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"Tudo, entre os mortais, tem o valor do irrecuperável e do fruto do acaso. Entre os Imortais, em contrapartida, cada acto (e cada pensamento) é o eco de outros que no passado o antecederam, sem princípio visível, ou o fiel presságio de outros que no futuro o repetirão até à vertigem. Não há coisa que não esteja como perdida entre infatigáveis espelhos. Nada pode acontecer uma só vez, nada é preciosamente precário".
Jorge Luís Borges, O Alepf
Este mundo é cheio de paradoxos. Entre muitos, um deles foi até há pouco tempo remetido para as catacumbas do desconhecido e do indecifrável. Refiro-me ao paradoxo EPR ou paradoxo de Einstein-Podolsky-Rosen, base do abismo profundo que tem separado até aos nossos dias a Relatividade Geral da Mecânica Quântica.
No seu âmago residem duas concepções do mundo: uma ligada ao macrocosmo, a outra inerente ao microcosmo, ambas mantendo razões, pontos de vista e instrumentos de análise irredutivelmente próprios que não permitem conciliações teóricas e práticas, cada uma descrevendo o seu mundo à sua maneira. E ambas funcionando correctamente dadas as circunstâncias certas. Aliás a mecânica newtoniana continua a singrar nos domínios do aeroespacial e dos jogos de guerra.
Um dos pressupostos que as manteve afastadas era a ideia da existência do fenómeno de emaranhamento quântico que implicava a transferência de informação a velocidades instantâneas, supralumínicas, que colidiam com o limite imposto pela velocidade da luz de 299.792.458 metros/segundo. A interpretação da mecânica quântica da Escola de Copenhaga no que dizia respeito ao fenómeno do colapso da onda em partícula, implicava a existência de um “entanglement” ou emaranhamento instantâneo em todo o espaço.
Outro pressuposto envolvia a natureza da gravidade como força. Depois da concepção einsteiniana do espaço-tempo como um corpo de molusco, formado por curvaturas modeladas pelas titânicas massas dos corpos celestes, alguns como os buracos negros que tudo avassalam, outros que definem e mantêm a estabilidade das órbitas planetárias dos sistemas estelares, a cosmologia parecia assentar de forma segura numa descrição plausível e bela que de vez retirava do palco o éter, o espaço e o tempo absolutos e infinitos newtonianos. Contudo, nunca se encontrou um suporte para esta força, uma partícula, um bosão que a carregasse e transmitisse. Era absolutamente necessário à sua perseveração e consistência.
Contudo Schrodinger, com a sua célebre equação de onda, tratava o tempo de forma clássica estabelecendo que o tempo na mecânica quântica não é relativisticamente invariante, definindo que no colapso de onda existe claramente na sua descrição um “antes” e um “depois”, assunto que posteriormente em 1926 foi estabelecido matematicamente por Klein e Gordon, conhecido como o operador de Alembert, que estabelece uma relação entre energia, momento e massa dado pela equação:
E² = c²p² + m²c𑇕
(E a energia total de um objecto, p o momento, m a massa e c a velocidade da luz)
Para quem tem alguma noção básica de matemática, verá na resolução desta equação um aspecto dual em resultado do valor da raiz quadrada, aspecto dual que não está presente na resolução da equação de Schrodinger. Significa que o valor de onda assume uma propagação de ondas retardadas que se propagam de forma retardada no tempo (do passado para o futuro), e por outro lado, também se propagam em ondas avançadas que o fazem retroactivamente no tempo (do futuro para o passado). No caso vertente a equação de Schrodinger só apresentava uma solução de onda retardada, que vem do passado para o futuro.
Quando considerado, este aspecto fazia desaparecer o paradoxo EPR quando admitidas como reais as ondas do futuro para o passado, aquelas ondas construtoras de sintropia enquanto aquelas vindas do passado para o futuro eram construtoras de entropia. Assim, o tempo presente parece resultar do impacto constante entre sintropia e entropia. Revive-se o Trimurti hinduísta numa acção perene, Tamas (entropia), Sattva (tempo presente – a ilusória e ínfima estabilidade como veremos de seguida) e Rajas (sintropia).
Micro e macroscopicamente, a entropia definiria a lei universal da causalidade onde a causa antecede o efeito, passível de ser estudada e inventariada. Ao contrário a sintropia seria resultado do efeito antecedendo a causa, afinal o verdadeiro construtor do nosso mundo aceite como a realidade suprema – por detrás dela, a dualidade anima e animus de C. Jung, imponderável e mística, impossível de ser reproduzida e estudada pelas actuais leis da Física.
Em 1949 já Feynman com os seus diagramas interpretativos da electrodinâmica quântica, apontava que nos fenómenos de emissão e absorção no quadro das interacções das partículas subatómicas do Modelo Padrão, os emissores evoluíam do passado para o futuro enquanto os absorventes faziam-no do futuro para o passado.
Diagrama de Feynman: uma electrão e a sua antipartícula (positão e+) aniquilam-se e neste processo originanam um fotão (ϒ) que gera um par quark/antiquark e este último um gluão. O positrão (e+) e o antiquark (q-) evoluem do futuro para o passado. https://en.wikipedia.org/wiki/File:Feynmann_Diagram_Gluon_Radiation.svg
Estes modelos de simetria temporal dos campos quânticos electrodinâmicos explicam resultados convencionais obtidos no mundo experimental macroscópico, impossibilitando a distinção entre ambos.
Então porque não vemos o mundo como uma onda?
Consideremos uma bola de basebol: A sua velocidade máxima que possui a massa de 0.145 quilogramas é de 46,7 metros/segundo. Qual será então o seu comprimento de onda associado? Substituindo os valores para massa e velocidade na equação de De Broglie
(onde λ = comprimento de onda, ꚕ a constante Planck 6,626 x 10 elevado a -34 e v a velocidade em apreço), teremos então:
Em conclusão, este comprimento de onda ( λ ) é vinte vezes menor do que o diâmetro de um fotão (partícula da luz)! Sendo tão pequeno, não podemos esperar que uma bola de futebol se comporte como uma onda, exibindo por exemplo padrões de difracção ou ultrapasse paredes por efeito túnel.
Ou seja, a afectação do futuro no passado acontece numa transição de fase absolutamente microscópica resumida ao tempo presente, um tempo que deverá ser considerado de dimensão minimalista, o tempo granular minímo, exactamente igual ao tempo de Planck: 10 elevado a-46 segundos. Esta dimensão impede a exploração experimental do processo transaccional daqueles dois tempos: o de retrocausalidade impactando o da causalidade. Uma transição de fase correspondente precisamente ao tempo presente. Esta quase instantaneidade do tempo presente não é incomum. A mesma, conhecida como emaranhamento é a matriz sustentável do espaço-tempo. Um passo fundamental, como se verá ainda, para a unificação da Teoria da Relatividade com a Física dos Campos Quânticos.
Em 2022 o prémio Nobel da Física era atribuído ao trio John Clauser, Alain Aspect e Anton Zellinger, confirmando de forma definitiva a existência do fenómeno quântico do emaranhamento pelo trabalho em “experiências com fotões entrelaçados, instituindo a violação das desigualdades de [John] Bell e tornando-se pioneiros na ciência da informação quântica”, de acordo com a Academia Real Sueca das Ciências. John Bell, que anteriormente em 1964, formularia o problema de modo à sua verificação experimental, os pressupostos que passariam a ser conhecidos como a “desigualdade de Bell”, onde seriam retomados os conceitos de não-localidade de David Bohm e das “variáveis ocultas” ou da “ondeidade”.
Um “campo de forma”, como Bohm denominaria, em que cada ponto do espaço contribui com informação, que no seu conjunto forma uma matriz organizada, de ligação entre nós de uma malha. Uma “espuma de spins” de acordo com a teoria da Gravidade Quântica em Laços de Carlo Rovelli. Este campo quântico covariante, que se contém a si próprio, para operar em regime não-local apenas exige que o potencial quântico deve manter a sua intensidade independentemente da distância. Sem sistemas de referência privilegiados, “trabalha” de maneira oposta à de todas as outras forças electromagnéticas, porque recebe a todo o instante toda a informação necessária (massa, spin, carga) decidindo em última análise, como as partículas surgem e se movimentam na nossa dimensão espácio-temporal.
A partir daqui estão configurados os pressupostos necessários que nos farão compreender a teoria da “sincronicidade” de Carl Gustav Jung (1875-1961).
Em 1952, em co-autoria com Wolfgang Pauli (1900-1958), prémio Nobel da Física, publicariam um artigo intitulado: “Sincronicidade – um princípio de conexões acausais”, onde era trabalhado o conceito, anteriormente apresentado em 1920 por C. Jung, onde se entende a sincronicidade como princípio de conexão acausal que não pode ser explicado utilizando como base a causalidade, e que à primeira vista apenas sugerem acontecimentos coincidentes sem qualquer ligação aparente, e que ele denominaria de “coincidência significativa” pois possuem um padrão próprio dinâmico com a presença aleatória de circunstâncias, expressas por eventos com relações significativas.
A violação da causalidade: provam-no a imensidade de experiências pessoais dos insights ou intuições que se desenvolvem como fenómeno síncrono. Provam-no os experimentos cientificamente controlados de Rhine, envolvendo a percepção extra-sensorial e a clarividência. Provam-no as muitas descobertas científicas que ocorreram e ocorrem quase simultaneamente em lugares distantes no mundo, sem que houvesse qualquer contacto prévio ou posterior entre os investigadores. Rupert Shelldrake explica-a pela existência de um Campo Mórfico fractal que permeia toda a natureza (provavelmente Quântico Covariante).
Esta violação surge-nos como mera casualidade e tem sido sempre entendida como tal, desde que não ultrapasse os limites impostos pela estatística probabilística. Quando isso acontece transforma-se em mistério ou em suposto erro de amostragem.
A Casualidade é a manifestação no Tempo Presente e forma o aparente tecido do nosso mundo do dia-a-dia. Muitas destas violações da causalidade só podem ser verificadas posteriormente, pois foram realidades de tempos futuros que se manifestaram antecipadamente, os designados acontecimentos “sincronísticos”.
Causalidade → Casualidade ← Acausalidade
“Geralmente admitimos que o acaso é susceptível de alguma explicação causal, e só pode ser chamado “acaso” ou “coincidência”, porque a sua causalidade ainda não foi descoberta. Como temos uma convicção arreigada a respeito da validade absoluta da lei da causalidade, achamos que esta explicação do acaso é suficiente; mas se o princípio da causalidade só é válido relativamente, segue-se que a imensa maioria dos casos pode ser explicada em sentido causal; contudo deve restar um pequeno número de casos que não tem qualquer ligação causal. Encontramo-nos, assim, diante da tarefa de seleccionar os acontecimentos casuais e separar os acausais dos que podem ser explicados causalmente. É de supor, naturalmente, que o número dos acontecimentos que podem ser explicados causalmente superam de muito os acontecimentos suspeitos de acausalidade e, por esta razão, um observador superficial ou preconceituoso pode facilmente ignorar os fenómenos acausais relativamente raros. Logo que passamos a lidar com o problema do acaso, defrontamo-nos com a necessidade de uma avaliação quantitativa dos acontecimentos em questão.”
Carl Jung, “A Dinâmica do Inconsciente, Sincronicidade”
Outras influências de retrocausalidade foram detectadas a nível biológico, tais como este trabalho de Tressoldi e colaboradores., “Heart Rate Differences between Targets and Nontargests in Intuitive Tasks” onde se constata que as reacções dos batimentos cardíacos surgem numa fase anterior à estimulação, (Tressoldi e coll., 2005).
Ou ainda o trabalho de 2003 de Spottiswoode e May realizadas no Cognitive Science Laboratory, que confirmaram trabalhos experimentais anteriores datados de 1997, conduzidos por Bierman e Radin, que mostravam reacções antecipatórias de 2 a 3 segundos na condutividade eléctrica da pele face à provocação de estímulos emocionais.
Também Chris King em 2003, confirmava que os sistemas vivos são constantemente postos à prova com bifurcações decisórias, num constante estado de escolha, provenientes de informações provindas do passado (ondas retardadas) e informações provenientes do futuro (ondas avançadas) e que este estado constante de selecção de opções, seriam comuns a todos os níveis e estruturas da vida, desde moléculas até às macroestruturas orgânicas. Tomariam a forma de livre-arbítrio nos sistemas mais complexos.
Por outro lado, as bifurcações decisórias seriam a causa de dinâmicas aparentemente caóticas que explicariam a razão da vida estar organizada de forma fractal. Este modo fractal seria uma importante propriedade dos sistemas vivos e um modelo provado de sobrevivência aos impactos da dualidade sintropia versus entropia. Aliás um modelo copiado do próprio Cosmos e base de reflexão de todas as cosmogonias e teogonias.
Quanto à própria natureza da consciência nos seres humanos (e nos animais em diversos patamares), a teoria Orch-OR de Stuart Hameroff e Roger Penrose, vem reforçar esta ideia da interacção causal e acausal com o colapso de onda exercido na estrutura microtubular, também ela organizada fractalmente. Seriam processos eminentemente quânticos. Aqui as ondas retardadas do passado e as avançadas do futuro, sob o efeito de sincronicidade não-local de uma dimensão espaço temporal que se contêm a si própria, fazem a gestão do cognoscível entre sintropia e entropia.
Neste contexto falar em livre-arbítrio impondo condições que minam qualquer noção credível para o mesmo, torna-o uma manifestação ilusória ou aparente no nosso mundo. Resultado do equilíbrio de “forças” construtoras (sintropia) e destruidoras (entropia) que se desenvolvem na nossa “brana” – o Tempo Presente, que como vimos possui uma dimensão espaço temporal mínima: o espaço e o tempo de Planck. Surge assim mais um paradoxo que só pode ser contornado se a acção que faria com que o evento acontecesse não possa ocorrer. Este é o Princípio da Autoconsistência de Novikov. Creio que também Agostinho de Hipona (354–430 d.C.) já se havia apercebido deste assunto.
O Princípio de Autoconsistência de Novikov assenta na concepção fractal de multiversos numa tentativa de solucionar alguns paradoxos criados pelas perspectivas de viagens no tempo, do estilo ir ao passado e modificar as situações de me originaram ou ir ao futuro e criar as condições para ganhar na lotaria na minha linha do tempo original.
A solução a este paradoxo para Igor Novikov seria não alterar a linha do tempo original, e sim gerar uma linha alternativa em consequência dos fatos que foram alterados na primeira, fazendo com que a primeira ficasse intacta. Ou seja criaríamos uma nova linha do tempo que se desenrolaria num universo paralelo, ou então seríamos impedidos de alterar os acontecimentos passados por um bloqueio da bifurcação que levasse a essa alteração. Esta última hipótese pressupõe a existência de uma Consciência provedora que fizesse a manutenção da estrutura fractal dos universos ou o colapso do próprio acto pela extinção desta nova linha do tempo por insustentabilidade. A insustentabilidade destas novas linhas do tempo dever-se-iam a carência de ondas avançadas, por não existir a linha do tempo futuro e acausabilidade (sintropia), o vector construtor. Seria sempre necessário existir o desafio da dualidade.
Tanto num caso como noutro, estas hipóteses implicam a existência de uma Consciência, talvez O Inefável gnóstico em Pistis Sophia, o Ayn Soph na Cabala, o Brahman hinduísta, o Uno neo-platónico, a Mente Cósmica teosófica, uma entidade para além do espaço-tempo, talvez a Energia Escura do lambda (Λ) na actual cosmologia.
Bibliografia
Bierman D.J. (1997) e Radin D.I., Anomalous anticipatory response on randomized future conditions. Perceptual and Motr Skills.
C. G. Jung, Sincronicidade, A Dinâmica do Inconsciente, Vol. 8/3, 2018 Editora Vozes, Livro Digital Google Books.
Cramer J. (1986), The Transactional Interpretation of Quantum Mechanics, Review of Modern Physics 1986.
King, C. (2003), Chaos, Quantum-transactions and Consciousness, NeuroQuantology 2003.
Spottiswoode P. (2003) e May E., Skin Conductance Prestimulus Response: Analyses, Artifacts and a Pilot Study, Journal of Scientific Exploration, Vol. 17, No. 4.
Tressoldi P. E. (2005), Martinelli M., Massaccesi S., e Sartori L., Heart Rate Differences between Targets and Nontargets in Intuitive Tasks, Human Physiology, Vol. 31, No. 6, 2005.
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