sábado, 21 de dezembro de 2024

O Indescritível

 


Indescritível é aquilo que não é passível de descrever ou de descrição, considerando que descrição é achada aqui como a falta de palavras ou de linguagem, que conduz ao desconhecimento que não permite caracterizar ou resolver um evento ou fenómeno nos seus constituintes intrínsecos.

Normalmente partimos de um estado inicial ou encontramo-nos num estado final, mas o processo que medeia os dois poderá ser indescritível por falta de recursos técnicos de análise, por sua vez, nascidas de teorias que suportem a evolução entre os dois estados. As limitações da linguagem e das palavras para descrever um fenómeno levou a matemática a elaborar construções simbólicas cujo aprofundamento nos aproxima da sua resolução mas paradoxalmente nos leva a uma crescente dimensão desconhecida. Como diria Goethe, “Todo o perto se afasta”.

Poderíamos exemplificar com a actividade existente no cerne da matéria, no ambiente das partículas subatómicas onde é possível conhecer o estado inicial entre duas partículas que colidem e o seu estado final, o resultado dessa interacção, mas nada sabemos sobre o estado intermediário que se desenrolou. A nossa aproximação cautelosa à descrição do processo, sempre misterioso porque ligado à teoria dos campos quânticos, levou ao desenvolvimento dos Diagramas de Feynman e depois a uma concepção geométrica do Espaço de Hilbert (espaço euclidiano sem restrições dimensionais) designado por Amplituhedron, cuja natureza traduzida em linguagem matemática, torna-se esotérica para o comum dos mortais, não nos é permitida abordar aqui.

Dos Diagramas de Feynman também resultou uma melhor compreensão do processo quântico subjacente à emergência das designadas partículas virtuais de que fazem parte as anti-partículas. Estas surgem como evento de retrocausalidade onde a seta do tempo se inverte: vindas do futuro aniquilam-se com as partículas de carga contrária (as que vem do passado como evento normal da fenomenologia do dia-a-dia), como se um deus destruísse tão depressa quanto criasse, obliterando o acesso ao conhecimento deste processo intermédio.

Como diz Mestre Eckhart (1260-1328), citado por A. Huxley na Filosofia Perene, “Existem três coisas que impedem alguém de conhecer Deus. A primeira é o tempo, a segunda é a corporeidade e a terceira é a multiplicidade.”



Mestre Eckhart von Hochheim
Fonte: Wikipédia

Damos-lhe razão, se fizermos corresponder aquelas três categorias às características da própria dimensão material da Natureza ou do Cosmos. As partículas fermiónicas (os hadrões representados por protões e neutrões que formam o núcleo dos átomos e os electrões que o envolvem numa nuvem de probabilidades), constituintes da matéria, são caracterizadas por possuírem massa, carga e spin (ou momento magnético intrínseco e o que isso possa misteriosamente significar). Estamos a excluir, por enquanto, os bosões por serem as forças resultantes dos campos quânticos.

Primeiro, da massa surge a corporeidade, porque 99% da sua existência, defendem muitos e avançamos desde já, se poderá dever ao próprio “network de spins” que deriva da noção da quantização ou granularização do próprio espaço. O bosão de Higgs apenas contribui com a ridícula percentagem de 1% para a massa do protão, neste caso conferida directamente ao “núcleo duro”, aos Quarks que o constituem, se acreditarmos nas últimas investigações conduzidas por Sergei Voloshin, professor na Universidade Estadual de Wayne e membro do projecto ALICE do CERN (1).
Profundas consequências advirão derivadas desta quantização do Espaço-Tempo: ao nível cosmológico a existência do fenómeno gravítico sem a necessidade da existência de massa e, por consequência, a inexistência da teorizada Matéria Escura para explicar a “massa em falta” que hipoteticamente manteria a coesão das estruturas galáticas. Esta nova perspetiva deriva necessariamente da natureza comum entre massa, spin e carga, que agora exploramos. Sendo a sua origem comum, como nos conduz a milenar ideia subjacente à trilogia hinduísta/védica, tudo se encaixaria perfeitamente numa nova visão cosmológica.

Esta ideia, foi pressentida pela teoria MOND (Modified Newtonian Dynamics) ou Dinâmica Newtoniana Modificada, que sugere uma alteração à segunda Lei de Newton, acarretando no entanto sérios problemas ao princípio da conservação da energia. Foi recentemente explorada, em Junho de 2024, por Richard Lieu, professor de Física e Astronomia na Universidade do Alabama Huntsville (UAH), num trabalho intitulado “The binding of cosmological structures by massless topological defects”, publicado na conceituada Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, Volume 531, páginas 1630 a 1636.

Contudo, esta alegação terá que esperar por confirmação entre nós com o projecto LISA (Laser Interferometer Space Antenna), idealizado e posto em marcha pela Agência Espacial Europeia e já anunciado em Janeiro de 2024, planeando o seu lançamento para o Espaço em 2035. Este projecto consta de uma constelação de 3 observatórios espaciais, em órbita em torno do Sol, formando entre si uma triangulação perfeita com 2,5 milhões de quilómetros de lado, ligados por potentes feixes laser, destinados a detetar ondas gravitacionais e as suas pegadas, ou memórias informacionais, no tecido do espaço-tempo. Tecnologia só possível no século XXI, fazendo uso das mais recentes descobertas nas áreas da inteligência artificial e possivelmente do emaranhamento quântico. Por esta altura será possível revelar a memória informacional do espaço-tempo, ou pelo menos um dos seus aspetos, e desvelar assim o conteúdo dos textos védicos que sugerem ser, à luz da atual ciência, uma ténue e finíssima estrutura mental akáshica suportada pela não-localidade e emaranhamento quânticos, um tecido de informação elaborado em éons mas perene, e da qual partilhamos em suma o fenómeno da Consciência. A ideia, já muito antiga, do Universo como ser vivo.

Deste modo reconciliaríamos a Relatividade einsteiniana com a sua visão de Localidade do Espaço-Tempo curvo, com a Mecânica Quântica com a sua visão de não-Localidade e da percepção da “acção instantânea” entre fenómenos. Esta visão foi validada pela previsão feita há 50 anos no quadro da unificação da Teoria dos Campos Quânticos (TCQ) com a Relatividade Geral (RG) e conhecida como a teoria do campo quântico do espaço-tempo curvo, através da deteção da radiação Unruh-Hawking no processo da aceleração de eletrões.

Aceitarmos a quantização do espaço-tempo como entidade própria de natureza quântica covariante, que se contem a si própria a todas as outros campos identitários, estruturada numa escala microcósmica pertencente às dimensões de Planck, onde o espaço 10-36 cm e o tempo 10-44 segundos são relativos, levar-nos-ia de encontro a uma matriz de “potencial de forma” (talvez os reinos dimensionais revelados e designados “Potências” em Pistis Sophia?) que se situariam para além do formalismo do Espaço-Tempo onde neste só conta a distância. O emaranhamento quântico permitiria a existência real dos teorizados “buracos de minhoca” da Cosmologia, fazendo prova definitiva do network de spins do espaço-tempo.

Depois a carga eléctrica, o fluir do tempo causal, positivo, do passado para o presente e o outro tempo retrocausal, negativo, do futuro para o presente; o tempo-espaço relativístico onde as cargas e o movimento (limitados à velocidade da luz) geram os potentes campos electromagnéticos que permeiam o Cosmos e o modelam num gigantesco Jiva energético. 
Como Jorge Luís Borges antevio ao afirmar: “A cada homem é dada, com o sonho, uma pequena eternidade pessoal que lhe permite ver o seu passado recente e o seu futuro próximo.” Afinal a história pequena e grande está repleta de casos de presciência!

Aquilo que chamamos de Providência mais não é do que a seta temporal da causalidade em funcionamento, seguindo a rota do passado-presente-futuro, que na ordem correta de fenómeno de localidade, gera o designado e presentido Destino. 

Como afirma Boécio, citado em Filosofia Perene por Aldous Huxley: “A Providência é a própria razão divina, que se livra de todas as coisas”, por outras palavras, a Localidade, fenómeno intrínseco à nossa dimensão, é a manifestação da Não-Localidade, teorizada por David Bohm com as suas variáveis ocultas e reforçada pela verificação experimental da Desigualdade de Bell, já contemplada em 2022 com Prémio Nobel por resolução de outro paradoxo (o do EPR – Einstein-Podolsky-Rosen).

Huxley ainda acrescenta: “O corpo é sempre temporal, o espírito é sempre intemporal, e a psique é uma criatura anfíbia…”.

David Bohm
Fonte: Wikipédia

Finalmente o spin e a multiplicidade, porque aquele só permite assumir valores quantizáveis pré definidos.
Multiplicidade significa diversidade. A matéria está representada pelos elementos químicos conhecidos agrupados de forma ordenada na Tabela Periódica de Mendeleev pela sua configuração electrónica e número atómico, evidenciando a existência de grupos com comportamentos semelhantes nas suas propriedades químicas, formam até agora 118 elementos diferenciados que assim representam o reino da natureza material. O que os diferencia é exatamente o spin ou momento angular intrínseco, por ser inerente ao suposto movimento considerado de “rotação” dos eletrões (segundo muitos, mais toroidal do que de simples rotação), que por esse efeito, são fonte de campos magnéticos caracterizados por duas orientações possíveis, up (↑) e down (↓), indicando também que o eletrão parece mostrar um fenómeno de “rotação”, ainda mal compreendido, no sentido horário ou anti-horário do seu eixo. 
O spin, um número quântico designado por ms, está associado ao momento magnético da partícula, pode tomar valores inteiros ou fracionários. Por exemplo os electrões, protões e neutrões possuem um ms = -1/2 ou ms = +1/2, enquanto os bosões, de que são exemplo os fotões, a força nuclear fraca representada pelas partículas W+, W- e Z, possuem um ms = 1, 2, etc. 
É este misterioso número quântico magnético que obriga os electrões a disporem-se em torno do núcleo de todos os átomos em orbitais (que substituíram a concepção clássica e mecanicista das órbitas da física atómica), representando funções de probabilidade onde poderemos encontrar o eletrão. Esta orbitais, classificadas pelas letras s, p, d e f, são preenchidas de acordo com regras axiomáticas próprias de atos de sustentabilidade, tais como a Regra de Hund e do Príncipio de Exclusão de Pauli, que afirma que dois eletrões com o mesmo spin não podem ocupar a mesma posição. Assim são distribuídos e fazem surgir os “subníveis” por ordem crescente de energia.
É esta multiplicidade conferida pelo inexplicável e mal compreendido spin que fundamenta a estrutura da matéria nossa conhecida.

Em conclusão: este conjunto, construído afinal a partir de uma origem comum - o espaço granular, “rede informacional de spins”, foi-nos transmitido reflectido desde sempre no simbolismo do Yin/Yang, tal como na tríade hinduísta dos Trigunas, Tamas, Sattva e Rajas, envolvendo um ciclo espiral infindo de construção (sintropia), destruição (entropia) mas em equilíbrio no mundo da dimensão temporal, momento exíguo e passageiro da “brana” do presente, porque também possuidor de uma forte seta ascensional, que a mesma filosofia nos dá a conhecer sob a designação de Dharma, uma espécie de orientação de um eixo universal, um vetor, que só poderá ser também de natureza iminentemente magnética e informacional. Esta seta temporal existe por imposição kármica – fenómeno individual e coletivo de renormalização, derivada daqueles ciclos que vão construindo o Akasha.

Esta perspetiva, permitiria definitivamente a unificação da física quântica de Heisenberg e Schrödinger com a relatividade geral einsteiniana, e resolver a atual crise instalada. 

Em diferentes escalas, a estrutura dos espaços mórficos é de igual natureza do espaço granular que permeia o Cosmos, ambos “espuma de spins”, uma reflexo da outra, por inerência das três características das partículas: Massa, Spin e Carga ou filosoficamente falando, Corporeidade, Multiplicidade e Tempo. Precisamente as três componentes que não nos deixam passar a fronteira da ilusão (Maya) e ingressar na dimensão divina. Esta será possivelmente a Nova Dimensão para a qual faz caminho o Eu humano por imposição dhármica, o regresso às origens em éons.

Reforçamos esta ideia com o Livro I de Dzyan, ESTÂNCIA III, Capítulo 12 e, na qual inscrevemos em parêntesis, a nossa interpretação:

“Então Svabhâvat (Informação) envia Fohat (spin – momento magnético intrínseco) para endurecer os Átomos. Cada qual é uma parte da Tela. Refletindo o ‘Senhor Existente por Si Mesmo’ (o campo quântico covariante granular do espaço-tempo) como um Espelho (a fractalidade), cada um vem a ser, por sua vez, um Mundo.”

E ainda no Livro III das Estâncias (“Tratado Sobre Fogo Cósmico”, Estância XI:1, Capítulo 37) também se lê: 

“A roda da vida gira dentro da roda da forma exterior (estrutura topológica holográfica fractal). Circula a matéria de Fohat (o spin – momento magnético), seu fogo endurece todas as formas (dá forma à matéria). A roda invisível gira em rápidas revoluções (spin), dentro do lento invólucro externo (matéria), até que a forma se desgaste (até ao fim).”



Yin/Yang



Esta é também a natureza essencial dos seres vivos. Aldous Huxley em Filosofia Perene, numa dos seus profundos insigts, afirma: “No entanto, parece que o teste da inteligência cósmica comprova que, em algum momento durante a sua carreira biológica, toda a matéria viva, excepto os seres humanos, sucumbiram à tentação de assumir a forma mais imediatamente rentável, não a melhor. Através de um ato de algo semelhante ao livre-arbítrio, todas as espécies, exceto a humana, escolheram os retornos rápidos da especialização, o entusiasmo atual de ser perfeito, mas a um nível baixo. O resultado é que, estão todos no fundo dos becos sem saída evolutivos. Acrescentaram o equivalente biológico obscuro à Queda voluntária do ser humano à Queda cósmica da criação inicial e da sua manifestação múltipla temporal. Como espécie, escolheram a satisfação imediata do eu em vez da capacidade de reunião com o plano divino.”

Podemos assim, explorar as bases do panpsiquismo e dos incompreensíveis supostos fenómenos emergentes que nada explicam (a própria designação de “emergente” é simplista e não conduz a um construct). Afinal tudo possui algum nível de cogniscismo ou Informação matricial, organizada de forma fratal, tais formas geométricas de Escher, e que nos induz a pensar que o todo possa ser maior que a soma das partes, provavelmente por efeito de transições de fase orquestradas por ressonâncias vibracionais à escala de Planck (que poderiam ser alguns efeitos conhecidos, tidos como os denominados efeitos quânticos de Túnel, Casimir, Sobreposição e Emaranhamento). 


Exploração gráfica infinita de Escher
Fonte: Wikipédia

idealizado espaço mórfico granular, como campo quântico de spins, com a informação da topologia fractal revelada na organização toroidal e no triângulo de Pascal como se este reflectisse a constituição ternária védica (o triângulo é a primeira forma geométrica que estabelece uma superfície). Parece também estar biologicamente transposta nos microtúbulos neuronais onde são revelados processos de natureza quântica, imprevistamente verificados à temperatura ambiente, como defendem Sir Roger Penrose e Stuart Hameroff.

E, assumir que para além da “concha” estratigráfica (tipo cebola) do nosso espaço-tempo relativista, - que inclusivamente põe em causa a expansão acelerada do universo pelo fator atrativo de uma suposta energia escura (a célebre constante lambda), porque afinal o problema prende-se com os nossos relógios, e o tempo anda mais depressa quando afastado das grandes massas que o encurvam (2), - estaria o Brahman da filosofia hinduísta, onde o espaço-tempo não existe – o domínio do Akasha e dos pressentidos archetypos platónicos e das sincronicidades acasuísticas junghianas – afinal aquilo que pode ser um interface ou uma transição de fase com o Absoluto – o Indescritível, para nós o adimensional divino.



Notas e bibliografia

(1) https://www.symmetrymagazine.org/article/scientists-search-for-origin-of-proton-mass?language_content_entity=und.

(2) Antonia Seifert, Zachary G Lane, Marco Galoppo, Ryan Ridden-Harper, David L Wiltshire, Supernovae evidence for foundational change to cosmological models, Monthly Notices of the Royal Astronomical Society: Letters, Volume 537, Issue 1, February 2025, Pages L55–L60, https://doi.org/10.1093/mnrasl/slae112.

Aldous Huxley, Filosofia Perene, Alma dos Livros, 1ª edição Outubro 2024.

Jorge Luís Borges, Sete Noites, Quetzal editores, 1ª edição Setembro 2024.

Yoav Afik (1), Juan Ramón Muñoz de Nova, (1) Experimental Physics Department, CERN, 1211 Geneva, Switzerland, (2) Departamento de Física de Materiales, Universidad Complutense de Madrid, 28040 Madrid, Spain, Entanglement and quantum tomography with top quarks at the LHC, Eur. Phys. J. Plus, 25 August 2021.


                                                João G. F. Porto e Ponta Delgada, em dia de Solstício, 21/12/24

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