadas no templo de Amon em Karnak. O texto
sugere a existência de um livro que conteria os ensinamentos iniciáticos do
deus, e que pode ser observado na inscrição: “Fui iniciado no livro do deus, vi
as glorificações de Toth e penetrei nos seus segredos”.
O seu nome aparece nos Textos das Pirâmides ou Livro dos
Mortos Egípcio, uma colectânea de orações e hinos mortuários destinados a
proteger os faraós de modo a assegurar-lhes a vida eterna para além da morte.
Por ser o deus da sabedoria fazia de advogado quando a alma do morto era
submetida a julgamento, sendo pesada para determinar o seu destino após morte.
Na balança era colocada num prato uma pena simbolizando a verdade e do outro
lado o coração do morto. Era Thot que determinava se o morto era digno. Então
seria condenado se o seu coração pesasse mais que a pena da verdade. Toth
junto com Maat, a Deusa Egípcia da Justiça, ficavam em cada lado do barco de Rá
(o Sol) enquanto este cruzava os céus (tal como na mitologia grega, Caronte,
barqueiro de Hades, que carrega as almas dos recém - mortos sobre
as águas do rio Estige e Aqueronte, que dividiam o mundo dos vivos do mundo dos
mortos).
Como
Hermes Trismegisto, é-lhe atribuído um conjunto de escritos conhecidos como
Leis Herméticas, referidas no Caibalion, e na famosa Tábua de Esmeralda.
As Leis
Herméticas são as leis gerais que presidem ao funcionamento do Universo. São ao
todo sete aforismas:
1 - Pensamento doutrinário simbólico assente no Princípio do Mentalismo: “O Todo é Mente; o Universo é Mental”.
2 - O homem como símbolo emblemático do mundo (relação microcosmo/macrocosmo) ou Princípio de Correspondência: “O que está em cima é como o que está em baixo e o que está em baixo é como o que está em cima”.
3 - A existência da “anima mundi” ou Princípio da Vibração: “Nada está parado; tudo se move, tudo vibra”.
4 - A teoria das correspondências entre níveis ou o Princípio do Género: “o Género está em tudo; tudo tem o seu princípio masculino e feminino; o Género manifesta-se em todos os planos”.
5 - A complementaridade dos opostos ou Princípio da Polaridade: “Tudo é duplo; tudo tem pólos; tudo tem o seu oposto; o igual e o desigual, são a mesma coisa; os opostos são idênticos em natureza, mas diferentes em grau; os Extremos se tocam; todas as verdades são meias-verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliados”.
6 - A ascensão da mente individual à região da Grande Mente ou o Princípio do Ritmo: “tudo tem fluxo e refluxo; tudo sobe e desce; tudo se manifesta por oscilações compensadas; a medida do movimento à direita é a medida do movimento à esquerda; o ritmo é a compensação”.
7 - A vida como transmutação pessoal ou Princípio da Causa e Efeito: “Toda a Causa tem o seu Efeito e todo o Efeito tem a sua Causa; tudo acontece de acordo com a Lei; o acaso é simplesmente um nome dado a uma Lei não reconhecida; há muitos planos de causalidade, porém nada escapa à Lei”.
Estes
princípios traduzidos nos sete axiomas do Caibalion (curiosamente a palavra tem
a mesma raiz da palavra Kabbalah que significa “Tradição ou preceito
manifestado por um ente de cima") corporizam a popularização da mensagem
de Hermes Trismegisto e do Hermetismo actual.
Acredita-se
que tenha sido um alto sacerdote atlante quando as civilizações da Segunda Era
viram a sua existência tragada pelos oceanos muito antes da catástrofe
climática do Younger Dryas há 12.900 anos provocada pelo impacto de um
asteróide ou de um cometa no oceano atlântico.
Neste
âmbito, Toth tornou-se a ponte entre a velha civilização e o novo mundo que
iria surgir após o massivo cataclismo, responsável por transmitir o alto
conhecimento dessa civilização que perecia sob o oceano. É assim que a escrita
se torna o objectivo principal e que os escritos herméticos (ou aquilo que até
nós chegou) transformam-se no seu maior contributo, neles revendo-se as actuais
concepções da ciência sobre a natureza e o universo. Thot desceu à terra
trazendo “os segredos que pertenciam ao horizonte”.
A sua representação iconográfica, além de ser representado
como um homem com cabeça de Íbis, ou mesmo um Íbis, carregando
a chave ankh e o bastão de Anúbis, representando a inteligência e o
discernimento, ou até mesmo como
um babuíno, surge também encimado por um disco lunar, sendo por isso tido como
um deus lunar e um deus da cura, que ao pôr-do-sol, tentava amenizar a
escuridão com sua luz. Rá deu a Thot a Lua para balancear o Sol. Porque a Lua é o núcleo e os restos da
antepassada Terra, depois do impacto com o planetóide Theia, torna-se assim símbolo
da sua origem ancestral e do equilíbrio estável para o surgimento da vida e o
estabelecimento da humanidade.
A sua
iconografia reúne diversas
personificações de arquétipos da psique humana. Alguns desses arquétipos estão
sempre presentes e repetem-se com diferentes nomes em diversas culturas
humanas. O arquétipo mercurial é um dos mais presentes nas tradições do mundo,
representado tanto por Hermes como por Mercúrio ou Loki, Thor e Odin na
mitologia nórdica (o Caos necessário à Evolução). Thot é apenas a versão
egípcia original desse arquétipo. O termo mercurial vem da astrologia e é
geralmente usada para se referir a algo ou alguém errático, volátil ou
instável, derivado da rapidez dos voos de Mercúrio de um lugar para outro.
O deus romano Mercúrio, filho de Maia e de Júpiter, tinha os mesmos aspectos que
o Hermes grego, calçando sapatos alados e transportando um caduceu (ou o bastão
de Asclépio, deus romano da medicina e da cura, também visto na bandeira da OMS),
uma haste heráldica com duas serpentes entrelaçadas (a dualidade do
conhecimento para o bem e para o mal). Aparece muitas vezes acompanhado de um
galo, o mensageiro de um novo dia (mas também da luta de galos transformando-se
em deus dos ginásios), e de um carneiro, símbolo da fertilidade mas também
lembrança antiga do deus campestre da pastorícia (Mercúrio crióforo), e ainda de
uma tartaruga, do casco da qual criou a lira. Como resultado do sincretismo
civilizacional greco-romano, também surge como mensageiro dos deuses, mas agora
adaptado a novas necessidades como deus do sucesso comercial e do mercantilismo
cerealífero, mas também deus dos ladrões. Tal como Hermes e Thot, assume o
psychopomo - junção de psyche (alma)
e pompós (guia) - sendo capaz de
transitar entre polaridades (a vida e a morte, o dia e a noite, o céu e a
terra), conduzindo almas recém falecidas à vida após a morte.
Mas ele
nem sempre foi uma representação mercurial. Nos primórdios da civilização
egípcia, mais perto da herança de Thot, era um deus lunar, e não mercurial,
mantendo o disco lunar, como uma lembrança de passado.
Em muitas
imagens a representação antropozoomórfica de Thot é feita na companhia de um
babuíno, ou cinocéfalo. Porque o babuíno é um animal incómodo, que atrapalha a
racionalidade, aqui é uma metáfora para a dualidade entre razão e a sua
ausência, que interfere com o conhecimento.
Como deus
da cura onde na lenda de Osíris, protegeu Ísis durante sua gravidez e curou seu
filho Hórus quando Seth arrancou o seu olho esquerdo.
Quando Thot entrega o olho totalmente regenerado e perfeito a Hórus, significa
uma nova visão, simbolizando o surgimento do 3⁰ olho. Crê-se que o “Olho de
Hórus” é o arquétipo que representa a região cerebral da glândula pineal, mas
também a “Vescica Piscis” no proto cristianismo ou o simbolismo representado
pela “Flor da Vida”. O “Olho de Hórus” é um símbolo egípcio que traduz os
primeiros movimentos da criação, assim como a união do Princípio Feminino e do
Princípio Masculino. A intersecção de dois círculos é o RU, “portal para a Luz”
ou consciência.
Outra
invenção atribuída a esse deus, além da escrita e das artes herméticas é o
Tarot, também conhecido como “O Livro de Thoth“ ou o “Livro da Vida” que representa toda a experiência da
jornada do ser humano em formas pictográficas e simbólicas.
O Tarot é
uma representação pictórica das forças da natureza, concebida pelos antigos segundo
certo simbolismo convencional. Para se perceber o conhecimento de natureza
científica nele já presente e transmitida por Thot, convém rever alguns
conceitos astronómicos base ali inscritos (muito anteriores a Copérnico e a
Galileu):
O Sol é uma estrela. Ao redor dele giram
diversos corpos chamados planetas, inclusive a Lua, como satélite da Terra,
girando todos apenas numa única direcção. O sistema solar não é uma esfera, mas
sim uma roda, onde os planetas não coexistem num alinhamento exacto, mas
oscilando por uma certa extensão (relativamente pequena) de um lado do plano
para o outro. As suas órbitas são elípticas e descrevem um aro imaginário nessa
roda. Dentro dos limites desse aro, as estrelas fixas a grandes distâncias estão
ligadas ao movimento aparente do Sol. Surge assim o zodíaco como esse aro ou cinturão
da roda, onde as constelações fora desse cinturão não pareciam ter muita importância
para a humanidade, porque não se encontravam na linha directa da grande força
giratória da roda (TARO = ROTA = Roda).
O Tarot é
chamado de “O Livro de Thot ou Tahuti”, onde se traduz a influência dos dez
números e das vinte e duas letras sobre o ser humano. Vinte e dois é o número
das letras do alfabeto hebraico. É o número dos caminhos do Sepher Yetzirah, o
Génesis hebraico da Cabala. Esses são os caminhos que unem os dez números na
figura chamada Árvore da Vida ou da Constituição Septenária. As letras do
alfabeto hebraico são vinte e duas. Há três letras-mãe para os elementos (como
os elementos são 4, ar, terra, água e fogo, existe uma letra que funciona a
duplicar), sete letras duplas para os planetas e doze letras simples para os
signos do zodíaco.
Contudo a
tradição hermética faz recuar no espaço e no tempo as origens destes
conhecimentos. Helena Blavatsky, no volume V da Doutrina Secreta, dedica a sua
introdução a “provar que a chave de interpretação proporcionada pelas regras
orientais indo-budistas de Ocultismo se adapta tanto aos Evangelhos cristãos
como aos livros arcaicos egípcios, gregos, caldeus, persas e hebreus”. Afiança
que “Ensinava Amônio Sacas que a Doutrina Secreta da Religião - Sabedoria
estava toda contida nos Livros de Thoth (Hermes); onde Pitágoras e Platão,
beberam os seus conhecimentos e grande parte da sua filosofia; e que esses
livros eram idênticos aos ensinamentos dos sábios do Extremo Oriente”.
Em nota de
rodapé em Doutrina Secreta V, Secção IV, H. Blavatsky faz questão em
transmitir-nos esta mensagem profunda e transversal: “Os escritos da
antiguidade muitas vezes personificavam a Sabedoria como uma emanação auxiliar
do Criador. Assim, temos o Buddha hindu; o Nebo babilónico, o Thoth de Menfis,
o Hermes da Grécia.” Acrescentando de seguida que: “Na Doutrina Secreta do
Oriente esta função auxiliadora encontra-se colectivamente nas primeiras
emanações da Luz Primordial, os Sete Dhyan-Chohans, cuja descrição se
identifica com os “Sete Espíritos da Presença” dos católicos romanos.”. Eis
então o fio condutor espiritual da humanidade que perpassa por todas as
civilizações e culturas. Hermes Trimesgisto ou Toth foi uma das pérolas desse
longo colar, apenas um dos Construtores (avatares) propiciadores de metamorfose
e mutação, física e espiritual do Homem, uma versão de uma mesma Entidade.
João Porto
e Ponta Delgada, 29 de Maio de 2023, Dia da Autonomia
Publicado em Revista Fénix - https://www.revistafenix.pt/thot-ou-hermes-trimegistos/
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